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Continuamente, me pergunto porque não vi os indícios da doença do meu filho.
Como é possível que tenha morrido?
Algo me preocupava, naquele Março cinzento. Revejo essa preocupação, escrita, no diário da altura – Fevereiro/06
Falhei no meu papel de mãe; era suposto tê-lo protegido.
Nunca me convencerei de que era inevitável. A tristeza que levou para Barcelona, naquele Agosto sufocante, pode ter fragilizado o seu corpo cansado. Que sei eu?
À força de tanto cismar, perco-me, aprisionada, numa realidade que desconheço e me consome e desespera. Não tenho a chave da prisão.
Alguém ma tirou e deitou fora.
Ou tê-la-ei guardado e não sei onde está?
Vou-me habituando à penumbra da casa, de mim e a pequenos raios de sol ocasionais.
Não quero muito.
De que serve criar raízes?
Sou apenas hóspede da vida, da ternura que ainda me couber na roda da sorte, do azar, do destino, deste dia exacto, do antes que vivi e, talvez um pouco, do depois que me espera.
Sou hóspede do coração de quem me ame e deste mundo que habito, tenuamente.
Apenas, hóspede. Sem demasiadas exigências
Por isso, fechada no meu casulo, ouço e vejo, ao longe. São sons, em tudo semelhantes ao silêncio; desaprendi o significado das palavras.
E estranho-me; ando perdida em torrentes de palavras e na total ausência delas.
Tenho a alma virada do avesso.
A MÚSICA
Arrasta-me por vezes como um mar, a musica!
Rumo à minha estrela,
sob o éter mais vasto
ou um tecto de bruma,
eu levanto a vela;
Com o peito p’rà frente
e os pulmões inchados
como rija tela,
Escalo a crista das ondas l
logo amontoadas
Que a noite me vela;
Sinto vibrar em mim
as inúmeras paixões
De uma nau sofrendo;
O vento, a tempestade
e as suas convulsões
sobre o abismo imenso
Embalam-me.
Outras vezes é a calma,
esse espelho
Do meu desespero!
BAUDELAIRE (1821-1867) As Flores do Mal