04 maio 2008

Não me importa revelar-me!


Estou em Moledo, no momento em que escrevo.
São seis da manhã. O sol romperá dentro em breve.

Escrevo na banca da cozinha, para não fazer barulho que acorde o M., que anda cansado. Carrega a própria saudade de ti e a minha tristeza e lágrimas que irrompem inesperadamente.
Não escrevi neste "blog triste", durante estes dias. Tento colaborar com quem me quer ajudar ou com quem acha que o que escrevo é triste demais..
Andei pelas minhas árvores, apanhei ervas, fiz casacos para o Miguel...
Mas não aguento a dor surda que se acumula dia a dia, sem estes momentos de silêncio, a sós contigo.
E tenho de a libertar...assim.
Os sonhos têm sido, agora, uma constante. Acordo aflita, a meio da noite, porque revivo o processo, já mil vezes revivido, da tua doença e dos nossos últimos dias.
Na vida real, tive esperança, momentos de medo mas também alguns passageiros de optimismo.
Nos sonhos, sei, desde sempre, que vais morrer em breve, que o tempo será curto.
Sei que de nada adiantará toda a quimioterapia que fizeste, todas as viagens que voámos, todo o apoio e atenção constantes dos nossos/teus amigos, toda a ternura tímida do teu irmão e da tua cunhadinha, todas as escapadelas para Moledo em busca do sossego do monte, do marulhar distante do mar, da nitidez das estrelas, do canto dos melros que rasam o pátio nos seus voos confiantes.
De nada adiantará virar-me do avesso para que nada te falte.
Em sonhos, arrasto-te comigo para fora do hospital. Seguro-te pela cintura e tu pões o braço por cima do meu ombro e conseguimos sair, com destino incerto; os olhos iluminando outro percurso.
E acordo...
E regresso ao silêncio das plantas do jardim, à sombra dos pinheiros e aos casacos do Miguel...
Sei que não querias que fosse assim, que quererias ver "uma mãe firme como uma rocha"; mas o vulcão da dor manifesta-se nesta lava que são lágrimas.
E quem controla os vulcões?
Os sonhos entusiastas que projectavas, os nossos momentos mais tristes a dois - guardo-os no fundo impenetrável de mim, na escuridão da saudade.
Jamais verão a luz do dia.
São meus.

As mães, qualquer mãe, aprende a ser como o poeta - um fingidor.
Custe o que custar, primeiro, agora e sempre, os filhos, qualquer filho.


PONTOS LUMINOSOS


No silêncio basta um sopro e todo o tempo estremece
como se afasta cantando mais para dentro
a própria noite

Guardei para ti relâmpagos inúteis
prata feita de medidas vagas
a inclinada superfície implacável
cordas e alçapões

Do ponto mais alto do céu a 56 milhões de quilómetros
um dia me dirás
"desde a idade do gelo nunca estivemos tão próximos"

José Tolentino de Mendonça

1 comentário:

Anónimo disse...

Senti a tua falta nestes dias mas tinha a certeza de que voltarias.
O que escreves é triste mas como esperar que fosse de outra maneira, contudo para mim tornou-se uma droga ler o teu diáro(nestes dias vim cá todos os dias à espera de novas palavras) quem sabe para me ajudar a aliviar a saudade que tenho do David e a suportar a nossa tristeza perante o olhar de um lugar que vai ficar para sempre vazio enquanto vivermos.
O coração não pára de doer...

Tenho muito admiração pela mãe do David, por ti, pela minha irmã.
O David foi sempre feliz ao teu lado!
O Miguel vai ter casaquinhos lindos quando nascer.
O teu jardim de Moledo está um encanto principalmente quando as luzes do David o iluminam ao anoitecer.

"Custe o que custar, primeiro, agora e sempre, os filhos, qualquer filho."

Beijos. Nini