10 julho 2008

Tranco a porta...rumo a Paris



Podia ter ido com todos os alunos da noite e com os meus colegas, ao passeio de fim de ano, a Melgaço. Mas não fui. Não me pressionam.
Fiquei por aqui. Sei que, ainda , não aguento estar tanto tempo fechada num sítio e rodeada por muitas pessoas, mesmo amigas.
O som de tantas vozes atordoa-me; os sorrisos que me dirigem obrigam-me a retribuir.
São ambientes que não controlo...
Começo a "sufocar" e seguem-se as lágrimas que continuam abundantes.
Melhor o sossego do escritório, onde passo grande parte do dia.

Tranco a porta desta casa, tentando não regressar logo, porque me imponho outros trabalhos. E consigo-o, por vezes.
Encerro o ano lectivo, faço relatórios, marco reuniões,...melhoro o aspecto dos recentes relatórios, tiro e ponho Cds, confirmo os nomes das músicas que têm a tua melodia de marca, registo-as para que não me esqueça,...e surgem as recordações que, de uma forma ou de outra, são sempre as mesmas recordações.
As datas adquirem forma e vida próprias, conheço-lhes o som determinado dos passos e as pedras do caminho que percorrem.
Sinto-as aproximar-se, para me segredarem a sua história.
Como esquecer ou não ligar, se hoje, há um ano, partimos de avião para Paris?
De Paris, havia, só boas recordações... levámos esperança de as trazer, no regresso.
Saímos, ao fim da tarde, e chegámos lá a tempo de jantar, dar um curto passeio e dormir. No dia seguinte, amanhã, consulta no Hospital Paul Brousse, com os relatórios todos na mala.
O oncologista Prof. David Machôver deu-nos tanto ânimo! Quando saímos, sentíamos forças redobradas e toda a alegria do mundo brotava dos olhos do David.
À nossa espera, em frente ao hotel, estava o Manel, sentado num banco de jardim, vindo de Bruxelas...ter connosco.
Já sabia da esperança...
O David escolheu o restaurante que quis, passeámos pela ruas que quis, vimos as lojas que quis, espreitámos os clubes de jazz que quis.
Era o nosso guia feliz.
Ele sempre gostara de Paris.
E seguíamo-lo, tentando, como ele, acreditar. Estávamos felizes porque o nosso rapazinho irradiava leveza.
No dia seguinte, partiríamos para Madrid.

Agora, os meus olhos começam a embaciar-se.
Está tudo tão presente, contigo, aqui, com tamanha nitidez...



Cher Monsieur

De David je garderai le souvenir d'un garçon intelligent, courageux et extrêmement sympathique. J'ai été très marqué par lui, lors de nos brèves rencontres car il avait une personnalité très attachante et vive.
Je vous présente mes plus sincères condoléances et regrette de ne pas avoir pu l'aider davantage à surmonter sa terrible maladie. Bien cordialement à vous. David Machover

7 comentários:

Anónimo disse...

Nessa noite todos nós em Portugal ansiavamos por notícias vindas de Paris e pedíamos uns aos outros que dissessem algo logo que soubessem.
Já pela noitinha no telemóvel chegou uma mensagem do David (e que no meu se mantém guardada até hoje):
"Correu tudo lindamente.Este médico é fantástico.Não é por nada mas chama-se David ;).David Sobral - 11 de Julho de 2007"
Foi com uma esperança redobrada que eu e todos os que amam o David adormecemos nessa noite.
Hoje a nitidez das recordações também fica toldada pelas lágrimas.

Na aparelhagem toca o último CD da MARIA JOÃO; "Paz, quero dançar com outro par p'ra variar .. Paz, eu quero paz já me cansei ...".

No jardim o meu refúgio pela tardinha e até que as estrelas brilhem, o Alex já se aninhou junto à minha cadeira, disponível e fiel,como sempre,para me acompanhar nas recordações e nos sonhos ... mas também nos planos para amanhã.
Beijinhos.
Nini

Anónimo disse...

Minha Querida Amiga Isabel,

Recorto-Lhe um passo do Seu texto e pespego-o aqui:

" ... e surgem as recordações que, de uma forma ou de outra, são sempre as mesmas recordações." ( ... )

Apetece-me logo dizer-Lhe que se a forma das recordações muda como escreve ao dizer de uma forma ou de outra, se a forma muda, então as recordações, elas próprias mudam e deixam de ser as mesmas, porque muda a sua forma.

E recuo a um tempo já distante em que no círculo dos meus amigos se discutia à exaustão se mais importante era o conteúdo ( as recordações no Seu caso ) ou a forma, a maneira como esse conteúdo era apresentado, sem que aparentemente, na discussão, se saísse do mesmo sítio.

Aparentemente ...!

E as discussões, no bom sentido que a palavra tem, eram infindáveis e tentava-se dissecar o assunto até nada dele sobrar ...!?

Sem nos apercebermos tão só e tão simples, que forma e conteúdo são indissociáveis e que de um depende a outra e da outra já também o conteúdo.

Vamos supôr um tema qualquer de fraco e leviano conteúdo mas que é apresentado de tal forma que a forma acaba, quantas vezes, por dar conteúdo à fragilidade e leviandade do mesmo, e acontece!

Ou o contrário também, um riquíssimo conteúdo apresentado de forma descuidada e que por assim ser, tanto pode acontecer que o conteúdo se imponha ao descuido da forma ou que por ela se veja, pura e simplesmente desvalorizado!

A forma não é irrelevante e tem ela mesma conteúdo e o conteúdo, se não dispensa a forma, pode como não valer por si e é feito, ele próprio de forma!

A escrita é forma!!

Ao se descrever o conteúdo está-se-lhe a dar forma e seria impossível descrevê-lo, como a Minha Amiga aliás o faz, sem lhe dar esta ou aquela forma e ela nunca é igual, está sempre em permanente mutação e por acréscimo, acontece o mesmo às recordações.

Olhe-se para esta Sua Casa e veja-se como ela se vai desdobrando, assumindo outras e múltiplas formas que às recordações de Seu filho o enobrecem sempre mais e num olhar para ele sempre diferente, o da mãe ou dos testemunhos que ficaram, concerteza, mas sempre diversificado, multifacetado e que lhe dá relevo.

Quase como se, ao dar à estampa tantas e tão diversificadas recordações que o são tanto pela forma como pelo conteúdo, a Seu filho lhe estivesse já a abrir a Eternidade que começa logo no seu testemunho que quer deixar marcante.

Perene e marcante para que se torne Eterno!

E a Eternidade começa, continua logo aqui.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Boa noite Isabel,

Vou voltando, vou conhecendo o David e a mãe, tantas afinidades com a Rita e a mãe, o gosto pelos espectáculos, pela arte, pela música, pelo Jazz.
Sabe que a Rita já andou na Escola de Jazz do Porto? Ainda não existia o ESMAE, onde a Rita hoje mesmo esteve a fazer uma work-shop e já há alguna anos se aprendia Jazz na Escola de Jazz do Porto, orientada por elementos ligados ao antigo conjunto Já Fumega, escola que funciona ainda e que muitas vezes tem participações no BFlat, em Matosinhos, bar de JAzz, que tenho a certeza o David conheceria.
Desculpe lembrei-me disto por causa da vossa viagem a Paris e do david espreitar os clubes de Jazz, já tinha percebido em posts anteriores que gostava desse género musical. Vou lembrar-me sempre dele nos próximos "Jazz no Parque" em Serralves, que acontecem todos os anos e que está prestes a começar.
Do seu post retive tanta coisa Isabel, mas deixe-me falar-lhe do mais bonito que era a música que o David gostava e que perdura sempre, tal como ele...
Um dia hei-de fazer-lhe companhia numa noite de luar, sentada junto do mar (que bonito sitio ele escolheu!), do meu mar de Moledo e hei-de tentar adivinhar qual é a sua rocha, será de erteza aquela em que me sentirei mais em paz...
Obrigada pela sua companhia, sinto-a aí desse lado.
Beijinhos.
Branca

Anónimo disse...

Isabel, essa esperança que aqui recorda transporta-me para uma mensagem enviada de Londres pala Cláudia, do blog que já lhe falei, em que dizia "Há uma luzinha ao fundo do túnel...". Essa luzinha ficou acesa em mim até ao dia 11 de Maio de 2007. Estas suas palavras, embora relembrando um passado, fizeram-me sentir outra vez, a força dessa luz. Como a percebo...
Um beijinho no seu coração,
B

Anónimo disse...

Ela deu um pulo assim que viu o cirurgião a sair da sala
de operações.
Perguntou:
Como é que está o meu filho? Ele vai ficar bom?
Quando é que eu posso vê-lo?'
O cirurgião respondeu:
Tenho pena. Fizémos tudo mas o seu filho não resistiu.
Sally perguntou:
Porque razão é que as crianças pequenas têm cancro? Será que Deus não se preocupa? Aonde estavas Tu,
Deus, quando o meu filho necessitava?
O cirurgião perguntou:
Quer algum tempo com o seu
filho? Uma das enfermeiras irá trazê-lo dentro de alguns
minutos e depois será transportado para a Universidade.

Sally pediu à enfermeira para ficar com ela enquanto se
despedia do seu filho. Passou os dedos pelo cabelo ruivo do
seu filho.
Quer um caracol dele?' Perguntou a enfermeira.
Sally abanou a cabeça afirmativamente. A enfermeira
cortou o cabelo e colocou-o num saco de plástico, entregando-o a Sally.
Foi ideia do Jimmy doar o seu corpo à Universidade porque assim talvez pudesse ajudar outra pessoa, disse Sally.
No início eu disse que não, mas o Jimmy respondeu:
Mãe, eu não vou necessitar do meu corpo depois de morrer. Talvez
possa ajudar outro menino a ficar mais um dia com a sua mãe.
Ela continuou:
'O meu Jimmy tinha um coração de ouro. Estava sempre a pensar nos outros.
Sempre disposto a ajudar, se pudesse.Depois de aí ter passado a maior parte dos últimos seis
meses, Sally saiu do 'Hospital Children´s Mercy'pela última vez.
Colocou o saco com as coisas do seu filho no banco do carro ao lado dela.
A viagem para casa foi muito difícil. Foi ainda mais difícil entrar na casa vazia. Levou o saco com as coisas do Jimmy, incluindo o cabelo, para o quarto do seu filho.
Começou a colocar os carros e as outras coisas no quarto exactamente nos locais onde ele sempre os teve. Deitou-se na
cama dele, agarrou a almofada e chorou até que adormeceu.
Era quase meia-noite quando acordou e ao lado dela estava
uma carta.
A carta dizia:

Querida Mãe,
Sei que vais ter muitas saudades minhas; mas não penses que me vou esquecer de ti, ou que vou deixar de te amar só porque não estou por perto para dizer 'Amo-te'. Eu vou sempre amar-te cada vez mais, Mãe, por cada dia que passe.
Um dia vamos estar juntos de novo. Mas até chegar esse dia, se quiseres adoptar um menino para não ficares tão sozinha, por mim está bem.
Ele pode ficar com o meu quarto e as minhas coisas para brincar. Mas se preferires uma menina, ela talvez não vá gostar das mesmas coisas que nós, rapazes, gostamos.
Vais ter que comprar bonecas e outras coisas que as meninas gostam, tu sabes.
Não fiques triste a pensar em mim. Este lugar é mesmo fantástico. Os avós vieram ter comigo assim que eu
cheguei para mo mostrar, mas vai demorar muito tempo para eu poder ver tudo.Os anjos são mesmo fixes. Adoro vê-los a voar E sabes uma coisa? O Jesus não parece nada como se vê nas fotos, embora quando o vi o tenha conhecido logo. Ele levou-me a visitar Deus! E sabes uma coisa? Sentei-me no
colo d'Ele e falei com Ele, como se eu fosse uma pessoa importante. Foi quando lhe disse que queria escrever-te esta carta, para te dizer adeus e tudo mais. Mas eu já sabia que não era permitido.
Mas sabes uma coisa Mãe? Deus entregou-me papel e a sua caneta pessoal para eu poder escrever-te esta carta. Acho que Gabriel é o anjo que te vai entregar a carta.
Deus disse para eu responder a uma das perguntas que tu Lhe fizeste,
Aonde estava Ele quando eu mais precisava ? Deus disse que estava no mesmo sítio, tal e qual, quando o filho dele, Jesus, foi crucificado.
Ele estava presente, tal e qual como está com todos os filhos dele.
Mãe, só tu é que consegues ver o que eu escrevi, mais ninguém. As outras pessoas vêm este papel em branco. É mesmo fixe não é? Eu tenho que dar a caneta de volta a Deus para ele poder continuar a escrever no seu Livro da Vida.
Esta noite vou jantar na mesma mesa com Jesus. Tenho a certeza que a comida vai ser boa.
Estava quase a esquecer-me: já não tenho dores, o cancro já se foi embora. Ainda bem porque já não podia mais e Deus também não podia ver-me assim. Foi quando ele
enviou o Anjo da Misericórdia para me vir buscar. O anjo disse que eu era uma encomenda especial! O que dizes a isto?
Assinado com Amor de Deus, Jesus e de Mim.

Anónimo disse...

Olá Isabel!

Obrigada pela correcção em relação ao blog "casadavenância".

Como já se tornou hábito para mim, também hoje por cá passei. Depois de ler as palavras do nosso querido amigo Jaime, sinto-me pequenina e quase não me atrevia a marcar a minha passagem por cá.
Passo cá e depois de lê-la, fico sem palavras, mas ao mesmo tempo impelida a falar-lhe.
Como diz o Observador "as lágrimas vão secar" se Deus quiser.

Um beijinho terno,

Fique bem e até breve

Elisabete

Branca disse...

Isabel

Venho deixar-lhe um beijinho e desejar-lhe um bom fim de semana.
Voltarei amanhã com mais palavras, hoje já não as tenho, vence-me o cansaço, é a minha condição humana...e limitada.
Um grande beijinho.
Branca