02 julho 2008

É cedo




É cedo, muito cedo para deixar que a saudade passe por mim, sem que eu me detenha, longamente, nela.
Está entranhada, cá dentro.
Vivi no medo contínuo, durante muito tempo, sem que o pudesse manifestar; porque há coisas que não podem ser mais fortes do que nós.
Sabemos, intuitivamente, quais são, quando nos confrontamos com elas.
Como raio fulminante, soube que tinha que ser mais forte que o medo mais forte, naquele mês de Março...pelo David.
Eu arcaria com o meu medo e o dele, que seguramente também existiu, se pudesse.
E fui seguramente forte.
Tenho completa noção de que não podia deixar de ser assim.
Esse medo alojou-se, escondido mas sempre a querer transbordar. Sempre a querer sobrepor-se ao meu fingimento natural.
Poucos o viram.
Sempre fui silenciosa no fingir, na dor da tristeza.
Sempre fui exuberante no demonstrar a dor física.
Fiquei exausta.
Ainda finjo, às vezes, em situações fáceis de adivinhar...
Mas é cedo, muito cedo, ainda e ainda ... para deixar de chorar.
O rapazinho que me olha, sorridente, da fotografia, aqui ao lado, sabe que me estou a esforçar.

As personagens desta história de Amor desencontraram-se; seguiram, inesperadamente, caminhos diferentes que não se bifurcam.
A sensação do que é inverosímil (segundo Aristóteles) sempre me perturbou.
A morte de um filho, para além da saudade, da dor e da sensação de ter perdido uma batalha e ter ficado de mãos vazias, é, definitivamente, inverosímil.

Vivo, ainda, de palavras dele e sobre ele.



Cara Isabel
Num verão fui contactado pelo David para lhe dar aulas de guitarra,
Ele foi um daqueles alunos em que, possivelmente, o professor aprendeu mais do que o aprendiz.
Ele estava muito atento a tudo o que se passava musicalmente. Durante uns tempos, foi-me enviando discos ou mails para me chamar a atenção de coisas que ele achava (e eram)interessantes.
Sempre que o encontrava sabia sempre tudo o que eu andava a fazer, por outro lado era com agrado, que eu ia sabendo do trabalho que ele ia desenvolvendo com pessoas que ele muito admirava.

Durante a doença, quando o encontrava, ele era um perfeito herói. Nunca consegui perceber o que estaria a sentir, julgo que no fundo era isso que ele queria.

Sei que foi uma Mãe impressionante na forma como o acompanhou.
Possivelmente, as palavras não poderão traduzir tudo o que sinto.

Mário Delgado (Músico)

7 comentários:

Anónimo disse...

A DOR

A dor é forte na força que sobrou/
Mas mais forte é a força do que a dor que O levou/
-.-
Inverosímil que seja, é cedo e nunca é tarde para quem tanto ama!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Julho de 2008

Anónimo disse...

Se a morte de um filho é definitivamente inverosímil é porque a Eternidade existe...António

Anónimo disse...

Já passei por aqui noutra ocasião.
Gostei de conhecer o David. Não imagino a dor imensa que está numa perda destas, mas Venância ele gostaria que vivesse e sobretudo que vivesse para os outros, é isso que lhe diz no autocarro dos sonhos, sonhe...
Beijinhos
Branca

Anónimo disse...

Já pasei por aqui algumas vezes nunca disse nada porque tudo que se diga será decerto deitar conversa fora,ou não!hoje depois de ler o poema do David estou de acordo com o que diz a Branca.
Não quer Juntar-se a Catedral do Salvador e companhia ?ia com certeza ajudar com essa sua coragem muitas pessoas.
Tudo de bom .

São Nunes

Anónimo disse...

"Olá a todos!

Como estou de "Baby sitter" (tenho 6 crianças em casa), a disponibilidade para cá vir, não é muita...mas, como quando queremos muito uma coisa, conseguimos, cá estou eu.
Quero deixar um beijinho de agradecimento aos nossos poetas de hoje (André Moa e Jaime) e a “Ninguém” pelo texto “O autocarro dos sonhos”…vocês preenchem-me a alma!!..."

Elisabete
in catedral.blogspot,com

Anónimo disse...

"Cara Amiga Cristina
Fiquei comovida com a poesia que a tua irmã escreveu e com a fotografia do teu sobrinho, com aquela carinha tão radiosa e alegre.
A perda de um filho é irreparável mas tenho fé que o nascimento do neto da tua irmã virá trazer uma nova forma de viver a alegria através dessa nova vida.
Beijinhos e bom fim de semana.
Com amizade
Elisabete."

Anónimo disse...

"Li o seu post, não a conheço e fiquei muito emocionada.
A sua força comove-me!
Para si e para todas as pessoas que reagem com tanta grandeza à dôr eu manifesto a minha admiração e solidariedade, que não é tardia, porque se alguma semelhança temos, é a de saber que a dôr de ontem é de hoje e de amanhã e de sempre porque nos levou com ela.
E estar, simplesmente estar, é mais do que nos é possível,muitas vezes, conseguir.

Um beijo
Luísa"

in
salvadorvazdasilva.blogspot.com