03 dezembro 2008

Um amor-perfeito



Mudei de escritório, nesta casa imensa em que me perco e onde não encontro um lugar tranquilo.

Um lugar sem medos; sem som do passado.
Agora que a minha irmã já não precisa e o meu neto aí vem, mudei.
Mudei para o escritório inicial do David. Um escritório que ele tão bem planeou para se lançar nos projectos que sempre lhe fervilhavam na cabeça.
Tinha, tenho um solário virado a Sul.
Avisto o Monte da Virgem; lá está a minha escola.E mais atrás, invisível, o mar.
Há uma buganvília que plantei para lhe dar um pouco de cor. O David gostava da sobriedade.
Apesar de não ter cuidado dela (o David adoeceu ao fim de uns meses de cá estarmos), floriu.
A aparelhagem de música é a mesma. Tinha um CD. Mais uma miscelânea de sons para uma amiga.
Algumas músicas são recentes; como se tivesse sido gravado ontem.
Sempre a mesma sensação de inverosimelhança!
No leitor que levava para as sessões de quimio, mais um CD.
Era o que o meu filho ouvia.
Ouvi. Não conhecia.
Passeio-me, sonâmbula, por estes vestígios de alguém que por aqui passou.
E que deixou música, muita música, guitarras, bateria, um clarinete, sons, projectos de espectáculos, filtros de luzes de mil cores...
E, hoje, veio um amor-perfeito de Lamego.
Ao ler o comentário, estremeci de doçura.
E quase sorri.
E senti-me lá, naquela praça junto à Catedral.

Há lá um teatro renovado, por onde o David passou.
Deixou lá uma semente de sonho.
Dos sonhos dum menino de sua mãe...
Que receia voltar a sonhar.




A SÍNDROME DO NATAL

Serias Tu ...!?

Serias, és com certeza Tu como o és hoje assim a cru!

Como Te percebo nessa neura, nessa depressão natalícia, prova, afinal e por paradoxal que possa parecer, de quão intensamente o vives, ao Natal, vivias como o continuas a viver, agora afogada na dor e na saudade, na perda de quem por contraste ao que se celebra, ao nascimento transformado em euforia consumista a todos nos desdobra em azáfama adicional imposta com uma antecedência de meses como quem, cinicamente diz que o natal é todo o ano (!?), nos impõe uma celebração pagã a acudir ao aperto da economia quando a nossa, a do cidadão comum, se vai, mais e mais sufocando num aperto insuportável!!

Como Te percebo ...!

Não que o Natal não devesse ser todos os dias e universal como se vai, contraditoriamente, ao mesmo tempo tornando ...!?

Mas quando a tristeza e a mágoa, a insuportável perda nos afoga ...!?

Esse fingir de felicidade esmaga-nos e interpela-nos, choca-nos na plástica de felicidade imposta diante da miséria e da crueldade que assolam o mundo!!!

De quantos nascimentos perseguidos e sem abrigo, no mundo, têm lugar;

De quantas crianças são apanhadas nos fogos cruzados sem que, ao menos, possam vir a conhecer a idade adulta;

De quantas famílias destroçadas, homens e mulheres dizimados, mutilados e violados ou dos mais velhos transformados em trapos que se descartam;

De quantos nada têm para comer, com que subsistir no dia-a-dia, esqueléticos e famintos na adoração da morte ou numa residual esperança de viver!

Como Te percebo bem!!!

De como se perdeu toda a sobriedade susceptível de conceder soberania ao simbólico, à solidariedade e à entre-ajuda sem humilhações;

De quanto impera uma alegria superficial e sem substracto, um fingimento eufórico de ganância, de fuga em frente e de endividamento crescente das famílias ...

Oh se Te percebo ...!

E de como será celebrar o Nascimento quando, afogados na morte, por ela somos esmagados!

Minha Querida Amiga, não é derrota admiti-lo ...

Como Te percebo e Contigo me solidarizo.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Dezembro de 2008

9 comentários:

Ana Cristina disse...

Mana

Como te percebo eu também e como me correm as lágrimas quando leio o que escreves e revejo o David nas nossas vidas.
Sei que nada posso fazer.
Sei que não há nada a fazer.
Sei que a dor, a saudade e o sofrimento são inimagináveis.
Sei que isto não devia ter acontecido.
Sei que temos de ter coragem sem a saber ter.

Mas também sei que precisamos de ti todos os dias e não apenas nos próximos dias de Natal.A tua tristeza cola-se à pele e deixa-me parada no tempo.
Não te sintas culpada,nem finjas...tu sempre foste e és demasiado importante para todos nós,só isso!

Também eu anseio pelo mês de Janeiro mas também eu e a Diana fizemos a árvore de Natal com luzes brancas a pensar nos olhinhos do teu neto.


Um beijo.
Nini

Anónimo disse...

SEMENTE DE SONHO


Semente de sonho

É o sonho que se mente

Quando mente se desmente

Fica o sonho em tua mente


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Dezembro de 2008

Olga Almeida disse...

Não conhecia esta foto... Que saudade tão grande!
Hoje o David andou comigo o dia todo. Peço-lhe opinião para muitas coisas que faço e tenho sempre a esperança de conseguir acertar na resposta.
Todos os cantos e recantos o relembram... e depois as lágrimas de saudade!
Beijinho grande
Olga

Anónimo disse...

VEROSIMILHANÇA

Contrário de inverdade, instila-nos pelo simbólico e como alegoria, na sua representação concentrada, o retrato do real, contraditório e em aberto, amostra plausível e susceptível de fornecer as interpretações que nos seus currículos escondidos ou entre-linhas, nos seus conteúdos nos apetrecham para encarar, como ferramentas, instrumental ou veículo, como o invisível mas plausível, os nossos percursos singulares.

Singulares e colectivos!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Dezembro de 2008

Anónimo disse...

Isabel, só um beijinho, apertado! Sei que para a Isabel isto pode não querer dizer nada...mas como é triste ver que o Natal se tornou neste consumismo desenfreado! Já pouca gente se lembra que o Natal é a celebração do nascimento de Jesus! A Coca Cola e o gordo Pai Natal ocuparam-nos as nossas casas e endureceram-nos o coração!O ter abafou por completo o ser, infelizmente. E é esse seu Sentir, que a torna tão especial e que a faz sofrer desmesuradamente neste Natal. Não tenho palavras para a confortar, mas acredite que tem aqui um ombro, mesmo que virtual.
MM

Anónimo disse...

O Amor mais do que perfeito

As luzes que brilham nos olhos dos meninos são aquelas que nós adultos, resilientes, lhes acendemos todos os dias e todas as noites no Natal e não só.

As Mães, as Avós, as Tias, as Bisavós, as Primas.

Os Pais, os Avós, os Tios,os Bisavós,os Primos.

Os que sem parentesco aparente se souberam dar e os adoptaram com o coração.

Porque é que a maioria das pessoas tem esta nostalgia da infância, como um tempo feliz, da impaciência pelos presentes, pela tarde do dia 25 de Dezembro que parecia eterna e quente, em que era bom brincar e ler os livros novos?

O sofrimento não estava arredado de nós, nem guardado num armário.

A crueldade das festas felizes também existia,mas tal como hoje, às Avós e às Tias transbordava este Amor mais do que perfeito que as fazia iluminar a noite escura e salvar-nos dos lobos que nos trincam a vida.

Para o Miguel e para a Diana, para que permaneçam sempre meninos de coração quente.

Manuela Baptista

Estoril,4 de Dezembro 2008

Teresa disse...

Isabel, querida...

Como lhe poderei enviar o amor-perfeito?
não acedo ao seu mail, pois não tenho outlook.

Envie-me um mail seu, informal que seja, para ovinhoestrelado@live.com.pt

Beijo, Isabel.

Anónimo disse...

Querida MM e uma vez mais,

Eu preferia não dizer mal da Coca Cola, de S. Nicolau ou do próprio Pai Natal, este, coitado, com costas largas para aguentar com essa nossa e individual responsabilidade no endurecer dos corações ou da opção pelo ter em desprimor do Ser!

Coca Cola bebe-se de quando em vez, nem é desagradável e lembro-me ainda dos tempos em que, interdita por uma obstinação irrazoável a não podíamos beber, desgostosos, entre nós.

Hoje, ninguém é forçado a bebê-la e só a bebe quem quer, melhor assim, pois então;

S. Nicolau é um santo entre os santos sujeito a uma particular devoção que, essa também, a nenhum de nós nos obriga;

O pobre do Pai Natal faz parte, na globalização (!), da mística da quadra e do imaginário infantil e que, supostamente, deveria depositar no sapatinho uma prendinha que logo pelo tamanho do dito até não poderia ser muito grande refreando as tentações consumistas que uma árvore veio deitar por terra espraiando-as em abundância pela sala toda.

O problema não está em nenhum destes ícones de per si ou no conjunto mas na alarvidade em que tudo isto descambou e que é nossa única, singular e colectiva responsabilidade!

Nós não somos manietados, não gosto de me olhar assim nem nenhum de nós é induzido a mecanicamente, pavlovianamente, se comportar como um robot ou coagidamente e desprovido de vontade própria, a embarcar, sem critério, numa incontrolável febre consumista.

Somos munidos de vontade e de livre arbítrio!

Às vezes, admito, não há nada como uma crise que nos leva a moderar os ímpetos e a recentrar, na Festa, aquilo que verdadeiramente importa e mesmo à luz do que se está a celebrar:

Era um Menino perseguido e sem abrigo, sem ter onde cair morto como hoje se diz, sem pai senão o Pai e o padrasto e que não viveu assim tanto tempo senão para a eternidade, diante do terrível sofrimento silencioso e conformado de Sua Mãe ...!

E que, entre outras coisas, deixou um rasto de solidariedade e de entre-ajuda na salvação de todos os Seus irmãos.

Boas Festas,

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Dezembro de 2008

Anónimo disse...

Jaime, obrigada, mais uma vez, pelas suas sensatas e sábias palavras.Um Feliz a Santo Natal para o Jaime e toda a sua familia e amigos.
MM