09 novembro 2008

Um pátio deserto



O tempo, o meu tempo, é de avanços e recuos contínuos.
Não chego a saber se avanço mais do que recuei ou se me mantenho no mesmo patamar de sempre; naquele tempo difuso e incerto em que me vou movendo.
Movendo lentamente para não me magoar; com passos cautelosos porque tenho medo; ansiosamente porque não sei onde repousar; movendo, sempre, muito muito lentamente porque não me quero afastar daquela mão poisada na minha.
Cada dia surge como um tempo que só se define ou redefine, no seu termo.
Cada dia, há uma lágrima que não seca e arranha os olhos que já não ficam vermelhos de chorar, quando, ao deitar, olho para aquela foto em que o David dorme sereno, entregue à confiança que depositava na mãe e que não o conseguiu proteger...
E confirmo o rasto dos nossos passos.
Revejo os olhos; os meus e os dele.
Ele sabia o quanto eu me sentia desesperada por não o conseguir ajudar.
Lia-lhe nos olhos essa tristeza pela tristeza (nem sempre disfarçada, afinal...) da mãe.
"Só me custa por ti..."

Este fim de semana foi tempo de recuar; de regresso à Casa de Sampaio, onde o David foi convidado de honra do seu amigo do peito (quase pai, como o David dizia) Simas, na festa de aniversário dos seus 60 anos.
Uma vaga de tempo passou; já não o conto; apenas o sinto.
Estavam, novamente, os mesmos amigos dos almoços de grupo moledense.
Encostei a cara à janela, para olhar para aquele pátio de granito minhoto, escurecido pela falta de luar...
Vi-o lá, vi-me lá, vi-os todos lá, naquele fim de semana de Julho, antes de partirmos para Barcelona.
Havia uma corrente de esperança, unida à volta do David.
Todos os adoravam e admiravam.
Tinha que correr bem "Porque há coisas que não podem acontecer
Pensávamos que seria a nossa âncora.
Foi o nosso Inferno.

Dormi no mesmo quarto onde o David dormiu, dessa vez; ainda confiante.
Barcelona seria o nosso porto de abrigo e, depois, cais de partida.
Ontem, o pátio estava deserto, cinzento e frio.
E recuei no tempo, ali deitada no escuro e no silêncio da noite
Regressei ao inferno.




TEMPO

Eu podia dispender o meu tempo em muitas coisas e em algumas o tento conciliar.
Podia dizer para mim que na inconsolável dor da Isabel não valeria a pena dispendê-lo já que ela é um dado adquirido mas prefiro juntar a minha voz à do David e reforçar com ele a tónica que A faz ouvir, olhando para as suas recordações vivas e dispersas por aí:

"Então, mamã, avança! Há tanta coisa interessante p'ra fazer. E tens tanto tempo. Não vais ficar aí sentada, pois não?"
Sem me deixar acorrentar ao tempo, isto é, sem ficar preso ao passado e ainda que dele seja presa, sem me virar ao futuro com medo de poisar mas esvoaçando por aí criando um elo, por mais imperceptível que seja mas um elo que ligando passado ao futuro me permita evoluir e poisar, dinâmico, numa relação que, se ao tempo não pode deixar de estar ligada, connected, não esteja, porém, a ele acorrentada, subjugada, escravizada.

Isto, na relatividade da nossa circunstância espaço/temporal!

Então, Querida Isabel, dê tempo ao tempo, invista nele, não adianta muito correr nem ficar excessivamente parada, esvoaçe e poise, dê tempo à respiração como o faz em A Casa da Venância, olhe nos olhos, olhe o Seu filho David nos olhos e continue como o faz na Sua vida quotidiana e em Pintada de Fresco, no projecto do Seu doutoramento, que o tempo até pode concorrer, concorrerá estou certo (!), a Seu favor!

Logo porque sabe, é a minha Amiga que o escreve, o que o Seu filho gostaria que fizesse como o faz!

Logo porque foi, seguramente, a minha Amiga que lhe incutiu isso!!

Logo porque o sabe embora Lhe possa, hoje, custar a fazer!!!

Eu podia dedicar o meu tempo a outras coisas e não o conciliar, também, com o Seu ...

Mas concilio-o e não o dou como perdido!

Sabe, Querida Isabel, o meu porquê?

Porque se de algum modo, na Sua pessoa e no Seu sofrimento eu Lhes poder instilar alguma cor adicional sei, sei que numa pessoa, na Isabel que seja, desculpe-me (!) e que nem conheço pessoalmente (!), também a estou a instilar, a colorir o Mundo inteiro!

Por que num, numa se vê o todo e no todo está o um!!

Porque na Minha Querida pode estar, está o Mundo inteiro e se nele nos limitarmos a instilar o sofrimento não o poderemos redimir!!!

Não poderemos inverter ou inflectir todos aqueles sinais que O parecem, ao Mundo, conduzir à irremediável perda ...

As pessoas, as pessoas concretas, não se mobilizam, apenas (!?), pelo sofrimento.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Novembro de 2008

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Isabel. Esse processo é tão doloroso, não é? é o andar para a frente, tropeçar, cair, voltar a levantar! Mas é assim que tem de ser! Tal como as crianças dão os seus primeiros passos, também a Isabel está a reaprender a andar. Nós, cada um à sua maneira, estaremos por aqui a fazer-lhe de andarilho! Mesmo que virtual.
Um beijinho,

MM

Olga Almeida disse...

Olá, Isabel!
Não tardará e o Miguel andará a correr pelos pátios vazios com o seu "amigo secreto".
Andarão sempre juntos, para que o Miguel aprenda todas as traquinices e histórias misturadas. :)
Beijinho grande

Anónimo disse...

TRAQUINICES

Isso mesmo!

Olga, Minha Querida, que o Miguel cresça secretamente misturando todas as histórias que as haverá muitas concerteza e que com a ajuda do seu secretíssimo amigo estas o aliviem e enobreçam no seu folgar e gozo pela vida!!

Minha Querida Olga,

Pedindo-Lhe antecipadamente desculpa pela intimidade pisco-Lhe o olho e virando-me para o netinho da Isabel faço-lhe cócegas nas palminhas dos pés que retorcendo-se logo como duas endiabradas mãozitas lhe escancaram um sorriso cúmplice de orelha a orelha ...

Isso Miguelito, prova o que vales e, já agora, um cálice de jerupiga e uma castanhita pelo S. Martinho!!!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Novembro de 2008