07 dezembro 2008



Voltei à janela da cozinha.
Era lá que fumava um cigarro quando o David adoeceu.
Debruçada naquele peitoril, sofri horrores de medo e tortura. Olhava em frente mas não via os caminhos, nem a erva, nem as laranjeira encostadas ao muro. Tudo era verde, menos a esperança que me tinham tirado, abruptamente, ...
Antes via vacas pastando e sobre o dorso das quais poisavam pássaros brancos.
Antes, ouvia, ao longe, o atravessar do comboio.
Antes, apercebia-me das flores amarelas salpicando o verde, no início da Primavera.
Antes, dava-me prazer debruçar-me na janela da cozinha.
Sentia o ar leve, cheirava o odor da erva e das flores...
O David gostava de trabalhar com essa paisagem pela frente. Inspirava-o. Lanchava na varanda do escritório, fronteiro ao fundo verde.
Durante a doença do David, esta janela serviu-me de amparo, na angústia que escondia.
Era lá que respirava mais fundo e chorava.
Procurava restos da alegria perdida.
Procurava força.
E coragem.
Hoje, olhei, novamente, com olhos de olhar, para a paisagem.
Continua verde.
As vacas continuam lá; com os pássaros poisados nas costas.
O rebanho pasta, mais ao longe. Há ovelhas pequeninas.
Duas negras, como sempre.
Iguais àquelas de que eu e o David gostávamos (nós, duas ovelhinhas negras...).
Agora, é-me indiferente.
Viram o David aqui chegar e partir e nada mudou.
A erva devia ter escurecido e perdido o tom verde da esperança.
Mas não; manteve-se igual.
O peitoril da cozinha é apenas o sítio onde, às vezes, fumo um cigarro.
Nada mudou ali; só eu.
Olho para um horizonte mais distante.



CAMINHOS

São atalhos meus caminhos lamacentos

Curtos tortuosos de humidade

Apertados são caminhos de lamentos

São cinzentos e chorados sem idade

-.-

Duma dor carecida de vontade

Salpicados de tortura como ventos

Fustigados de não quererem ser verdade

Não se avista neles luz são pardacentos

-.-

Da cor verde neles forço a qualidade

Salpicada de uma esperança ou de cimentos

Como força que me dá a liberdade

-.-

Fertilizo suas bermas de intentos

Olho ao longe horizonte que me invade

Nos caminhos lá se cruzam meus sustentos

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Dezembro de 2008

3 comentários:

Anónimo disse...

PRADO VERDE

Prado verde é este espaço, a Casa da Venância!

Nele chove, faz mau tempo, frio aterrador mas nele também se cultiva o verde, a cor da esperança, a liberdade ...

Nele nascem horizontes!

Verdeja a cor de quem nele aporta, interage-se e cresce a solidariedade ...

Nele cantam os poetas, prescruta a música e revolvem-se, resolvem-se as maiores indignações!

Nele há lugar, um imenso lugar com destinos que se cruzam e a que chamo de silêncio corrompido, alterado, seduzido pelas palavras sem som mas prenhes dele, de musicalidade do tamanho de todas as pausas e que se dá assim, ao sabor das notas que se pressentem nas entrelinhas.

Como a pauta, o silêncio tem linhas e espaços, também sons e silêncios que se dão a preencher e que aqui, na pauta da Isabel se nos oferecem.

O prado, extravazou a vista da janela da cozinha e espraiou-se por outros e mais vastos horizontes povoados de um rebanho multicolor!

Povoado de Seres!!

De flores que como a rosa e a vida também têm os seus espinhos ...

A Casa da Venância é, em suma, um verdadeiro espaço de liberdade!!!

Com um beijinho, presto a minha homenagem a Isabel Venâncio e sublinho que, não fôra o David ou as duas ovelhinhas negras sua razão de ser e ele não existiria assim, pronto a dar-se ...

Ergo pois e a Vós a minha taça!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Dezembro de 2008

Anónimo disse...

Querido Ovinho,

Nada é muito e mais que tudo!

Não há palavras para o descrever e qualquer uma o transforma logo em algo que já não é ... nada.

Mas, embora assim seja, temos do nada a percepção, tão próxima e ilusóriamente tocável que, apesar de tudo, o concebemos como ao Céu dos céus imensos ...

Há, contudo, uma diferença entre ambos os conceitos, entre nada e Céu:

O Céu, ao longo da História tem sido representado por todos os artistas e por eles, perdoe-me o pleunasmo, imortalizado!

Já o nada ...!

Nada, logo nas suas quatro letras já o não é embora seja, repito, perceptível ...

A minha Amiga pode, contudo, agarrar-se aos conceitos e por via deles sacar a força que, normalmente nos falta nos momentos de aflição!

Querida Ovinho cheio de estrelas,

Eu não peço desculpa à nossa querida Isabel por aqui me dirigir directamente a Si ou a outros dos bem vindos comentadores porque, estou certo que Isabel não se importa que interajamos uns com os outros sem Dela fazermos, necessariamente, o centro das nossas reflexões.

Mais, estou seguro que, numa Casa aberta ao diálogo a Isabel mais facilmente Nela se identificará e encontrará, eventualmente, as forças e a razão de ser que, de quando em vez, Lhe faltam!

Ao nada vertiginoso desses momentos e mergulhando por aqui sem ver-se no centro das aflições, Isabel encontrará momentos, suplementos de alma adicionais onde encontrará razões outras para este espaço que a encherão, porque não dizê-lo (!?), de alegria!

Como do nada, na imensidão do Céu, tudo se pode ir buscar ...

O nada faz-nos chegar a tudo como o silêncio ao som!

Um grande beijinho e, Isabel, desculpe-me, isso sim (!), se Lhe tiro palavras da boca

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Dezembro de 2008

Anónimo disse...

PARA LÁ DO TOQUE


Não tenhas pena de ti

Porque a pena que em Ti vi

Se é pena não condena

Não é tão pouco uma cena

Condenação que sofri

-.-

Se é sofrimento o diz

Não Te vejas qual juiz

Se sofres não é uma pena

Perpétua não te condena

Proscrita num quadro a giz

-.-

Dedicado ao Ovinho cheio de estrelas

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Dezembro de 2008