É diário pessoal, cantinho de silêncio com música de fundo, sofá de conversa comigo mesma, recolha de poemas (que falam de mim), arquivo de recordações de dias mais ou menos felizes, de sonhos inacabados, de registo de emoções e, às vezes, de cartas a um filho que perdi, algures, neste meu percurso que se chama vida.
Talvez dure o resto da vida inteira porque a memória vai devolvendo tudo, tal como o mar.
Em Julho 07, vivíamos, já, vertiginosamente, como trapezistas sem rede ... e tudo foi demasiado rápido e preciso, preciso mesmo de continuar a retratar o David;... não houve tempo para que fosse conhecido, por ele próprio, embora o site dele esteja activo e, ainda, tal como o deixou - davidsobral.com
É um site bonito!
Foi, desde jovem, apaixonado por música. Música de todos os géneros - jazz, portuguesa, blues, percussão, clássica, rock, brasileira, cigana, contemporânea ... sei lá.
Era um poço de informação musical.
Chegou a fazer um programa de Jazz, semanalmente, na Rádio Universitária de Coimbra - Jazz Faz Tarde. Ouço-o, às vezes.
Andou numa Academia de Música - viola e canto.
Tinha um estúdio no sótão. Ouvia-o tocar bateria e guitarra e clarinete e gravar programas. E cantava. Escrevia as próprias letras de canções, em inglês.
O destino levou-o à Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo - Design de Luz e Sonoplastia.
Nova paixão, a juntar à de sempre, a música.
Foi a Nova Iorque frequentar workshops de Luz, com os melhores do mundo (dizia ele).
Fez, ele próprio, workshops pelo país.
Decidiu fazer uma pós-graduação em Gestão Cultural.
E era a nova paixão - programar e vender espectáculos.
Sem nunca abandonar as outras.
O caminho dele estava cheio de música, luz, espectáculos, escrita, ritmo, contínua inovação e muitos amigos.
Exausto e frágil, trabalhou até à véspera de entrar no hospital, dia 13 de Outubro.
E, já sonolento, falava dos projectos, declamava Shekespeare, orientava a luz dos palcos, elogiava as enfermeiras, falava do futuro com a namorada, perguntava ao Manel os resultados do futebol.
Dizia, sempre, um "olá" leve, rouco, meigo, a quem chegava.
Antes de entrar em coma, pediu-me, com um sorriso aberto, "Mamã, vamos dançar?"
Porque, também, dançava bem...
E peguei-lhe na mão que me estendia.
Foi como se aceitasse e dançasse.
E adormeceu, longamente.
A última dança foi para a Mãe.
David com Filipa César (Moledo/06)
Biografia
E tudo se resumiu à evidência do pó.
Uma lenda, um ofício, um teia de
apertadas mágoas que nunca mais
deixará passar a luz.
A tua luz, sol, lua ou juvenil chama dos
campos livres,
apagou-se violentamente.
Nos aquários da noite caiu uma estrela.
O mundo caiu sobre os teus ombros.
José Agostinho Baptista
9 comentários:
Isabel
Não tenho palavras. Quero apenas dizer-lhe que o seu blog é triste pas delicioso. O amor transborda em cada post e atrevo-me a dizer-lhe que se deve sentir feliz pelos momentos que o David lhe proporcionou e com a certeza que ele continua a amá-la algures onde quer que se encontre.
Um beijo
Graça
A MEMÓRIA
Tal como o mar/
Que leva e traz e que revolve/
E salga o ar/
Das lágrimas que perdidas/
O preenchem repartidas/
Tal como o mar/
Que de abismos/
E mansidão plena a espraiar-se nos areais/
Se reclina/
E enche de ondulação bravia/
Ou picada sem destino/
Tal como o mar/
Que nos dá vida/
E leva à descoberta/
E a todo o mundo cinge/
Sem coberta/
Tal como o mar/
Que se revê no céu/
De azul pintado/
Onde não há portas/
Fechadas a cadeado/
Tal como o mar/
Que vem e volta/
E nos revolta/
E se devolve/
A tudo também já envolve/
Tal como o mar a memória/
Vai do confim desta história/
Ao futuro duma glória/
E se a traz sempre/
Não mente/
E à vida/
Como semente/
Enche de luz que a sustente/
Tal como o mar
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Julho de 2008
Olá Isabel
Deixei, há pouco, um comentário no blogue do Salvador Vaz da Silva.
Lá, dizia eu que já aqui tinha vindo mas sem entrar. Porque queria perceber tudo. Do princípio. E só então, me "atreveria" a escrever algo.
Porém, depois de ter deixado esse comentário, entrei aqui.
O "post" por si colocado hoje mesmo, impediu.me a ir ao princípio e impeliu-me a dizer qualquer coisa.
Pouca coisa, aliás.
Não estou a ser capaz, neste instante, de lhe dizer outra coisa que não o desejar-lhe que tenha muita Força e de manifestar a vaidade que você teve com o seu David.
Teve e tem.
Porque filho não se perde. Acompanha-se. Esteja onde estiver.
Tal como disse no blogue do Salvador, sorria. O David vai gostar de a ver sorrir.
Um abraço.
"Observador disse ...
Boa tarde
Já passei pela "Casa da Venância".
E digo já passei porque não entrei.
Porque logo percebi que tenho que começar do princípio.
Mas vou lá. Devagar.
Já me apercebi da dor.
Da inevitável dor.
Da mãe do David, a Isabel.
As lágrimas vão secar, Isabel.
O David vai agradecer-lhe pois está a ser-lhe, ao David, muito difícil "ver" a mãe nesse estado de espírito.
Falar é fácil.
Mas do que não duvido é que a sua força interior a ajudará.
Força Isabel.
8 de Julho de 2008 18:28"
Brancamar disse...
"...A primeira vez que entrei naquele blog já há uns tempos não comprendi tudo...só ontem e hoje, indo aos primeiros textos comecei a perceber que a mãe de David não teve ainda muito tempo para fazer o seu luto...é preciso lê-la para imaginar só um pouco de como aquele espaço é importante para ela, é mesmo a terapia que precisa até que um dia consiga sublimar melhor a sua dor.
Durmam bem
Noite serena para todos, especialmente para a mãe de David.
Beijinhos
Branca
8 de Julho de 2008 3:07
Anónimo disse...
Hoje ao ler desculpem mas digo o mesmo que a Joana :
"entre o ficar sem palavras e o apetecer-me dizer tantas coisas à mãe do David...
não pode haver maior dor."
......
Pedro Ventura
8 de Julho de 2008 8:28"
in
salvadorvazdasilva.blogspot.com
Já nem sei como vim aqui parar.
Deixo-lhe um beijo e abraço forte. Que essa dor um dia seja suportável, é só o que me ocorre desejar.
Isabel
A comoção é enorme. É-me difícil, neste momento dizer o que quer que seja, mas a vontade de lhe falar é muita.
As suas palavras são lindas, ternas, cheias de amor.
O David onde está, olha para si e pense o quanto se sentiria feliz se a vir sorrir.
Espero que o tempo ajude a curar a sua dor.
Aceite um beijinho meu e durma bem,
Elisabete
Isabel, sou mãe de tres filhos e na realidade sou três mães, pois todos são diferentes e todos são únicos. Não consigo imaginar a sua dor, não consigo sequer tentar perceber como consegue continuar. Temo que se tal me acontecesse..não o conseguiria. O David ficou doente em Março de 2006...Março de 2006 traz-me tambem a recordação de uma grande AMIGA. A Cláudia..visite o blog que ela iniciou o http://www.superglamorosas.blogspot.com e veja as coincidências...a força, a dor. O David, certamente, a esta hora, já conhece a Cláudia e a paixão da música já os terá unido. A Cláudia partiu a 11 de Maio de 2007, e a 13, na tarde da sua despedida, o céu chorou como nunca e nós também. Desde aí, recordo a Cláudia sempre com um sorriso e com uma gargalhada. Vá lá..vai encontrar conforto nela.
Um grande grande beijinho, apertado no seu coração e nunca se iniba...bata sempre à porta. Escreva, desabafe, não se acanhe. Quem não perceber...nunca teve a dor de perder alguém.
B.
Isabel,
Ontem queria vir aqui escrever sobre este post, como aliás lhe disse, mas tive tanta gente a precisar de mim, que acabei por adormecer em cima do computador. Hoje venho visitar o David e a sua mãe e encontrei mais um bonito e sentido texto.
Sobre este não posso dizer mais nada senão que já tinha visto o site, voltei lá hoje e percebe-se bem como o David tinha já construído uma bonita carreira, que seria de certeza muito promissora. Estou a gostar muito de o conhecer a ele e a si.
Beijinhos
Branca
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