21 maio 2008



Hoje chove. Os dias de chuva suportam-se melhor.
Cada vez mais, o calor me sufoca; gosto da penumbra.
A Primavera e o Outono eram as estações preferidas do David. Sol e luz, mas não calor.
Pura e triste coincidência, talvez...
Vai renascer em cada Abril que eu passe.
Morreu num Outubro.

Estou sempre aqui, David. Não me vou embora, mesmo que não abra a porta desta casa.

Terceiro direito

O inferno, aqui. Deve ser normal.
Um choro de criança, no andar de cima,
sobrepõe-se à música
que não ouço
e que é talvez de Brel

(nenhum quarteto de Mozart serviria agora)

Há dias assim.
Os guindastes
da insónia não seguram a voz,
desastre
anunciado pela teimosia
de pássaros
suburbanos.
Coisas de muito esquecer,

se eu pudesse.

Mas o corpo hesita,

volta a ser o envelope vazio
de um destino por assinar - e que nada tem,
neste momento, de «literário».


Sinto a luz na garganta, sufoco discretamente,
alheio ao excesso
de imagens
que me traz o dia.

A alegria, se quiserem,
fica para mais
tarde.
Aqui, de novo, morre-se muito mal.


Manuel de Freitas

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