A Casa da Música faz anos.
Com balanço positivo e espectáculos diversificados e imenso público...
Todos os artistas que, por lá, passaram dão testemunho da experiência.
Também eu lá fui, algumas vezes.
Não muitas, porque aconteceu o que aconteceu!
Mas quem se lembra que o David foi o "iluminador" do primeiro espectáculo que lá ocorreu.
Lembro-me dos dias de aflição que ele passou porque não havia meios, estava tudo atrasado e ele queria, pelo menos, iluminar a cara das mil crianças que lá iam estar ... para que os pais as vissem e pudessem guardar essas recordações.
Ele era assim...
E eu subi imensos degraus porque a sala estava cheia... Ia de canadianas porque tinha sido operada ao joelho e sei que o David esperou até que me sentasse para apagar as luzes gerais e dar início a "Da primeira madrugada".
Foi o primeiro designer de luz a pisar o palco da Casa da Música.
Dei-lhe um beijo grande de parabéns.
Mais uma despedida.
Tríptico para o David
Para a querida Isabel com um sentido abraço da Elsa e do Jaime
David, meu caro,
como sabes
os poetas nunca morrem,
apenas adormecem devagar
e se deixam flutuar
na luz nimbada da manhã
que lambe juncos rumorosos,
enlaçam-se nas algas das amantes,
e se diluem,
embaraçam-se nos braços dos irmãos
e dúplices
no riso cúmplice de amigos.
Quando entardece
desabotoam as lágrimas do seio maternal,
onde regressam
e se recolhem
para a longa noite que os espera.
Regressam sempre,
horas
e dias inesperados:
recortados no rectângulo da janela,
na folha manuscrita sobre a mesa,
a caneta inactiva,
no livro aberto,
interrompido,
esquecido o cd no leitor emudecido,
o casaco nas costas da cadeira,
um vago odor
e um ruído de jornal ali, na sala ao lado,
uma ausência deambulando
pela casa silenciosa.
Caro poeta,
como sabes,
todo o David vence sempre o seu gigante.
Faz-se projéctil na sua própria funda
e funde-se na luz vertiginosa do seu gesto
já longe da tangente que o ferira.
Não só de Bach,
a fuga é regra em combates desiguais.
Adeus estratégias,
labirínticas manobras,
rituais severos!
Agora ele já sabe
que há em si um ser irredutível:
apenas se sublima na massa sideral,
sua matriz...
Agora pode ser pura energia,
luz,
um pequeno lugar intenso a brilhar no firmamento,
entre outros astros.
Como dizia outrora Maria,
a velha serva, o gesto persignante,
o olhar temente,
se o rutilar fugaz de uma estrela cadente,
riscava o céu de breu.
São também meus filhos,
os moços que debutam
sunâmbulos soldados,
nesta guerra branca,
silenciosa.
Vão graves, inocentes...
Não partem em si
mas em nós,
os que ficamos.
Seus olhos já não vêem
as pobres mãos que acenam,
nada sabem dos tentáculos amorosos
que lassos os libertam,
do desalento no desabraço fraterno,
da sombra nos olhos dos amigos,
do vácuo implosivo
subitamente aberto
no peito desta mãe.
Lá vão absortos
na sua missão ignorada.
Marcham para longe,
mais e mais longe de nós,
do nosso braço
que em vão se estende
e não alcança,
cada vez mais longe
da nossa atónita impotência,
até que se esbatem
no pano cinza do horizonte
que se cerra
e os encerra
no leito onde anoitecem.
Jaime Azinheira
Outubro de 2007
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