Fala-se de dias e dias que escorrem ... sem um filho que partiu! Fala-se à toa ... e escreve-se, sempre, para silenciar a saudade ou as lágrimas. À toa ...
o amanhecer para a angústia e para o medo e o anoitecer para o medo e para o nada,
sobrepõe-se ao outro,
outubro
2007.
Senti-o, antes de o confirmar.
Estranhei-o porque ainda não acontecera tudo acontecer ou ter acontecido naquele dia do mês - 5 ...6...7...8... 10 ... 11... - coincidindo com o mesmo dia da semana - ... a sexta ... o sábado ... a despedida do mar ... a febre de uma lágrima ... o esperar ...
O mesmo areal de Moledo.
Só a chuva substituindo o sol.
Ou nem isso.
Nem tu.
E não, não se sente da mesma forma!
As horas são mais lentas.
Os sonhos acordam-me porque - na próxima semana ...
A dor aperta mais.
O suor invade os poros.
O equilíbrio torna-se instável, como prédio implodido que deixa uma clareira
O olhar perde-se em busca de algo que diga que não.
Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro nome embora no mesmo nome este nome de terra de dor de paredes este nome doméstico Afinal fui isto nada mais do que isto ...
Em dias consecutivos ... entre o passado e o presente ...
Alguns que me dizem - "Já chega de sofrer!".
Outro alguém que me sussurra - "Podes falar; falar sempre do David".
Um psiquiatra que me aconselha - "Tem de deixar o David morrer!".
Outro alguém que me explica - "É natural, passou tão pouco tempo! O que são 4 anos ... para a morte de um filho? Mas depois, vai serenar.".
Ainda - "Precisas de fazer o luto ... assim não dá! Os teus olhos têm de voltar a brilhar!"
E, num encontro fortuito, - "Já é masoquismo!"
Ou aqueles que acenam com o além - " Ele está muito melhor ... lá onde está. Isso devia sossegá-la."
Mas há sempre quem me diga "Sim, estou sempre aqui para te ouvir."
Quase nunca respondo; o que responderia se não me ouvem?
Se as frases estão feitas, à partida! Mesmo antes da chegada.
E o absurdo que ecoa, aqui por dentro, e remexe entranhas. Mantenho o silêncio da perplexidade.
Como? O sofrimento desta saudade tem limite temporal?
Pois se tudo fiz para não o deixar morrer! E ele morreu! Como deixá-lo morrer, novamente?
Apagar a vida como quem apaga o quadro?
Ou retocá-la com cal para que não se vislumbrem os traços do que foi sofrer e é, agora, o mesmo sofrer e saudade?
Como passou tão pouco tempo, se o sinto tão longo e distante?
Mas parece um quase agora.
E o luto? Como se faz?
Resistindo para não vir aqui, sempre que penso em ti? Seria sempre.
O luto! Não sei do que falam.
Existe manual de instruções para fazer o luto?
É que eu luto, de lutar; como sempre lutei para não desvendar o que sentia; o que sinto.
Numa luta permanente, que cansa e rói.
E, sim, eu sei que os meus olhos brilham, nos abraços do meu neto ou no segredar dele ao meu ouvido "Gosto muito de ti, bóbó".
Ou perante os olhitos negros da minha neta que começam a sorrir-me.
Ou o meu filho me faz uma festa tímida na cabeça.
Mesmo quando eu e o Manel recordamos as "coisas" do David, sentindo-as ao mesmo tempo, quando saltam da paisagem, quando um certo sabor da comida, quando um certo ritmo musical ou uma luminosidade mais intensa.
Até um riso que sabemos que existiria, perante certas notícias ou novas de espetáculos.
Ou o mar!
Como ... masoquismo? Masoquismo seria esconder a profunda perturbação quando um amigo do David ... também parte!
Como o Bernardo Sassetti partiu.
E, ao partir, levou as recordações que o David lhe deixou.
Que não eram minhas e, mesmo assim, me deixam saudade.
Masoquismo seria rejeitar uma ausência que se impõe, sempre presente.
Masoquismo seria calcar a dor, sob uma pedra dura e cobri-la de musgo.
A pedra continua lá; tal como o peso doloroso da perda.
Ainda bem que há sempre quem me ouça, quando a frase começa por "O David ..."
Porque a minha individualidade é esta dualidade; este não querer "a nossa antiga vida a fugir da mão ..."
David, tinhas razão. Este país não merece certas pessoas grandes.
Nada nas televisões ... Agora que está a ser homenageado por dois dos três pianos.
Longe e eu queria tanto poder ouvir e sentir-me lá junto deles.
Tiveste sempre razão, David!
Este é o país dos três Fs. - Fátima, Fado, Futebol.
Sassetti não consta da lista!
O Miguel Portas deixou de estar.
O Miguel Portas continuará a ser ... um exemplo de humanidade e persistência na luta pelos ideais de liberdade, igualdade e solidariedade.
O Miguel Portas continuará a ser um sorriso acolhedor, um olhar cristalino e doce.
Hoje, trago a tristeza na alma e sinto-me mais pobre.
Está tudo claro, no meu vazio escuro. Sei de cor a dor que terei de esconder pelo resto dos meus dias.
Resguardo-me no silêncio e até nas palavras mais ou menos automáticas com que aprendi a reagir à forma, às vezes, agreste, com que me falam.
Devem achar-me uma fortaleza! Que não sou ... mas iludo, tentando um sorriso polido. Recuando alguns passos para dentro de mim, para uma nesga de espaço vazio, onde me reconstruo.
Domino a arte do fingimento; da simulação que se aprendem à custa de nem eu sei bem o quê.
Porque a minha dor, se a exprimisse, como dói ... causaria dor ... a quem não quero.
Por isso, calo ou falo, adiando para depois a saudade que me escorre no sangue.
Mas, por vezes, tudo é demasiado, insustentável.
Regresso, aqui.
Regressarei sempre.
Deixar escoar a mágoa que vou guardando, em segredo.
Desfaço, então, a lisura da pele e desenho vincos por onde possam escorrer as lágrimas que aguardam pela solidão da noite.
E sossego, finalmente, no frente a frente, com a meiguice do olhar com que me olhas.
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27 abr. 2007 – Tributo a Zeca Afonso com percussão de bidões de aço no Teatro ...está a cargo de José Prata e a luz e direcção técnica é de David Sobral.