O céu por cima dos pinheiros
Estrelas cadentes
A brancura de um lençol
A tua face franzina e movimentos pesados
Sorrisos lânguidos no olhar
Uma certa lassidão
Uma vela acesa sob o luar, junto à praia.
Tu, à volta da piscina, a andar, a andar
As torres eólicas – moinhos de vento – D. Quixote
Tu, ali no monte
Tu, ali à beira-mar
8 de Agosto – um rapazinho
Um vulto esguio, a descer as escadas
Como se viesses jantar
O canal MEZZO, passeios na FNAC
Lágrimas sempre prestes a brotarem
Um bebé alegre de olhitos negros
Tu na cadeira da varanda a relaxar
Uma praça em Barcelona
Saudades de Moledo
Cansaço
O nosso cansaço
Dar a volta por cima, uma vez
Dar a volta por cima, outra vez
A tua mão que segura a minha, por detrás do assento
E sempre...
“Mamã, vamos dançar?”
Um filho já pai
Sempre a fuga dos olhares
O medo de sair da toca onde me sinto segura
O ódio ao tempo
Um rosto de perfil sobre uma almofada
Um respirar cada vez mais lento
Uma mão quieta
Cravos vermelhos, numa jarra
Cravos vermelhos
A palavra doce “mãezinha”
Umas mãos de criança que se agitam
Raiva ao tempo
Insónia
Insónia
Os sons do David
Saudades do abraço da noite
A palavra David
As coisas em que não toco do David
Uns pezinhos alegres de menino
Um blog triste
Saudades
O espaço que se fechou e me arrepia
Uma tentativa infrutífera de pintar a vida de fresco
Roupas de criança
Brinquedos num quarto amarelo
Uma bicicleta parada, pendurada, enferrujada
A imagem que o espelho me devolve
Não me reconheço
A angústia ao anoitecer
A saudade amordaçada
Os contornos (im)precisos dum momento de ruptura
A estranheza do acordar
Tanto tempo
O espanto
Tão pouco tempo
Dias tão longos, parados no tempo
Um menino chamado Miguel
Um quarto quase sempre fechado
Sempre o espanto
Um palco escuro e desmantelado
O encanto de uma jovem mãe
Gaivotas no mar
Uma certa rocha na praia de Moledo
Há coisas que não podem acontecer
Passeios pela FNAC
O teu relógio de pulso no meu pulso
O meu jardim parado
O sorriso e ternura do meu filho, como jovem pai
Gatos que descem pelos muros
A ausência e o silêncio
As guitarras encostadas à parede
A inocência duns olhos de criança
Aviões
Os que nos levaram à procura de mais tempo
Os pássaros nos pinheiros
Um rapazinho a palrar
Tu, no pátio de Moledo, a descansar
“Mamã, vamos dançar?”
CHOVE
>
> Chove o velho ano vai-se embora
> Diz adeus ao que ido já suou
> Mas contudo olhando-se ele já chora
> Do tempo em que perdido pouco amou
>
> Em sua rota no fim se levantou
> De novo e persistente a toda a hora
> Grito de novas guerras se soltou
> E que insiste em não soltar a nora
>
> Corre o grito bramido estrada fora
> Do clamor das desgraças que criou
> Para lá das lágrimas soltas desta tora
>
> Chove envergonhado do que criou
> Endémica é a miséria que o já cora
> Triste ao mirar-se no que passou
>
> Ano velho, roupa velha e relha!
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> Jaime Latino Ferreira > Estoril, 30 de Dezembro de 2008