28 novembro 2008

Esconderijos



Procuro-me.
Ando por aí, espalhada em gavetas, em caixas de papel, em diários dispersos.
Ando por aí, perdida nos quartos onde cheiro restos dum tempo que se fixou, imóvel, nos meus olhos, na pele.
Perco-me, por aí, por estradas e ruas que percorro, na fuga de mim própria, numa imitação de actividade e de urgência, para que não me quede em nada.
Finjo que me movo; dentro de mim, agitada, estou parada.
Páro a cada esquina da casa; onde cada foto conta uma história.
Disperso-me por entre projectos inacabados ou nem mesmo começados, apenas sonhados.
Refugio-me entre sons do dedilhar de guitarras, dum sopro de clarinete ou duma voz mais rouca.
Sigo, com os olhos perdidos, o rasto branco dos aviões que rasgam o céu amarelo do lusco-fusco.
Ainda, nos vejo, em cada um, cansados mas persistentes na busca duma brecha no destino.
Refugio-me nesse teu "Redondo Vocábulo", numa sala de espera..., nuns degraus de um quarto de danças, onde a fúria cresce, ... clamando vinganças.
Ando por aí, num tempo e espaço sem nome.
Parti-me em mil pedacinhos de dor e lágrimas que vou espalhando, dia a dia, por aí.
Nada mudou.
Vejo a distância separar-nos e eu tento resistir ao curso do tempo.
Não me empurrem.
Ainda é cedo para recolher dentro do coração toda a saudade e memórias que deixaste ... dispersas, por aqui.
Por isso, ando por aí, seguindo os teus passos, as tuas imagens tão nítidas.
Procuro-me, por aí.

3 comentários:

Anónimo disse...

Querida Nini,

Desculpe meter-me ao barulho entre a calma serena de minha mulher e a Sua afectuosidade doce!

Na maravilhosa sala de minha mãe, a Lili como muito bem Lhe chama, talvez não se tenha dado conta mas do alto das paredes forradas e profusamente decoradas, no seu elevado pé direito, por lá fomos tutelados, entre outros, pelo Fauno e a Música de Maria Keil que silenciosos a acolhiam e Lhe davam, em uníssono connosco, as boas vindas!

Como se, adestrados, Lhe cantassem uma ária sobreposta, acompanhada em fundo pelo violoncelo numa das maravilhosas Suites de Bach ...

Lá longe, debilitado, o David juntava-se a nós e contrastando a luz, iluminava os recantos e saboreava, gratificado, a alegria que partilhávamos ao lanche e sem cerimónias!

De excelência, o gosto que partilhamos transcorre e inunda os espaços, as letras e o mundo, invade-se de luz e não exita em dizer sim na suavidade da música que de todos os poros emana e mesmo que indignada, inconformada e irrequieta.

Lá longe, o violoncelo não se cansa de continuar a tocar como quem diz mulher na suavidade mansa e profunda de uma voz de fauno ...

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Novembro de 2008

Branca disse...

Isabel,

belo como sempre este seu texto, numa procura incessante de si própria e da reconstituição do que se desfez com a dor que a vai acompanhando. Nâo gostaria de comentar muito os sentimentos, não são muito passíveis de serem comentados, cada um tem os seus e ninguém é igual a ninguém, mas gostaria de dizer que estou por aqui e mesmo quando não estou me lembro muitas vezes de si como se já fizesse parte de muitos dos meus momentos.
Fiquei deslumbrada com a beleza da prosa, quase poética, mas tenho pudor de entrar por aí, pois se bem me lembro estou a falar com uma professora de Português, que me parece que para além de forçosamente saber mais que eu, tem também uma grande criatividade e uma veia artística que aliada ao conhecimento técnico da matéria nos deslumbra com textos de uma riqueza única como este, onde revela uma consciência muito lúcida do seu próprio estado psicológico.
Deixo mil beijinhos.
Branca

paula machado disse...

olá Isabel

passo para lhe deixar um beijinho e desejar-lhe uma boa semana cheia de paz

beijinhos do tamanho do Mundo