28 outubro 2008

E agora??




Há música africana, ao fundo.
São os mesmos ritmos de antes.
Mas são diferentes, agora.
São os caminhos de antes que continuo a percorrer. Sem os destinos de antes; sem o propósito de antes.
A escola está ali, à minha espera; com os mesmos funcionários que me sorriem quando chego ou quando passo.
É a mesma escola de antes.
Vejo-a diferente, agora.
São os mesmos funcionários de antes. Simpáticos...eu é que sou diferente...passo ausente...
Os alunos, os mesmos ou novos, são sempre os alunos de antes; sentados nas mesmas cadeiras, entrando e saindo ao toque da campainha de antes...
Os meus colegas são os mesmos de antes, amigos como foram antes; as conversas versam temas de antes.
Há um ruído de fundo que me impede de me concentrar e ouvir.
A minha energia de antes desapareceu; esfumou-se com a partida do David.
Não me reconheço nos caminhos; não me revejo nas conversas da escola; não sei se retribuo do mesmo modo os cumprimentos dos funcionários quando passo por eles; não ouço as pessoas, como ouvia dantes.
Só a presença física se mantém, mais ou menos como antes.
Como as Torres Gémeas de que falou MM. Cá dentro vivo um pesadelo que não transparece.
Não posso obrigar os outros a transportarem a minha carga. É minha, tenho (terei?) que viver com ela.
Por dentro, não há vestígios da vontade e da energia de antes.
Vivo no presente mas é no antes que me abrigo.
Em busca do que sei estar definitivamente perdido.
Só a dor ficou. O resto é ausência, ausência ...
Que dói, como doía antes; ou mais ... porque, antes, havia esperança.
Seguíamos em frente, não precisávamos de olhar ou contornar obstáculos; só a luz duma janela aberta nos conduzia.
Era por ali o caminho.
A janela fechou-se; a luz estilhaçou-se.
E eu, aqui, parada. Vou desfazendo a meada que não me leva a lado nenhum, senão sempre e sempre ao mesmo ponto de chegada.
Àquele ponto em que me pedem para largar aquela mão esguia...
É daí que parto e é aí que regresso, sempre e sempre.
Ainda não me retirei do palco onde vivi; ainda não cheguei aqui.
Aqui é um ponto sombrio.
Que me recuso a aceitar.
Vivo aqui, sonambulamente, pesadamente, com lágrimas ocultas à força de muito penar.
Engulo-as, por aí, até chegar aqui, onde há restos da vida de antes.
Onde posso escrever o nome David.
Que não existe, já...eu sei.
Não é preciso repetir, eu sei...se sei.
Mas preciso de mais um bocadinho para acreditar.
E ganhar energia para continuar...
Embora não saiba para onde ou para quê.
Pois se é tudo tão sem sentido!
Tudo tão sem nexo!






Não é música
Não é música o que ouvimos.

Não é de água este brilho de prata.


Eu estou aqui sobre as pontes do rio.

Outros são os que espreitam pela bruma das margens.


Talvez me lembre:

tu vinhas devagar pelo lado das acácias.

Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um

deus cruel, o saber dos templos.


Não é um salmo o que ouvimos.

Não é de harpas este lamento,

não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,

não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.


Algures te ocultas e não deixas sinais.

Quem és tu

cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos

confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem

as sendas e as sombras,

onde correm as nuvens, as pedras, as águas.


Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.

José Agostinho Baptista (1948)

2 comentários:

Anónimo disse...

Isabel...não diga que o David não existe. Ele existe e existirá sempre! No seu coração, no do irmão, no da cunhada, mesmo no do sobrinho, que só vai conhecer de lembranças. Acho que ninguém quer que a Isabel o esqueça, o apague ou mesmo que acredite que já não existe. O AMOR nunca vai deixar que ele deixe de existir!Só gostavamos TODOS que a Isabel viva com uma lembrança boa...quente..que a preencha e não que a destrua.
Um bjs
MM

Anónimo disse...

Luz estilhaçada, janela fechada


Como aceitar o inaceitável

Como consolar o inconsolável

Como dar força ao que desfalece

Como retirar da pele e do coração, os vidros
estilhaçados da janela, cravados fundo,

Quase a circular dentro das artérias, em risco, em perigo de sangrar

Lembre-se Isabel, que dentro das Torres Gémeas, houve quem continuasse vivo e se libertasse dos pesados escombros

E já não existiam portas ou janelas.


Manuela Baptista