19 março 2008

As agendas do David


Guardo comigo todas as agendas do David. Folheei-as todas, duas, três vezes... Em busca de sinais de dor ou sofrimento.
Não encontro e só isto me sossega.
Hoje é Dia do Pai! Dia do meu pai que fez, anteontem, 80 anos. Penso nele. Gosto de o ver com saúde, mas não sou capaz de lho dizer.
Saem-me lágrimas, em vez de palavras.
Há um ano, o David também não almoçou com o pai. Teve uma sessão longa de quimioterapia.
Na agenda dele, só há referência ao tratamento.
A página está cheia de apontamentos de desenho de luz para o espectáculo da Maria João!
Era assim que ele combatia a doença, com palcos cheios de luz.
O David indica-me o caminho e diz-me que tenho que seguir em frente, com a mesma determinação.
Mas é tão difícil.
Os dias já não são...
Tudo é demais.
Nada é de menos.
Revejo-me nos espelhos.
E já não sou quem fui.
Quem sou ou quem serei.
Um dia, não terei rumo.
Do silêncio não há eco.
Ninguém responde ao nada que pergunto.
Não perguntando, errante, sei todas as respostas.
Quero a dormência.
E que me envolva a neblina.
Ou se liberte a dor que lateja, incessante, na nuca de gelo.

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