Fala-se de dias e dias que escorrem ... sem um filho que partiu! Fala-se à toa ... e escreve-se, sempre, para silenciar a saudade ou as lágrimas. À toa ...
29 abril 2008
Tenho a alma virada do avesso.
Continuamente, me pergunto porque não vi os indícios da doença do meu filho.
Como é possível que tenha morrido?
Algo me preocupava, naquele Março cinzento. Revejo essa preocupação, escrita, no diário da altura – Fevereiro/06
Falhei no meu papel de mãe; era suposto tê-lo protegido.
Nunca me convencerei de que era inevitável. A tristeza que levou para Barcelona, naquele Agosto sufocante, pode ter fragilizado o seu corpo cansado. Que sei eu?
À força de tanto cismar, perco-me, aprisionada, numa realidade que desconheço e me consome e desespera. Não tenho a chave da prisão.
Alguém ma tirou e deitou fora.
Ou tê-la-ei guardado e não sei onde está?
Vou-me habituando à penumbra da casa, de mim e a pequenos raios de sol ocasionais.
Não quero muito.
De que serve criar raízes?
Sou apenas hóspede da vida, da ternura que ainda me couber na roda da sorte, do azar, do destino, deste dia exacto, do antes que vivi e, talvez um pouco, do depois que me espera.
Sou hóspede do coração de quem me ame e deste mundo que habito, tenuamente.
Apenas, hóspede. Sem demasiadas exigências
Por isso, fechada no meu casulo, ouço e vejo, ao longe. São sons, em tudo semelhantes ao silêncio; desaprendi o significado das palavras.
E estranho-me; ando perdida em torrentes de palavras e na total ausência delas.
Tenho a alma virada do avesso.
A MÚSICA
Arrasta-me por vezes como um mar, a musica!
Rumo à minha estrela,
sob o éter mais vasto
ou um tecto de bruma,
eu levanto a vela;
Com o peito p’rà frente
e os pulmões inchados
como rija tela,
Escalo a crista das ondas l
logo amontoadas
Que a noite me vela;
Sinto vibrar em mim
as inúmeras paixões
De uma nau sofrendo;
O vento, a tempestade
e as suas convulsões
sobre o abismo imenso
Embalam-me.
Outras vezes é a calma,
esse espelho
Do meu desespero!
BAUDELAIRE (1821-1867) As Flores do Mal
28 abril 2008
Esse país estrangeiro, o tempo.
Há 30 anos nasceu um menino. Era meu.
Pequenino, bonito... um bebé, mesmo.
Na solidão do quaro da Ordem, procurei um nome que lhe ficasse bem.
Chamei-lhe DAVID.
O menino cresceu, fez-se homem, jovem adulto.
Rapazinho de olhar doce e sorriso meigo.
Sem medo de demonstrar emoções.
Com sonhos, alegrias, tristezas, frustrações, desilusões e, de, novo, novos sonhos, sempre mais ambiocosos. Mas seguros e rigorosos. Um profissional.
Sobrou sempre um lugar para a mãe, que, por razões que só o coração conhece, adorava.
Era eu...
Foi um orgulho e gratificante ser a mãe desse eterno rapazinho.
Ele foi-se, não sem que, um dia, me dissesse "Não tenho medo de morrer. Se acontecer, o meu único desgosto é que tu não mereces! E sofro por ti."
Também, num dia, de maior tristeza me disse :"Mamã, acho que não chego aos 30."
Acredito que não acreditasse no que dizia. É o meu refúgio.
Mas foi, hoje, o seu aniversário.
Não falei dele...não quero perturbar ninguém com o peso que me aperta
Sonhos? Projectos? Certeza de ser amada?
Cerraram-se na imensidão do tempo e do espaço.
Nada a declarar, deste vazio de ternura.
Foi bom ser tua mãe.
Volta até mim
Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam.
Nuno Júdice
25 abril 2008
25 de Abril
Preciso de escrever, procuro um pretexto.
Há um momento do dia em que tenho que descarregar a minha saudade constante, para recomeçar, cada dia e aguentar o peso da ausência.
Poderei não dizer o teu nome…
Escrever, aqui, será, sempre, a forma de pensar em ti.
O tema já pouco interessa, seja a solidão, uma árvore, um monte de verde ao fundo, as casas brancas batidas pelo sol, uma pessoa. Agarro-me a qualquer coisa.
Afinal, sobretudo a mim mesma. Tudo o resto é insignificante.
Estou em Moledo, é 25 de Abril.
Há um ano, estreava-se o concerto do “Drumming toca Zeca Afonso”.
Continua na estrada. Na tua estrada.
Procuravas a eternidade? Afinal…eras Abril.
Não hei-de morrer sem saber
Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade. Eu não posso senão ser desta terra em que nasci. Embora ao mundo pareça e sempre a verdade vença, qual será ser livre aqui, não hei-de morrer sem saber. Trocaram tudo em maldade, é quase um crime viver. Mas, embora escondam tudo e me queiram cego e mudo, não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade.
Jorge de Sena
22 abril 2008
Nova regra
A minha perda desperta os medos que existem nos outros, em cada um de nós.
E afasta-os de mim.
Vaticinam-me solidão.
Talvez o Oráculo tenha razão.
O paraíso
O paraíso terrestre é uma flor verde.
As árvores abrem-se ao meio.
O que é sucessivo perde-se.
Se o tempo modifica os seres e os objectos
eu sinto a diferença e gasto-me.
O sol é um erro de gramática,
a luz da madrugada uma folha branca
à transparência da lâmpada.
Soam então os barulhos.
Soam de dentro das caixas fechadas há mais tempo,
de dentro das chávenas de café.
É tarde e és tu.
Acima de tudo,
entre a manhã e as árvores,
à luz dos olhos,
à luz só do límpido olhar.
Nuno Júdice
21 abril 2008
É a minha forma de dizer "boa noite"
Este mês de Abril custa a passar.
Os outros também custaram... Mas o passado recente não pesa tanto como a perspectiva do tempo a passar, com o peso da ausência.
E volto-me sempre para o passado, em busca de rastos de presença dum filho que tive, em tempos.
Sei que o dia 20 de Abril de 2007 foi um dia de grande agitação.
O David esteve em Braga, no Teatro Circo, para o espectáculo João. Levantou-se cedo para ir montar as luzes; voltou, ao Porto, para uma sessão de massagens e regressou a Braga para o concerto das 21:30.
E eu, aflita, com o desgaste que isso lhe provocava.
Ainda bem que ele teimava em fazer o que queria. Pelo menos, vivia a vida que lhe agradava e fazia aquilo de que gostava.
E foi precisa coragem para não se deixar abater.
Eu fazia o que podia - medicamentos do Sr. António sempre prontos para as viagens, massagens nos pés e nas mãos, cremes nas erupções que lhe apareciam na pele, a seguir aos tratamentos.
Andava cheio de trabalho e projectos em fase de lançamento.
A estreia do "Zeca", na casa da Música, aproximava-se e estava determinado a acompanhar o Drumming, numa longa tournée.
Passaria o aniversário em Faro e viria por Sines, passando, depois, por Lisboa. E eu iria. Alterei aulas, antecipei outras, reservei quartos de hotel.
Mesmo cansado das quimioterapias semanais, não resistia à "estrada".
Cá em casa, esta agitação fazia-nos sentir que as nuvens da doença estavam longe.
Cheguei a acreditar que lhe/nos estava a ser dada uma segunda oportunidade de recomeçar a vida!
Quanta ilusão...
Outra despedida
Querido Dabidum e amigão
Quando leres estas palavras, estarás aí no céu e nós aqui, no inferno das saudades que nos deixaste.
Se não posso falar de justiça, também não relatarei o quanto para mim sempre foste e representaste!
Tiraram-te a vida e, pela minha parte, perdi um enorme amigo.
Não sei se, nem quando, te vou encontrar...mas vai pagar a dobrar esta tristeza com que nos inundaste.
Um abraço amigo do Tony
20 abril 2008
A dor dos outros
Tenho a teimosia de gostar das pessoas.
Algumas marcaram-me especialmente, por razões profissionais, pessoais ou por fruto do acaso que nos juntou.
Algumas dessas pessoas, raramente as vejo.
Mas aparecem, e ainda bem, em momentos especiais.
Recebi esta mensagem duma dessas amigas que passam mas ficam e que me tocou. Percebo-a, sinto-lhe a melancolia nas palavras que escreve. Também sente a falta de alguém.
Aqui ficam, as dela e as minhas, lado a lado.
Duas saudades!
Isabel
Sábado, 19 de Abril, um dia como outro qualquer, só que feio e escuro como os nossos corações.
Este ano começou assim, reparaste? Ventos carregados doutros gritos, chuvas pesadas doutras lágrimas! A natureza vai exorcizando as nossas mágoas!
Nos dias de sol, a acalmia afaga o teu corpo. E foi num muito recente período curto de céu azul e sol radioso que, do vazio de mim, da aridez de mim, a tua dor, Isabel, fez brotar uma torrente de água negra como a rocha do meu coração. E um vento arrebatador abanou todo o meu corpo ausente, arrastando as gotas grossas e escuras que alagaram os meus olhos indiferentes, inundando o meu rosto gretado de tanta melancolia!
O teu menino!!! Essa faísca em ti, esse trovão em ti, atingiram-me inesperadamente, insuportáveis, como naquele teu momento!
Nenhuma mãe devia ver um filho partir para sempre! Nunca!
Ainda mais com mãos tão cheias de sonhos, como nos dás a conhecer no teu!
Mas nenhum filho devia ver partir sua mãe! Mesmo que ela seja só a sombra silenciosa do que foi, como era a minha, quando o 29 de Março de 2007 amanheceu, sem sol, e a varreu!
Como se vive com tal dor? Está-se cá …e pronto. Tu escreves no teu blog.
Eu voltei para o deserto onde o destino me quis desde antes da adolescência. Dele escapei por temporadas, construindo com o meu companheiro, lentamente, dificilmente, um jardim cheio de cores em constante mutação, como as estações. E por ele passeiam ainda, de quando em vez, os familiares mais próximos, um ou dois amigos, nunca mais, a mãe, muito pouco, os filhos. A menina, a construir agora o seu próprio jardim; o menino, em Praga, a aprender para jardineiro, numa faculdade de medicina!
Por isso, a ele voltei, ao meu deserto, à espera de nada, resignada, preguiçosa, às vezes cheia de mágoa, como no dia em que consegui abrir a caixa do correio electrónico, atulhada, e soube de ti!
Como eu te entendo!! Só quis que o soubesses, porque não sei que mais te dizer.
E que gostei muito de conhecer o David, que o acaso nunca me deixou encontrar.
E que gosto dele.
Um abraço cheio, muito cheio, do que porventura possas desejar sentir.
Alcina
Algumas marcaram-me especialmente, por razões profissionais, pessoais ou por fruto do acaso que nos juntou.
Algumas dessas pessoas, raramente as vejo.
Mas aparecem, e ainda bem, em momentos especiais.
Recebi esta mensagem duma dessas amigas que passam mas ficam e que me tocou. Percebo-a, sinto-lhe a melancolia nas palavras que escreve. Também sente a falta de alguém.
Aqui ficam, as dela e as minhas, lado a lado.
Duas saudades!
Isabel
Sábado, 19 de Abril, um dia como outro qualquer, só que feio e escuro como os nossos corações.
Este ano começou assim, reparaste? Ventos carregados doutros gritos, chuvas pesadas doutras lágrimas! A natureza vai exorcizando as nossas mágoas!
Nos dias de sol, a acalmia afaga o teu corpo. E foi num muito recente período curto de céu azul e sol radioso que, do vazio de mim, da aridez de mim, a tua dor, Isabel, fez brotar uma torrente de água negra como a rocha do meu coração. E um vento arrebatador abanou todo o meu corpo ausente, arrastando as gotas grossas e escuras que alagaram os meus olhos indiferentes, inundando o meu rosto gretado de tanta melancolia!
O teu menino!!! Essa faísca em ti, esse trovão em ti, atingiram-me inesperadamente, insuportáveis, como naquele teu momento!
Nenhuma mãe devia ver um filho partir para sempre! Nunca!
Ainda mais com mãos tão cheias de sonhos, como nos dás a conhecer no teu!
Mas nenhum filho devia ver partir sua mãe! Mesmo que ela seja só a sombra silenciosa do que foi, como era a minha, quando o 29 de Março de 2007 amanheceu, sem sol, e a varreu!
Como se vive com tal dor? Está-se cá …e pronto. Tu escreves no teu blog.
Eu voltei para o deserto onde o destino me quis desde antes da adolescência. Dele escapei por temporadas, construindo com o meu companheiro, lentamente, dificilmente, um jardim cheio de cores em constante mutação, como as estações. E por ele passeiam ainda, de quando em vez, os familiares mais próximos, um ou dois amigos, nunca mais, a mãe, muito pouco, os filhos. A menina, a construir agora o seu próprio jardim; o menino, em Praga, a aprender para jardineiro, numa faculdade de medicina!
Por isso, a ele voltei, ao meu deserto, à espera de nada, resignada, preguiçosa, às vezes cheia de mágoa, como no dia em que consegui abrir a caixa do correio electrónico, atulhada, e soube de ti!
Como eu te entendo!! Só quis que o soubesses, porque não sei que mais te dizer.
E que gostei muito de conhecer o David, que o acaso nunca me deixou encontrar.
E que gosto dele.
Um abraço cheio, muito cheio, do que porventura possas desejar sentir.
Alcina
18 abril 2008
É Outubro...
O David morreu há seis meses, num Outubro cheio de sol.
Teve uma vida intensa e breve.
Como é possível ter passado tanto tempo, se ainda sinto as mãos dele, se ainda percorro o caminho que tantas vezes nos levou ao hospital, se ainda o vejo deitado no sofá e sinto o seu cheiro, no quarto?
Sempre soube que não havia regras nem certezas, mas fui-me convencendo que a coragem e determinação, com que o David percorria a doença, pudessem salvá-lo!
Repentinamente, a sombra da morte agigantou-se e a casa emudeceu.
Os livros, os filtros de cores e o leitor de CDs, misturados com os cremes de massagens, continuam na mesinha de cabeceira e deles emana uma voz distante e breve.
A música que ouço, sendo a mesma, não tem o mesmo som.
Quase nada me é familiar.
Apenas os sentimentos, com que acordo, se repetem.
Uns dias são de saudade imensa e olhos secos, outros de tristeza vestida de nada, outros de pânico e suor como se percorresse os caminhos já mil vezes percorridos e sabendo que a morte não tarda, outros de melancolia que me consome ou de deixar que as lágrimas escorram devagar pelo estreito espaço em que se transformou a minha vida.
Hoje é dia de revolta.
O coração fecha-se, no vazio.
Amigo, perdi o caminho
Eco: O caminho prossegue.
Há outro caminho?
Eco: O caminho é só um.
Tenho de reconstituir o trilho.
Eco: Está perdido e desapareceu.
Para trás, tenho de caminhar para trás!
Eco: Nenhum lá vai ter, nenhum.
Então farei daqui o meu lugar.
Eco: (A estrada continua.)
Permanecerei imóvel e fixarei meu rosto
Eco: (A estrada avança.)
Ficarei aqui, ficarei para sempre.
Eco: Nenhum se fica por aqui, nenhum.
Não consigo encontrar o caminho.
Eco: O caminho prossegue.
Oh, os lugares por que passei!
Eco: Essa viagem acabou.
E o que virá por fim?
Eco: A estrada prossegue.
Teve uma vida intensa e breve.
Como é possível ter passado tanto tempo, se ainda sinto as mãos dele, se ainda percorro o caminho que tantas vezes nos levou ao hospital, se ainda o vejo deitado no sofá e sinto o seu cheiro, no quarto?
Sempre soube que não havia regras nem certezas, mas fui-me convencendo que a coragem e determinação, com que o David percorria a doença, pudessem salvá-lo!
Repentinamente, a sombra da morte agigantou-se e a casa emudeceu.
Os livros, os filtros de cores e o leitor de CDs, misturados com os cremes de massagens, continuam na mesinha de cabeceira e deles emana uma voz distante e breve.
A música que ouço, sendo a mesma, não tem o mesmo som.
Quase nada me é familiar.
Apenas os sentimentos, com que acordo, se repetem.
Uns dias são de saudade imensa e olhos secos, outros de tristeza vestida de nada, outros de pânico e suor como se percorresse os caminhos já mil vezes percorridos e sabendo que a morte não tarda, outros de melancolia que me consome ou de deixar que as lágrimas escorram devagar pelo estreito espaço em que se transformou a minha vida.
Hoje é dia de revolta.
O coração fecha-se, no vazio.
Amigo, perdi o caminho
Eco: O caminho prossegue.
Há outro caminho?
Eco: O caminho é só um.
Tenho de reconstituir o trilho.
Eco: Está perdido e desapareceu.
Para trás, tenho de caminhar para trás!
Eco: Nenhum lá vai ter, nenhum.
Então farei daqui o meu lugar.
Eco: (A estrada continua.)
Permanecerei imóvel e fixarei meu rosto
Eco: (A estrada avança.)
Ficarei aqui, ficarei para sempre.
Eco: Nenhum se fica por aqui, nenhum.
Não consigo encontrar o caminho.
Eco: O caminho prossegue.
Oh, os lugares por que passei!
Eco: Essa viagem acabou.
E o que virá por fim?
Eco: A estrada prossegue.
Edwin Muir
17 abril 2008
Círculo vicioso
Vivo em contínuos círculos de retorno aos dezoito meses da doença do David.
Tenho escrito algumas páginas do livro sobre a doença dele e sobre tudo o que fui vivendo a par e passo e que fui registando, sempre, em diários, agendas, bocados de papel soltos. No hospital de dia da quimioterapia, nas salas de espera para exames, no bar do hospital, nos aviões, nas urgências onde passámos noites em branco, nos cafés, na escola enquanto os alunos faziam testes ou trabalhavam em grupo, na quinta do Sr. António, na cama ao deitar ... em todo o lado, fui escrevendo.
Se a quinta das Lágrimas, em Coimbra, testemunhou a morte de Inês. Todos estes locais testemunharam a minha dor e as lágrimas que, por aí, fui derramando.
Também foi uma história de amor.
Sei que não posso deixar de tentar publicar este livro. Que só poderá chamar-se "Mamã, vamos dançar!" - as últimas palavras que ouvi da boca do David, na noite de 16 de Outubro de 2007.
Se servirá a alguém na mesma situação em que me encontro, não sei.
Será escrito para mim. E sei que muitos amigos do David o lerão.
Sei que, só assim, poderei relatar o turbilhão de sentimentos da mãe de alguém que viveu com essa espada sobre a cabeça e que sempre lutou, que conseguiu ser "mesmo assim feliz" e contagiar os outros com a sua força e sentido de humor.
Os meus olhos serão o espelho onde se reflecte a luz do David.
Eu terei sido corajosa, como muitos dizem...mas quem sofreu na pele todo o desgaste, toda a incerteza, todos os medos, alternados com momentos de muita esperança foi o David.
Tinha 29 anos... Para ele, houve sempre um dia seguinte
Devo-lhe esse reconhecimento, essa homenagem.
Não foi um rapazinho qualquer.
Foi o protagonista/herói desta história que não teve um final feliz e que não começa com "era uma vez..."
Será um livro/diário, simples de ler, relativamente linear e completamente apoiado na realidade que vivemos tão intensamente e desgastante, apesar do curto espaço de tempo que abrange.
Cada página que escrevo é retirada das entranhas da memória, onde tudo está gravado com amargurada nitidez.
E demoro-me em cada dia, cada viagem, cada concerto que acompanhei, cada alegria e medos que partilhei ... cada conversa que tivemos, cada esperança que partilhámos, cada bom momento que nos foi concedido.
A cumplicidade foi total, em cada etapa.
O que não foi, explicitamente, dito, foi, muitas vezes, sugerido por olhares, por títulos e letras de canções para que eu era alertada, por um aperto mais forte na mão, por um desabafo mais triste quando se sentia alvo de incompreensão, por um olhar mais meigo, por um sorriso mais cristalino, pelo abraço de "boa noite" diário.
Será um parto lento, doloroso...
Não tem dia marcado.
Inominado
Primeiro foi o sonho,
Inopinado e louco.
Depois a audácia,
O corrupio, o sufoco.
Foi a nostalgia.
A dor da saudade.
Foram dúvidas e inseguranças.
Foi o coma da traição.
Foram os cansaços.
As olheiras. Os olhos baços.
Foram milhentas milhas
Percorridas em mil regaços.
Foi a solidão.
E, foi sempre o sonho.
Sempre a solidão e,
Dos medos o mais medonho.
Foi o bem querer!...
Apenas e só o bem querer!...
Percorri mil anos
A velocidade da luz.
Ultrapassei nebulosas.
Cabeceei asteróides
Para balizas imaginárias.
Doei os anéis de Saturno
A ninfas alucinadas.
Contornei buracos negros.
Fiz amor nas crateras da Lua
Com camisas de Vénus.
Fui amante duma marciana,
Louca e insaciável,
Loura e insociável.
Mandei para os raios que o partam... .
.....O Sol.
Passeei-me por Mercúrio...
......Crómio.
Julguei sarar minhas feridas.
Perdi Galateia.
Perdi tudo.
E, eu próprio, perdi-me
Em qualquer parte.
Luís Eusébio
15 abril 2008
Migalhas
Vou vivendo de migalhas e restos da luz que espalhaste por aí.
Highest Fly?...
Sorri, daí, ... dessa nuvem, onde moras.
Depois
Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como as aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.
Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.
Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança
se recolheram também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas acabadas.
Manuel António Pina
14 abril 2008
Primavera?
Em Moledo, cheirava a mimosas e jasmim, como antes.
Agora, esse sol e esses cheiros incomodam-me.
Que me importam o Sol e a Primavera e a brancura das casas na encosta, em frente?
São as mesmas de antes... mas os meus olhos mudaram.
Cruzo os braços e abandono-me às recordações que me levam, sempre, de volta a outras terras por onde a esperança se foi, lentamente, diluindo.
Regresso a outras Primaveras em que fui feliz; depois infeliz; outra vez, quase feliz e, agora, irremediavelmente infeliz.
Agora, o meu objectivo, em cada dia, é que o dia seguinte passe depressa. Assim, não encaro, frontalmente, o vazio do tempo presente, este lugar nenhum.
Há passado e um futuro, ainda ausente.
Mesmo assim, hoje, fui violentamente assaltada pela tristeza e por uma agoniante saudade.
E o tempo que não corre! Sinto que fico parada no tempo.
Então, meto-me no carro, arranco sem destino e faço de conta que ando para a frente.
O tempo há-de passar.
E choro sozinha, lá dentro.
Ninguém me pode ajudar... Que adiantaria ir bater a esta ou àquela porta?
É só comigo que tenho que me confrontar.
Agora, esse sol e esses cheiros incomodam-me.
Que me importam o Sol e a Primavera e a brancura das casas na encosta, em frente?
São as mesmas de antes... mas os meus olhos mudaram.
Cruzo os braços e abandono-me às recordações que me levam, sempre, de volta a outras terras por onde a esperança se foi, lentamente, diluindo.
Regresso a outras Primaveras em que fui feliz; depois infeliz; outra vez, quase feliz e, agora, irremediavelmente infeliz.
Agora, o meu objectivo, em cada dia, é que o dia seguinte passe depressa. Assim, não encaro, frontalmente, o vazio do tempo presente, este lugar nenhum.
Há passado e um futuro, ainda ausente.
Mesmo assim, hoje, fui violentamente assaltada pela tristeza e por uma agoniante saudade.
E o tempo que não corre! Sinto que fico parada no tempo.
Então, meto-me no carro, arranco sem destino e faço de conta que ando para a frente.
O tempo há-de passar.
E choro sozinha, lá dentro.
Ninguém me pode ajudar... Que adiantaria ir bater a esta ou àquela porta?
É só comigo que tenho que me confrontar.
12 abril 2008
Casa da Música
A Casa da Música faz anos.
Com balanço positivo e espectáculos diversificados e imenso público...
Todos os artistas que, por lá, passaram dão testemunho da experiência.
Também eu lá fui, algumas vezes.
Não muitas, porque aconteceu o que aconteceu!
Mas quem se lembra que o David foi o "iluminador" do primeiro espectáculo que lá ocorreu.
Lembro-me dos dias de aflição que ele passou porque não havia meios, estava tudo atrasado e ele queria, pelo menos, iluminar a cara das mil crianças que lá iam estar ... para que os pais as vissem e pudessem guardar essas recordações.
Ele era assim...
E eu subi imensos degraus porque a sala estava cheia... Ia de canadianas porque tinha sido operada ao joelho e sei que o David esperou até que me sentasse para apagar as luzes gerais e dar início a "Da primeira madrugada".
Foi o primeiro designer de luz a pisar o palco da Casa da Música.
Dei-lhe um beijo grande de parabéns.
Mais uma despedida.
Tríptico para o David
Para a querida Isabel com um sentido abraço da Elsa e do Jaime
David, meu caro,
como sabes
os poetas nunca morrem,
apenas adormecem devagar
e se deixam flutuar
na luz nimbada da manhã
que lambe juncos rumorosos,
enlaçam-se nas algas das amantes,
e se diluem,
embaraçam-se nos braços dos irmãos
e dúplices
no riso cúmplice de amigos.
Quando entardece
desabotoam as lágrimas do seio maternal,
onde regressam
e se recolhem
para a longa noite que os espera.
Regressam sempre,
horas
e dias inesperados:
recortados no rectângulo da janela,
na folha manuscrita sobre a mesa,
a caneta inactiva,
no livro aberto,
interrompido,
esquecido o cd no leitor emudecido,
o casaco nas costas da cadeira,
um vago odor
e um ruído de jornal ali, na sala ao lado,
uma ausência deambulando
pela casa silenciosa.
Caro poeta,
como sabes,
todo o David vence sempre o seu gigante.
Faz-se projéctil na sua própria funda
e funde-se na luz vertiginosa do seu gesto
já longe da tangente que o ferira.
Não só de Bach,
a fuga é regra em combates desiguais.
Adeus estratégias,
labirínticas manobras,
rituais severos!
Agora ele já sabe
que há em si um ser irredutível:
apenas se sublima na massa sideral,
sua matriz...
Agora pode ser pura energia,
luz,
um pequeno lugar intenso a brilhar no firmamento,
entre outros astros.
Como dizia outrora Maria,
a velha serva, o gesto persignante,
o olhar temente,
se o rutilar fugaz de uma estrela cadente,
riscava o céu de breu.
São também meus filhos,
os moços que debutam
sunâmbulos soldados,
nesta guerra branca,
silenciosa.
Vão graves, inocentes...
Não partem em si
mas em nós,
os que ficamos.
Seus olhos já não vêem
as pobres mãos que acenam,
nada sabem dos tentáculos amorosos
que lassos os libertam,
do desalento no desabraço fraterno,
da sombra nos olhos dos amigos,
do vácuo implosivo
subitamente aberto
no peito desta mãe.
Lá vão absortos
na sua missão ignorada.
Marcham para longe,
mais e mais longe de nós,
do nosso braço
que em vão se estende
e não alcança,
cada vez mais longe
da nossa atónita impotência,
até que se esbatem
no pano cinza do horizonte
que se cerra
e os encerra
no leito onde anoitecem.
Jaime Azinheira
Outubro de 2007
Com balanço positivo e espectáculos diversificados e imenso público...
Todos os artistas que, por lá, passaram dão testemunho da experiência.
Também eu lá fui, algumas vezes.
Não muitas, porque aconteceu o que aconteceu!
Mas quem se lembra que o David foi o "iluminador" do primeiro espectáculo que lá ocorreu.
Lembro-me dos dias de aflição que ele passou porque não havia meios, estava tudo atrasado e ele queria, pelo menos, iluminar a cara das mil crianças que lá iam estar ... para que os pais as vissem e pudessem guardar essas recordações.
Ele era assim...
E eu subi imensos degraus porque a sala estava cheia... Ia de canadianas porque tinha sido operada ao joelho e sei que o David esperou até que me sentasse para apagar as luzes gerais e dar início a "Da primeira madrugada".
Foi o primeiro designer de luz a pisar o palco da Casa da Música.
Dei-lhe um beijo grande de parabéns.
Mais uma despedida.
Tríptico para o David
Para a querida Isabel com um sentido abraço da Elsa e do Jaime
David, meu caro,
como sabes
os poetas nunca morrem,
apenas adormecem devagar
e se deixam flutuar
na luz nimbada da manhã
que lambe juncos rumorosos,
enlaçam-se nas algas das amantes,
e se diluem,
embaraçam-se nos braços dos irmãos
e dúplices
no riso cúmplice de amigos.
Quando entardece
desabotoam as lágrimas do seio maternal,
onde regressam
e se recolhem
para a longa noite que os espera.
Regressam sempre,
horas
e dias inesperados:
recortados no rectângulo da janela,
na folha manuscrita sobre a mesa,
a caneta inactiva,
no livro aberto,
interrompido,
esquecido o cd no leitor emudecido,
o casaco nas costas da cadeira,
um vago odor
e um ruído de jornal ali, na sala ao lado,
uma ausência deambulando
pela casa silenciosa.
Caro poeta,
como sabes,
todo o David vence sempre o seu gigante.
Faz-se projéctil na sua própria funda
e funde-se na luz vertiginosa do seu gesto
já longe da tangente que o ferira.
Não só de Bach,
a fuga é regra em combates desiguais.
Adeus estratégias,
labirínticas manobras,
rituais severos!
Agora ele já sabe
que há em si um ser irredutível:
apenas se sublima na massa sideral,
sua matriz...
Agora pode ser pura energia,
luz,
um pequeno lugar intenso a brilhar no firmamento,
entre outros astros.
Como dizia outrora Maria,
a velha serva, o gesto persignante,
o olhar temente,
se o rutilar fugaz de uma estrela cadente,
riscava o céu de breu.
São também meus filhos,
os moços que debutam
sunâmbulos soldados,
nesta guerra branca,
silenciosa.
Vão graves, inocentes...
Não partem em si
mas em nós,
os que ficamos.
Seus olhos já não vêem
as pobres mãos que acenam,
nada sabem dos tentáculos amorosos
que lassos os libertam,
do desalento no desabraço fraterno,
da sombra nos olhos dos amigos,
do vácuo implosivo
subitamente aberto
no peito desta mãe.
Lá vão absortos
na sua missão ignorada.
Marcham para longe,
mais e mais longe de nós,
do nosso braço
que em vão se estende
e não alcança,
cada vez mais longe
da nossa atónita impotência,
até que se esbatem
no pano cinza do horizonte
que se cerra
e os encerra
no leito onde anoitecem.
Jaime Azinheira
Outubro de 2007
11 abril 2008
Há dias mais leves
Há dias mais leves e alados em que acordo, sem sonhos...
Abro as janelas, corro portadas e tudo me parece mais sereno e a correr na justa medida do suportável.
E há outros dias e que são a maior parte dos dias, em que me levanto e me segredam que será um dos tais nefastos e frequentes em que a angústia me acossa; o medo me aperta a garganta; o olhar, já molhado, se turva, ao encontrar o olhar dos outros, e a voz fica prisioneira da vontade de gritar a verdade estrangulada.
Nesses dias de sonambulismo atento e doloroso, arranco o coração do peito e, antes de sair de casa e bater a porta, escondo-o debaixo teus diários que ficam espalhados na secretária e onde o recolho, à noite.
Mais um "adeus", no dia 19 de Outubro de 2007
David, a tua alegria e vontade de viver vão contagiar-nos, para sempre.
Abro as janelas, corro portadas e tudo me parece mais sereno e a correr na justa medida do suportável.
E há outros dias e que são a maior parte dos dias, em que me levanto e me segredam que será um dos tais nefastos e frequentes em que a angústia me acossa; o medo me aperta a garganta; o olhar, já molhado, se turva, ao encontrar o olhar dos outros, e a voz fica prisioneira da vontade de gritar a verdade estrangulada.
Nesses dias de sonambulismo atento e doloroso, arranco o coração do peito e, antes de sair de casa e bater a porta, escondo-o debaixo teus diários que ficam espalhados na secretária e onde o recolho, à noite.
Mais um "adeus", no dia 19 de Outubro de 2007
David, a tua alegria e vontade de viver vão contagiar-nos, para sempre.
Um beijo da Cândida
10 abril 2008
SAUDADE
Só agora e lentamente, me vou apercebendo do verdadeiro sentido da palavra SAUDADE...
Do irreparável e irreversível que lhe estão associados!
Da profundidade da ferida que se vai abrindo, cavando mais, dia após dia, e da incredulidade perante a certeza de que nada a fechará.
No entanto, o mundo, lá fora, segue a sua rota. Não pára para recolher os náufragos.
Sobram palavras!
"Castrado d'alma e sem saber fixar-me
Tarde a tarde, na minha dor me afundo...
- Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me"
Mário de Sá Carneiro
Do irreparável e irreversível que lhe estão associados!
Da profundidade da ferida que se vai abrindo, cavando mais, dia após dia, e da incredulidade perante a certeza de que nada a fechará.
No entanto, o mundo, lá fora, segue a sua rota. Não pára para recolher os náufragos.
Sobram palavras!
"Castrado d'alma e sem saber fixar-me
Tarde a tarde, na minha dor me afundo...
- Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me"
Mário de Sá Carneiro
08 abril 2008
Artigo do Público sobre o cancro
Há grandeza na vida. Há grandeza na morte.
O Público dedica, hoje, duas páginas a curtas metragens sobre pessoas que tiveram cancro e sobreviveram.
Aí se fala da forma como as pessoas reagem à palavra "cancro".
Aí se dá a palavra àqueles que passaram por essa experiência de vida.
Aí se apela à coragem necessária para enfrentar e vencer esta doença; e nunca cruzar os braços.
E quem dá a palavra aos que foram atingidos por um cancro, viveram... e não sobreviveram?
Quem revela a "boa e benéfica atitude" de viver com esses cancros que não cedem?
Quem revela essas pessoas que dão uma grande lição de vida aos que ficam, ... mas que partem.
Alguns são bem jovens, em início de vida.
Não puderam dar o seu testemunho porque estavam, corajosa e teimosamente, empenhados em viver, em sobreviver e nunca se resignaram a uma sentença de morte.
Quem fala por eles e mostra a sua determinação?
O David Sobral viveu teimosamente e com uma força desmedida, sem lamentos e sem queixas.
Valeu a pena? Acho que sim.
Agigantou-se e foi, mesmo assim, feliz duma certa maneira.
Foi a minha maior lição de vida.
Os papéis invertaram-se; foi a mãe quem aprendeu com o filho.
Na história de vida que imaginei para mim, ficariam os meus filhos com recordações (espero que boas...) da mãe que partira. E falariam de mim aos meus netos.
Cabe-me falar do David; cabe-me não o deixar morrer enquanto eu viver; cabe-me dá-lo como um exemplo de vida.
No Público, um dos "entrevistados" diz que o cancro pode ser entendido "não como um fim".
Às vezes, é, mesmo, o fim!
Mas, também, nesses casos, se pode aprender a viver.
As frases e poemas de despedida ao David são um livro aberto. Foram escritas no dia 19 de Março de 2007.
Passá-las-ei para aqui, embora eu saiba que é para mim que escrevo... Para aprender a viver!
Melhor do que eu, essas sentidas mensagens mostram a grandeza e a generosidade do David. SEMPRE!
Meu Amor
Serás sempre o meu David e mais ninguém irá preencher este espaço que tão bem ocupaste. Amar também é deixar ir, respeitando o tempo de cada um, mesmo que esse tempo seja tão injusto.
Obrigada por tudo o que me deste, durante este último ano da tua vida.
Com muito amor e saudade.
O Público dedica, hoje, duas páginas a curtas metragens sobre pessoas que tiveram cancro e sobreviveram.
Aí se fala da forma como as pessoas reagem à palavra "cancro".
Aí se dá a palavra àqueles que passaram por essa experiência de vida.
Aí se apela à coragem necessária para enfrentar e vencer esta doença; e nunca cruzar os braços.
E quem dá a palavra aos que foram atingidos por um cancro, viveram... e não sobreviveram?
Quem revela a "boa e benéfica atitude" de viver com esses cancros que não cedem?
Quem revela essas pessoas que dão uma grande lição de vida aos que ficam, ... mas que partem.
Alguns são bem jovens, em início de vida.
Não puderam dar o seu testemunho porque estavam, corajosa e teimosamente, empenhados em viver, em sobreviver e nunca se resignaram a uma sentença de morte.
Quem fala por eles e mostra a sua determinação?
O David Sobral viveu teimosamente e com uma força desmedida, sem lamentos e sem queixas.
Valeu a pena? Acho que sim.
Agigantou-se e foi, mesmo assim, feliz duma certa maneira.
Foi a minha maior lição de vida.
Os papéis invertaram-se; foi a mãe quem aprendeu com o filho.
Na história de vida que imaginei para mim, ficariam os meus filhos com recordações (espero que boas...) da mãe que partira. E falariam de mim aos meus netos.
Cabe-me falar do David; cabe-me não o deixar morrer enquanto eu viver; cabe-me dá-lo como um exemplo de vida.
No Público, um dos "entrevistados" diz que o cancro pode ser entendido "não como um fim".
Às vezes, é, mesmo, o fim!
Mas, também, nesses casos, se pode aprender a viver.
As frases e poemas de despedida ao David são um livro aberto. Foram escritas no dia 19 de Março de 2007.
Passá-las-ei para aqui, embora eu saiba que é para mim que escrevo... Para aprender a viver!
Melhor do que eu, essas sentidas mensagens mostram a grandeza e a generosidade do David. SEMPRE!
Meu Amor
Serás sempre o meu David e mais ninguém irá preencher este espaço que tão bem ocupaste. Amar também é deixar ir, respeitando o tempo de cada um, mesmo que esse tempo seja tão injusto.
Obrigada por tudo o que me deste, durante este último ano da tua vida.
Com muito amor e saudade.
Do teu anjo, que nada conseguiu fazer para te "prender" a esta vida.
07 abril 2008
Procurei-te na brancura da Lapónia
Alguém me disse, por lá, que devemos ficar quietinhos no centro do furacão...
O paraíso
O paraíso terrestre é uma flor verde.
As árvores abrem-se ao meio.
O que é sucessivo perde-se.
Se o tempo modifica os seres e os objectos
eu sinto a diferença e gasto-me.
O sol é um erro de gramática, a luz da madrugada
uma folha branca à transparência da lâmpada.
Soam então os barulhos. Soam
de dentro das caixas fechadas há mais tempo,
de dentro das chávenas de café.
É tarde e és tu.
acima de tudo,
entre a manhã e as árvores,
à luz dos olhos,
à luz só do límpido olhar.
Nuno Júdice
01 abril 2008
Há um ano...há dois anos
Sempre o tempo.
As minhas agendas e as tuas são a minha âncora; uma dependência que não quero, ainda, largar.
Ajudam-me a suportar os dias porque regresso atrás, ao tempo em que me estendias a mão, apertavas a minha e me sossegavas.
Embora tenha sido um tempo-trapézio, em que tínhamos que manter o equilíbrio para não cairmos no fosso da angústia.
Mas estavas cá e o teu ânimo e optimismo de então são, agora, a rede que me ampara.
Mesmo agora, és tu quem me dá maior força e me ajuda a seguir em frente.
Com destino ou sem destino, tanto faz...
Há 2 anos, vivíamos em estado de choque. Tinham-se confirmado as piores suspeitas e foi mais um fim de semana em que fingimos viver normalmente, sabendo que tal não era possível. Éramos marionetas.
Há 1 ano, vivíamos momentos de alguma "felicidade" porque havia uma luz e tu andavas a organizar o espectáculo do Zeca.
Na tua agenda, consta apenas "Descanso Absolut Vodka em Moledo". Eras assim!
E Moledo era o nosso refúgio.
Amanhã, não haverá mensagens neste Blog. Sei que não vais sentir-lhe a falta.
Já não existes. Estou ciente disso!
Mas sou eu quem sente a falta de "fingir que falo contigo".
Escreverei no meu diário e levo o teu passepartout comigo.
Este é um poema, cujo non sense te agradaria.
Tem algo de ti - Paixão, Cigano, Palhaço - músicas de Egberto Gismonti, de que tanto gostavas.
"Paixão" porque eras apaixonado pelas pessoas e pela vida.
"Cigano" porque gostavas de "andar na estrada", de teatro em teatro; de voar para sítios distantes.
"Palhaço" porque tinhas um sentido de humor especial que cativava e gostavas de ver toda a gente feliz.
Esta foi a homenagem que dois amigos teus te fizeram, num concerto que te foi dedicado.
PROJECTO DE SUCESSÃO
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa
casa da venância
Larguei o que fazia e num inexplicável impulso fui visitar " a casa da venância"! Li muito. Andei às voltas sem coragem de seguir a sequência correcta, mas consegui. Li tudo!
Palavras, mais do que as lá escritas não encontro. Li a força de uma mãe a quem foi arrancada uma parte da vida e senti-me perdida. Transportada para momentos tristes, profundos, intensos, muitos dos quais acompanhei quase em directo mas longe, muito longe do sentimento genuíno da perda, pergunto-me se terei o direito a um queixume! Não tenho, de todo não tenho! Tudo perde a importância, apenas nos resta viver, sobreviver! A tal força tão necessária existe e sua irmã tem-na e mais importante ainda, transmite-a!
Cinco meses passados o David vai projectar-se no bébé do Sérgio e esta nova vida virá dar novo alento a todos.
OBRIGADA por me ter levado até lá, OBRIGADA por me ter dado a oportunidade de ficar mais perto de quem partilha comigo mesmo que por motivos opostos, o dia 18 de Outubro. Em mim existe agora e existirá sempre um cantinho especial onde coloquei o David e onde principalmente nesse dia estarão comigo também todos vós.
Voltarei lá
Graça
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