06 outubro 2008

Regressos




Queria tanto controlar o tempo e os dias que marcam os meus dias.
Aqui ou lá longe, junto ao mar de Creta, o meu tempo é sempre o teu tempo.
Os aromas, a cor do mar, o deambular pelas ruas estreitas, o colorido das casas, o som dos bouzukis, o sabor simples do peixe grelhado...tudo acaba sempre por seres tu.
Tenho os meus sentidos filtrados pelos teus.
Onde tudo era música, som, sabor, calor, cor, luz...foi, agora, um lento e difícil recordar.
Continuam a dizer-me que me vou habituar à dor, num processo lento.
Agora, esta dor vem, sem que a chame ou pense que não há retorno.
As lágrimas caem, sem que as chame.
As lágrimas caem, sem que de tal me aperceba...

Eu continuo a acreditar que apenas saberei e conseguirei fingir melhor...
Sob o véu diáfano do fingimento, permanecerá a máscara da dor e da saudade, como se tivesses acabado de partir ...
Os grandes amores não se esquecem, nem vão passar as saudades que vou ter
do que já não pode acontecer.
Esse futuro sonhado não é mais do que um passado em que havia acontecer!
Passou quase um ano...
Mas foi, quase agora, que te ouvi, que te vi, que te acaricei a mão... e falámos do futuro.

Há um ano, era Sábado, escrevi na minha agenda - "O David pediu-nos para ir ver o mar. Apesar de o vermos cansado, pés inchados e com pouca força nas pernas, fomos sem hesitar. Acompanhado pelo Sérgio e de braço dado com a Carla, foi até ao meio do areal e sentou-se... A Carla sentou-se ao lado dele. Eu encostei-me ao muro, a vê-los de longe. Tirei uma fotografia aos três, em contra-luz, ao pôr-do-sol. Dois vultos sentados e um em pé.
Estão ali os meus filhos.
Recomeça a quimioetrapia, no dia 8, depois de amanhã.
Não sei o que nos espera.
Sinto um medo imenso, mas maior, ainda, é o medo que tenho de que ele se aperceba do meu medo.
Se ele assim o acha, tenho que continuar a ser firme como uma rocha!"

Não voltou a ver o mar.

Agora, é o David o próprio mar.




"Há saudades nas pernas e nos braços
Há saudades no cérebro por fora
Há grandes raivas feitas de cansaços..."


Álvaro de Campos

5 comentários:

Anónimo disse...

Outro eu


TRISTEZA

Falo-me em versos tristes,
Entrego-me a versos cheios
De névoa e de luar;
E esses meus versos tristes
São ténues, céleres veios
Que esse vago luar
Se deixa pratear.

Sou alma em tristes cantos,
Tão tristes como as águas
Que uma castelã vê
Perderem-se em recantos
Que ela em soslaio,de pé,
No seu castelo de prantos
Perenemente vê...
Assim as minhas mágoas não domo
Cantam-me não sei como
E eu canto-as não sei porquê.

Fernando Pessoa
Poesia do Eu

Apesar da tristeza, seja bem vinda Isabel

MB

Olga Almeida disse...

Olá!
...e como o David estava contente como o carinho do Sérgio e da Carla!
Só um pouco mais de paciência e tudo ficaria bem... foi o que me disse ao deitar!
Beijinho grande
Olga

Carecaloira disse...

Beijo muito, muito grande.
Sinta-se abraçada com carinho

Marina

Anónimo disse...

Só mesmo a Olga me pode serenar...
O que o David não me dizia, dizia-lho a ela.
E ela sabe dessa minha "incerteza" (chamemos-lhe assim!)
Obrigada, Olga
Isabel

Branca disse...

Isabel,

Um abraço muito grande e carinhoso. Claro que os grandes amores não se esquecem, o seu filho David será sempre o seu filho...e nós sempre gostamos de falar dos nossos meninos, sobretudo se eles estão longe.
Venho trazer-lhe a minha amizade.
Beijinhos
Branca