30 outubro 2008

Frio




Arrepio


Estendo a minha mão vazia
Na ausência expectante
Da tua mão esguia
...
Na melancolia do tempo
Que não pára
Sinto-a distante
...
Mas meiga
Terna
Eterna
Cantante



Manuela Baptista
Estoril,29 de Outubro 2008

29 outubro 2008

Eu vou indo.



Eu sei que o David faria assim, continuaria.
Ligado às luzes, ao palco, às artes de palco, à música.
Às recordações.
Mas continuaria.
Sei como ele gostaria de me empurrar.
Sei que ele saberia que continua aqui, perto de mim.
Mas, a cada dia, o peso me parece maior.
A mão cada vez mais distante.
O sorriso cada vez mais vago.
E ele não está, de facto, perto de mim.
Estendo a mão e retiro-a...
Vazia da outra mão, mão esguia e meiga.
E a saudade aumenta.
Os filhos não devem ausentar-se, assim, para tão longe das mães.
E eu vou indo...contra a corrente da ausência.
Empurrada!
Mas vou indo, dia a dia.
Devagarinho.
Eu sei que vou indo.



O ANTES E O DEPOIS


O antes foi o que aconteceu.

O depois é o que vai acontecendo.

O que aconteceu, às vezes, tem tanta força, pesa tanto sobre nós, que vivemos dele cativos dando um passo em frente e recuando logo, por todos os motivos e também por fidelidade, com medo ou receio de, ao aventurarmo-nos no futuro ou no depois, estarmos a trair o antes ou o que passou.

Não escondo que e por paradoxal que possa parecer, não raro se vive agarrado ao antes ou ao que passou e por mais terrível que possa ter sido, por comodismo porque, ainda que revestido de enorme sofrimento, o antes, no previsível que se tornou, conforta-nos por terrenos conhecidos ou que os julgamos assim e nessa postura, encontramos o conforto bastante que nos leva a arrepiar caminho.

Ou a julgarmos que arrepiamos quando não, quando as águas não páram de correr e apenas oferecemos resistência a coberto da nossa modorra, de uma apatia indolente que nos retem assim, no antes que o não é mais nem pode ser.

Nem para Ti, nem para ninguém!

Por ilusória fidelidade julgamo-nos fiéis ao antes, à memória, ao passado que, porque as águas, afinal, não páram de correr, tempestuosas e revoltas, indomáveis, se quer antes presente num futuro sempre presente e ainda que ausente e nos incentiva, como o faria o David (!), para a frente, ao depois, abertos e receptivos ao dia de amanhã.

Ainda que tocados, indeléveis, pela melancolia o tempo não pára, não se retém no que foi que porque é virá a ser.

E que em permanência o é convidativo, apelativo num funcionário, aluno ou colega professor, em Ti ou em mim.

O antes é o depois do que vem e Te desafia!

Dá-Lhe, por isso, a mão e continua ...



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2008

28 outubro 2008

E agora??




Há música africana, ao fundo.
São os mesmos ritmos de antes.
Mas são diferentes, agora.
São os caminhos de antes que continuo a percorrer. Sem os destinos de antes; sem o propósito de antes.
A escola está ali, à minha espera; com os mesmos funcionários que me sorriem quando chego ou quando passo.
É a mesma escola de antes.
Vejo-a diferente, agora.
São os mesmos funcionários de antes. Simpáticos...eu é que sou diferente...passo ausente...
Os alunos, os mesmos ou novos, são sempre os alunos de antes; sentados nas mesmas cadeiras, entrando e saindo ao toque da campainha de antes...
Os meus colegas são os mesmos de antes, amigos como foram antes; as conversas versam temas de antes.
Há um ruído de fundo que me impede de me concentrar e ouvir.
A minha energia de antes desapareceu; esfumou-se com a partida do David.
Não me reconheço nos caminhos; não me revejo nas conversas da escola; não sei se retribuo do mesmo modo os cumprimentos dos funcionários quando passo por eles; não ouço as pessoas, como ouvia dantes.
Só a presença física se mantém, mais ou menos como antes.
Como as Torres Gémeas de que falou MM. Cá dentro vivo um pesadelo que não transparece.
Não posso obrigar os outros a transportarem a minha carga. É minha, tenho (terei?) que viver com ela.
Por dentro, não há vestígios da vontade e da energia de antes.
Vivo no presente mas é no antes que me abrigo.
Em busca do que sei estar definitivamente perdido.
Só a dor ficou. O resto é ausência, ausência ...
Que dói, como doía antes; ou mais ... porque, antes, havia esperança.
Seguíamos em frente, não precisávamos de olhar ou contornar obstáculos; só a luz duma janela aberta nos conduzia.
Era por ali o caminho.
A janela fechou-se; a luz estilhaçou-se.
E eu, aqui, parada. Vou desfazendo a meada que não me leva a lado nenhum, senão sempre e sempre ao mesmo ponto de chegada.
Àquele ponto em que me pedem para largar aquela mão esguia...
É daí que parto e é aí que regresso, sempre e sempre.
Ainda não me retirei do palco onde vivi; ainda não cheguei aqui.
Aqui é um ponto sombrio.
Que me recuso a aceitar.
Vivo aqui, sonambulamente, pesadamente, com lágrimas ocultas à força de muito penar.
Engulo-as, por aí, até chegar aqui, onde há restos da vida de antes.
Onde posso escrever o nome David.
Que não existe, já...eu sei.
Não é preciso repetir, eu sei...se sei.
Mas preciso de mais um bocadinho para acreditar.
E ganhar energia para continuar...
Embora não saiba para onde ou para quê.
Pois se é tudo tão sem sentido!
Tudo tão sem nexo!






Não é música
Não é música o que ouvimos.

Não é de água este brilho de prata.


Eu estou aqui sobre as pontes do rio.

Outros são os que espreitam pela bruma das margens.


Talvez me lembre:

tu vinhas devagar pelo lado das acácias.

Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um

deus cruel, o saber dos templos.


Não é um salmo o que ouvimos.

Não é de harpas este lamento,

não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,

não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.


Algures te ocultas e não deixas sinais.

Quem és tu

cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos

confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem

as sendas e as sombras,

onde correm as nuvens, as pedras, as águas.


Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.

José Agostinho Baptista (1948)

25 outubro 2008

Obrigada, Jaime





SONHO VAGABUNDO

De que serve ter um sonho?

Valeria mais ser vagabundo?

Se o sonho é ter saudades do futuro, então o sonho, logo ele é vagabundo, anda por aí e interpela-nos, sempre nos interpelou em relação a qualquer coisa que, não existindo ainda, desejamos que exista.

Indignamo-nos com a injustiça e fazêmo-lo não porque ela não exista mas porque desejamos que deixe de existir.

Porque ansiamos um futuro com justiça!

Como o vagabundo o sonho anda por aí quase invisível e os sonhadores correm sempre o risco de, como o vagabundo, serem tomados por lunáticos, incautos e coisas mais, todas elas a confundirem-se com os atributos imputáveis ao vagabundo.

A invisibilidade do vagabundo, por seu lado, vive povoada de sonhos desfeitos ou rarefeitos, desliga-se, ele próprio, da realidade comum numa opção feita da vontade de perseguir o sonho, transformando-se, ele mesmo em deriva e descartando-se, voluntária ou involuntariamente do real, da visibilidade comum.

Não é fácil, porém, a vida do vagabundo!

Não é fácil, tão pouco, perseguir o sonho e muito menos quando ele, na sua retaguarda se desfaz pela quebra de um dos seus alicerces matriciais!

Mas repito que ser vagabundo, pela quebra de todos os laços, links indutores de objectividade, de proactividade também é de um frio glaciar que a dimensão do sonho desligada, em pesadelo o converte ...

O sonho é vagabundo sim e a sabedoria tempera-o!

Não apenas a razão mas todas as razões e tanto mais quanto cativadas pelos sentidos à flor da pele, antenas aferidoras, receptoras da vagabundagem sonhada.

É sempre possível continuar a sonhar!

Sem o sonho e sem a dor, a humanidade não existiria.

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Outubro de 2008

24 outubro 2008

Uma certa canção..



O que vou sendo e resistindo...
Aprendi com o David.
Sem propósito algum de comprar seja o que for,...passeio-me, agora, pela FNAC.
Tal como o David fazia, com regularidade.
Acabava de jantar e anunciava "Vou até à FNAC." A maior parte das vezes, regressava sem comprar nada.
Às vezes, eu ia com ele.
Passeava-se pelos corredores do Jazz, da música cubana, da música negra, da música alternativa, da música portuguesa.
Ouvia um; ouvia outro...
Pesquisava, avaliava, analisava.
Escolhia, criteriosamente, a música em que valia a pena investir.
Acumulava cheques FNAC oferecidos, nos anos, no Natal...
Era a melhor prenda que lhe podiam dar - um cheque FNAC.
Aqui em casa, ss prateleiras à minha frente estão cheias de música.

Agora, comecei a fazer o mesmo.
Vou à FNAC. Ponho os auscultadores, aqui; outra vez, acolá. Sinto o David próximo de mim.
Venho, quase sempre, mais triste.
Mas que interessa? Estou sempre triste, mais ou menos triste...
Estou a aprender a escolher os sons, a identificar as melodias do David de que eu sempre também gostei.
Todos temos um certo tipo de timbre, um som especial que nos faz vibrar mais do que outros.
Sei identificar os do David, ao fim de tanta música ouvir, escolhida por ele.
Antes, não precisava de me preocupar porque ele nos mantinha, a mim e ao Manel, sempre actualizados em termos de música e cinema (alternativo)...
Mas, agora...
Então, lá vou; só por ir. Em busca de um som, um timbre, um vibrar diferente da corda de uma guitarra (que ele também tocava, não sabiam?)
Comprei, um destes dias, um CD que sinto que lhe agradaria (pelo menos, certas faixas) e cantaria (tinha uma voz bonita, teve aulas de canto!).
Chama-se "Gracias" da Omara Portuondo.
Sei mesmo que o David dançaria, ... vejo-o (ainda não tão nitidamente quanto gostaria).

Não o posso ouvir, sem que chore.

Sobretudo a canção "Felicidad". Fala de mim.

Adiós felicidad casi no te conocí

Pasaste indiferente, sin pensar en mi sufrir

Todo mi enpeño fue en vano

No quisiste estar conmigo

Y ahora me queda más honda

Esta sensación de vacío


Adiós, felicidad, casi no te conocí

Pasaste indiferente, sin querer nada de mí

Pero talvez lhegue el día en que pueda retenerte

Mientras con la esperanza de ese día viviré


Adiós felicidad

Adiós felicidad

23 outubro 2008



Ter projectos, ter sonhos ou ilusões.
De que vale? A quem servem?
Tudo se resolverá sempre, naturalmente ou não.
A vida ensina-nos a sabedoria.
O saber que o mundo seguirá o seu curso, indiferente ao meu ao nosso.
O saber que as angústias só existem quando se tem medo.
Talvez não haja melhor caminho do que o do vagabundo, à beira da estrada...invisível por entre os que passam e não param
Se o destino me levasse, agora, teria saudades do pôr-do-sol em Moledo; teria saudades do cheiro salgado das toalhas de banho, no regresso da praia; teria saudades das quatro bicicletas encostadas à parede; teria saudades da nortada; teria saudades dos acenos envergonhados dos meus filhos adolescentes, sentados no muro do "paradão"; teria saudades da mesa cheia; à hora do jantar...
Agora, só existem as fotografias que percorro. Estávamos lá todos. Reconheço as imagens. Mas há um vazio que as trespassa. A dor ocupou esse lugar vazio, apesar do sorriso sempre presente.

De que serve ter saudades, se já não se podem partilhar, sem dor?
Sem esse sorriso que se esfumou, estranhamente?
Não devem servir de nada, segundo o livro da sabedoria da vida...
Mas tenho saudades!

22 outubro 2008

O sentido da vida


O David será a minha estrela do mar.
Que mais posso reafirmar? Que sinto hoje o que sentia ontem, há um ano...
Que não percebo o que nos aconteceu, por aqui, nesta casa um pouco vazia; no campo que vejo em frente, exactamente do mesmo lugar em que o vias e que parece mais cinze que verde.

Aqui te sentavas, depois de dobrar as mangas da camisa até ao cotovelo...depois de colocares o CD com a música "Happy, happy, happy... my life is good!" Era a tua forma de esquecer a quimio de ontem, os exames a fazer amanhã.
Que força, a tua.
Que força de viver me transmitias, a mim que estava na secretária em frente à tua e que engolia, em seco, o medo...
Nada será como dantes!
Tentarei a tua força para enfrentar cada novo dia.
Não deixarei de tentar a mesma seriedade no trabalho...
A minha vida será, apenas, uma imitação imperfeita da tua.



E A VIDA CONTINUA

O tempo passa e na espiral do espaço/tempo, no seu epicentro, curvilínea, à linha que a julgava recta não lhe poderia encontrar o fim nem o princípio não fôra recta nem dela lhe observava por ilusão o encurvado subtil e as suas descontinuidades aferidoras por religar, alinhavar como quem acerca de si se interroga mansa e receptiva, a medo também, sobre a alegria que temperada na e pela dor ainda tem para nos dar.

Como irá ser, valerá de quase tudo, que objectivos, como refazer rotinas e alimentar o diz que diz-se, tornar a vida num poema, aprender e ensinar, sugerir ou palpitar, encontrar o ponto de equilíbrio, refazer os traços vincados por profundos sulcos num caminho a desbastar sempre de novo!?

Hesitante e a medo, sem querer ver, tão pouco, conspurcada a sua dor, ali, exposta, com direito a cidadania plena, reabre as portas e espreita, dá-se de novo, readquirido o perfil, enriquecido, envergonha-se de o dizer mas afirma-o, dá-se à vida que tem, queremos que tenha de continuar.

E com a tristeza sempre cantada, sempre com lugar a ela, à melancolia, à poesia, ao David e ao amor, ao tempo que se ganha e que nunca é tido por perdido.


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Outubro de 2008

21 outubro 2008

Melancolia



Será do tempo?
Mas se eu, agora, mal reparo no tempo!!!
Não sei que fazer com ele.
Sobra-me tempo.
Um ano?
Tão pouco, antes, e tantos dias, agora.
Tão longe? Eu sinto que foi ontem que partiste... A tua mão, ainda, na minha. A tua pele, ainda, morna.
Tão longe mas aqui, junto desta melancolia.
Contradições que não me interessa desfazer. É assim, apenas.
O círculo fechou-se; eu não reparei.
Não estou de fora; encontro-me aqui no centro desse círculo cerrado de amargura e exaustão e tenho as mãos vazias e o olhar entorpecido, por um enorme cansaço.
Ainda a sensação de vencida...
O meu círculo é uma linha recta de saudade e não vislumbro o seu fim.
Nem o procuro.
É o que tenho a pagar por tudo o que recebi.
Aceito a dor tal como aceito a alegria que os meus têm, ainda, para me dar.




SAUDADE

Se tem peso e densidade

Não é porque tenha idade

É a saudade vontade

De caber na eternidade

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Outubro de 2008

20 outubro 2008

Um adeus diferente



Faz um ano em que o teu corpo se foi.
Vejo-me no Cais de Gaia, para onde me levaram, à espera que o tempo passasse, para te ir buscar.
A seguir... irias para o mar de Moledo.
Não tenho noção do que fiz. Sei que bati palmas, quando passaste.
Houve muitas palmas, que já não ouviste.
Houve muitos olhos tristes, que já não viste.
Houve muitos gestos de carinho, que já não sentiste.
O Sérgio dava-me a mão; deu-me sempre a mão.
O Manel amparava-me o ombro.
Sei que eu levava um raminho de flores brancas na mão.
Levei-as comigo, mais tarde, para o mar de Moledo.
Onde regressei, ontem, com os teus cravos vermelhos.

Apesar dos meus olhos embaciados, vi um mar de gente espalhada por ali, por aquele cemitério, onde nunca me imaginei por aquela razão.
Tanta gente que te conhecia de pequenino e gostava de ti.
Tantos amigos meus que passaram a ser teus e a admirar-te, profundamente.
Tanta gente emocionada.
Contigo,
comigo,
com o Sérgio,
com o Manel...
com a Olga
com a Carla
contigo

Tanta lágrima ... tantas palmas ... tanta flor ... tanta dor...
tantas palmas
que não ouviste
não viste
não sentiste.

Fechou-se o círculo.
Tarde demais!!


Hoje é um dia especial.
Por isso, porque lhe dói, porque foi teu companheiro sempre presente, sempre atento, sempre disponível - deixo-te, aqui, as palavras do Manel.
Guardei-as, para hoje, especialmente, para ti.

O David morreu. Não há nada que possa alterar isto; não está em nenhum sítio à nossa espera; não nos observa de nenhum assento etéreo.
Claro que podemos imaginar que ele está, simplesmente, num sítiop qualquer, a fazer as luzes de um espectáculo, e se calhar é assim que vou decidir que é a situação.
E vamos sobressaltar-nos muitas vezes a pensar se não será ele que está a chegar, feliz por mais um triunfo do seu trabalho e da sua arte, como tantas vezes aconteceu, a altas horas da noite.
Mas o David está connosco, porque está nas nossas cabeças, e é aí que ele sobrevive e se mantém. O David educava-nos, era um menino que tinha, (e eu recordo e sei que vou recordar mais, à medida das situações) preceitos que fazem parte do legado , misturados à sorte, grandes e pequenos:
- As luzes directas encandeiam e incomodam. Devemos usar luzes indirectas e evitar o excesso de luz;
- Deve haver sempre música (boa, não uma música qualquer) a tocar. Podemos cantar a acompanhar;
- Não se fala quando se vêem filmes, mesmo na televisão;
- Podemos ser distraídos na vida pessoal, mas temos que ser perfeitos na actividade profissional! Não há desculpa para a falta de rigor;
- Temos que estar atentos às coisas novas: música, filmes, espectáculos e sair de casa para os ver e ouvir;
-Temos que ser exigentes na escolha da música e não estar sempre a ouvir a mesma coisa.
- O mesmo para filmes;
- Fechar a porta da casa de banho, quando lá entramos;
- Não conduzir depressa, e sobretudo não passar por cima dos buracos;
- Nunca desistir;
- Ter sempre projectos novos;
- Acreditar que podemos realizar todos os sonhos, sem medo de ser considerado ingénuo ou imaturo;
- Desejar.
- ....

E também há as frases, que implicam cada uma um contexto que não cabe explicar aqui, mas, mesmo assim tomamos (duas ou três):
- (Como te sientes?) Muy bien! (sempre muy bien)
- Un vaso de hielo, por favor!
- Mostra mas é as mamas:-)
- Manel, já me perguntaste isso três ou quatro vezes. És um chato!!
- ...

O David foi uma estrela fulgurante nas nossas vidas aqui em casa e nas vidas daqueles que tiveram a sorte de contactar com ele.
Alguns não se terão apercebido; outros perceberam tudo ao contrário; outros ainda aproveitaram-se da sua bondade e ingenuidade voluntária para o prejudicarem ou magoarem. Perderam-no completamente, e não foi por ele ter morrido.
Nós ficamos com os reflexos dessa luz que ele produziu.
O David foi uma estrela fulgurante!
MM

19 outubro 2008

"Mamã, vamos dançar?"



Danço


Ó minha mãe minha mãe

Ó minha mãe minha amada

DANÇA


Dança

Não pára

Sem ver a morada

Lá fora dançada

-.-

Não pára de ver

Lá fora a morada

Que dança por ora

Que dança e não tarda

-.-

É dança que tarda

Não pára por ora

Morada de fora

Que dança na hora

-.-

Lá fora a morada

Não escolhe e não tarda

A dança não escolhe

A hora marcada

-.-

Não escolhe esta dança

Que tarda e não pára

Sem hora marcada

É dança sem cara

-.-

Não pára esta dança

Que dança e não mora

Na hora marcada

É dança de fora

-.-

Não pára esta dança

Que dança e que dança

Marcada esta dança

É dança na hora

-.-

Que dança

E que dança

E dança

Esta dança

-.-

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Outubro de 2008


Dás-me a honra desta dança

Que a quero bem dançada

-

Ó minha mãe minha mãe

Ó minha mãe pequenina

Dás-me a honra desta dança

Que a quero bem dançadinha

-

Ó minha mãe minha mãe

Ó minha mãe que certeza

Dás-me a honra desta dança

Afasto assim a tristeza

-

Ó minha mãe minha mãe

Ó minha mãe vem dançar

Dás-me a honra desta dança

Viverei por te cantar


MB
2008/10/18

Saudade sem idade.



A saudade que sinto tem peso e densidade.
Não ocupa espaço, mas sinto-lhe a massa, volumosa de dor sem tamanho.
Não há um tempo próprio para esta saudade que se entranha, entranha.
E permanece intocável.
A mesma, mas maior, mais longa, mais próxima.
Não lhe distingo forma nem textura.
Todo o tempo indefinido é a sua duração.
Procuro o equilíbrio junto deste abismo sem nome, tão próximo, tão cá de dentro.
Permanece intocável... Invisível aos olhares que passam.
O meu destino está ligado ao teu.
Já sem idade.
Ainda sem sentido.

16 outubro 2008

"Mamã, vamos dançar?"





Devia parar de pensar.
Dizem.
Devia afastar o pensamento.
Insistem.
Ler. Almoçar com as amigas.
Continuam.
Mas...
Como?
Que mãe que conviveu 18 meses com um filho jovem, padecendo de cancro ... como não pensar em todo o tempo que passaram juntos?
Em todos os momentos, bons (porque os houve) ou maus.
Como não pensar que foi, nesta altura da noite, num dia 16, numa terça-feira de Outubro que ouvi as últimas palavras do filho?
Como não pensar nessas palavras que selaram o percurso de uma morte jovem,
cruelmente anunciada,
apesar da esperança,
apesar do acreditar,
apesar da coragem,
apesar da multidão de amigos a ajudar,
apesar da fé de alguns,
apesar da resistência física,
apesar de "há coisas que não podem acontecer".
Penso! Como não??
Essas palavras, ditas consciente ou inconscientemente, andam sempre comigo.
Acredito, acredito mesmo, que essa mãe, a quem ele se dirigiu, morava dentro do David.
"Mamã, vamos dançar?!"
Estendeu-me a mão e sorriu.
E eu estendi-lhe a mão...
sorria
chorava por dentro
louca de dor
e de saudade, já
a morte anunciada...



Não dancei, mas foi como se tivesse dançado.
Passado um pouco, ele adormeceu.
E não acordou, mais, nessa noite.
E eu ali, a olhá-lo com saudade
já ...
E não acordou no dia ou noite seguinte.
E eu, ali
a minha mão saudosa
já ...
Nem acordou na outra manhã seguinte.
E eu, ali
atenta ao respirar
doida de saudades
já...

Continua o convite para a dança (ele gostava e eu também, de dançar...).
Quero pensar que a mão dele continua estendida.
Que me sorri.
Mantenho a minha mão estendida.
Quero pensar que aquele último sorriso
foi para mim.
Quero acreditar que o David soube,
sempre,
que eu estava ali,
junto dele, com a minha mão na dele.
Quero pensar que,
algures,
na penumbra dum tempo esquecido
ou num espaço transparente e luminoso,
as nossas mãos
se tocam...

"Mamã, vamos dançar?" é o título do livro a terminar.
Conta a nossa curta história de 18 meses, minha e do David, vista pelos meus olhos de mãe.
Porque, mesmo acontecendo,... há coisas que não podem, mesmo, acontecer.

"Mamã, vamos dançar?"



Em Memória a David Sobral

( Mais do que a fotografia, ele é o que dele me contam )

O silêncio é a imagem antes de retocada pelo som e esculpida pela palavra

E a imagem retocada

Fez-se grande e bem amada

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Outubro de 2008





Rastos



São as músicas, são "mensagens" das letras das canções, são as palavras de despedida de quem gostava dele que, nestes dias, me ajudam a suportar a ausência do David.
E o silêncio.
Sons, palavras, imagens e silêncio.

"Do que um homem é capaz, as coisas que ele faz p'ra chegar aonde quer. É capaz de dar a vida p'ra levar de vencida uma razão de viver. A vida é como uma estrada que vai sendo traçada, sem nunca arrepiar caminho. E quem pensa estar parado vai no sentido errado, a caminhar sozinho."
José Mário Branco (Uma das canções e letras preferidas do David)


Despedida dos Amigos em 19Outubro07

Caro amigo:
Desde que nasceste que vi a tua estrela diferente de todos, num registo únici e irrepetível que nos prendeu a mim, à Laurinda (à Cândida, como lhe chamas) e ao teu contemporâneo amigo, mais antigo, o nosso João. A tua vida curta, mas cheia, só aumentou essa estrela e revelou, no homem maduro, a promessa desenhada, a criatividade, a ternura, a inteligência, a solidariedade. Onde estás, a minha companhia não te fará certamente falta, mas tu já deixaste um vazio definitivo. Já ouço o que estás a pensar, que estás a meu lado e aí estarás sempre. É verdade mas, neste momento, é um pobre consolo para nós, egoístas, que sofremos. Amanhã, mais conformados, sentiremos, novamente, a tua presença, o teu sentido de humor, o teu afecto. Espero que lá, onde estás, possas continuar a partilhar os teus sonhos connosco e mesmo a aconselhar-me na Banda Desenhada.
Um abraço do tamanho do mundo do teu amigo
Manuel Simas


Olá, David

É só para deixar um grande abraço e agradecer por me teres ensinado a gostar e a sentir a música.

Marco Pereira


Meu caro David

Eu e a Manela não somos capazes de exprimir tanta amizade que nos uniu a ti e tanto carinho que sempre sentimos. Tu sabes que eu era o Amigo de Chaves. Temos muitas saudades tuas. Um abraço e um segredo ao ouvido com uma daquelas maluqueiras de Chaves.

Vitor e Manela


David

Pouco convivemos, mas nunca me vou esquecer dos piqueniques na tua querida mãe e do Manel, onde tu com o teu sorriso maravilhoso nos encantava. E aquela conversa de 1 hora, que foi como uma prenda, em casa do Simas, quando ele fez 60 anos, em Vieira do Minho. Foi aí que me contaste os teus projectos e as tuas experiências. Comoveu-me e jamais sairás do meu pensamento. Olha, sabes, falei com a Filipa e ela ficou muito emocionada quando lhe contei que houve um pequeno momento em que pronunciaste o nome dela. E o diapositivo contigo é lindo e manda-te um grande beijo e recorda aquele passeio até Monção.
Muitas saudades e até sempre.
Elsa César

15 outubro 2008

Um sorriso





Tudo parece desabar.
Novamente, o confronto com o desconhecido que não o é mais.
Para onde foste, que não te vejo?

Revejo paredes, revejo corredores, revejo janelas donde vejo o Porto com o rio ao fundo, revejo batas brancas, revejo sorrisos enternecidos, revejo o medo, revejo elevadores por onde subo e desço, revejo medo, revejo cansaço, revejo um telemóvel silencioso, revejo um rapazinho alto apoiado na mãe, revejo uma namorada que traz uma prenda de um ano de namoro, revejo uma cunhadinha que traz gelados feitos de água, revejo exaustão, revejo o silêncio nos olhares, revejo o teu abandono, revejo um marido/pai com os olhos baços, revejo incredulidade, revejo umas mãos esguias pousadas no lençol, revejo um sorriso tímido, revejo um piscar de olhos cúmplices, revejo lágrimas escondidas, revejo CDs por ouvir, revejo o medo, revejo um abraço da noite, revejo o teu relógio guardado na gaveta, revejo caras amigas, revejo um passeio em cadeira de rodas pelo corredor, revejo uns olhos não tristes mas cansados, revejo súplicas para que te deixem em paz, revejo um telefonema de revolta, revejo-me encostada às paredes, revejo uma mãe em que não me revejo, revejo escadas por onde subo e desço, revejo um soro a ser (finalmente) retirado, revejo as nossas mãos dadas, revejo-me quando me dizem que não falta muito, revejo os teus pijamas coloridos, revejo corredores e paredes de hospital, revejo batas e estetoscópios que entram e saem silenciosos, revejo um corpo frágil, revejo o nº24 na parede do teu quarto.

Revejo o teu sorriso.
Sempre o sorriso.
Que foi contigo.
Tento rever o teu sorriso.
Porque não consigo?

12 outubro 2008

O amanhã não existe.



Vagueio pelo tempo.
12 de Outubro de 2007
Sexta-feira
Jantámos todos. Tu, já com muita dificuldade em engolir.
A frebre continua, apesar de baixa.
Massagens nos pés, almofada levantada. Os pés continuam inchados. Retenção de líquidos.
A Olga está cá, ajuda nas massagens.
Tu estás magrinho, cansado...
Quase pedes desculpa por estares cansado.
Mas estás calmo, até risonho.
Vais dormir no meu quarto.
Já levámos para lá a tua cama há dois dias, elevada ao fundo, por causa dos pés inchados.
Subimos. A Olga foi connosco.
Ajuda nos cremes. Riem-se os dois.
Eu ando por ali, a pôr roupa no sítio, a preparar tudo o que possa ser preciso, de noite.
Podes ter sede e, um pouco ausente como andas, podes não saber o que fazer.
É complicado tomares os medicamentos porque é tudo com água...
Não haverá outra maneira de tomar medicamentos, sem ser em pastilhas?
E quem tem este problema, quase sempre? Sei de casos...
Comprei uns sprays só de água dentária da Bucco Therm - calmante, purificante... É água, refresca; é o que interessa. Ainda nos divertimos a deitar spray para dentro da boca...
A Olga despede-se. Amanhã, volta.
Eu fico por ali, mais um pouco.
São os rituais da noite - música, várias almofadas, luz com determinada intensidade...
Febre baixou.
Deito-me ao teu lado, de barriga para cima e conversamos... não sei bem de quê.
Suponho que de coisas boas e agradáveis que invento para que penses nos teus projectos.
Rimo-nos, também não sei de quê...
Está na hora de dormires.
Despedimo-nos.
"Vá lá, o abracinho da noite."- dizes-me com a voz baixinha.
É um longo abraço e tu fazes-me festas no cabelo...
Irei dormir mais tarde, um pouco.
Já estás a dormir, quando me deito.
Ajeito-me na cama, de forma a ver-te.
No caso de precisares de mim...

10 outubro 2008

Só um dia


Que mais posso fazer?
Não tenho consciência do meu "ser" actual.
Tal como o tempo, assim tenho os olhos secos ou molhados.
Já não me importa que me vejam chorar, numa esquina do supermercado, num banco do jardim da escola, num cantinho qualquer...
Não tenho explicações a dar.
Sou como estou.
Estar não é ser, por isso digo - sou como estou.
Mas posso ser diversa, de repente.
Não reajo.
Cansam-me os conselhos, cansam-me as previsões sábias de quem não é como eu estou; cansam-me as frases feitas para serem ditas a gente como eu que não é ou não está...; cansam-me as conversas destinadas a desviarem-me a atenção para outra coisa qualquer...
Sei das boas e amigas intenções. Mas cansam-me.
Não reajo.
Sei que seguirei em frente.
Vou carregar a saudade até ao fim...sei que é isso que farei.
Como, quando, até quando e se puder.
Passou quase um ano.
Para mim, não chegou a passar um dia.



Davidocas
Entre nós nunca houve palavras não ditas, sentimentos escondidos ou pedidos adiados.
Como tu costumavas dizer "Correu tudo lindamente..."
Amei-te durante os 29 anos da tua vida e, como sabes, amar-te-ei para sempre porque tu és "Brutal" (à moda de Cascais).
"Juntos seremos muitos, seremos alguém..."
Um xi
da tua Nini



Primão
Porque é que nos deixaste? Achas que tens melhores coisas a fazer no céu?
Se Deus existe, gostava de saber porque nos levou a melhor pessoa deste mundo - boa, generosa, amiga, forte (muito forte) - és um exemplo para todos nós, sempre com um pensamento positivo e capaz de transmitir um sorriso a qualquer hora.
A casa está mais vazia sem ti, fazes falta, tanta falta!
És o meu grande Herói (um herói, ouviste David?), um lutador, capaz de enfrentar qualquer coisa.
Obrigada por teres esperado por mim (muito obrigada).
Continua a produzir os teus espectáculos, porque, quando eu aí chegar, quero ver luzes (muitas).
Isto não é um Adeus; apenas um Até já!
Longe da vista, mas perto do coração!
Um beijão da tua prima que te ama muito
Diana




Fica bem, Amigo
Alex

07 outubro 2008

Donos do tempo


Vivo numa espécie de tempo que desconheço
Próxima dum abismo que reconheço
Imersa num torvelinho de sonhos... de pesadelos ... de mágoas
Não se regressa mais ...
Inteira!
Nunca temos todo o tempo do mundo.
O mundo (a)garra todo o nosso tempo...





Como se tivesse todo o tempo, não
se lembra do tempo que foi, nem pensa no que

há-de vir. O tempo é a mesa vazia onde

nada cabe, como se estivesse cheia; e

entre passado e futuro as sombras

alargam-se pelo chão, desenhando

a escadaria por onde desceu, até

hoje, numa incerteza de passos

infalíveis.
Nuno Júdice

06 outubro 2008

Regressos




Queria tanto controlar o tempo e os dias que marcam os meus dias.
Aqui ou lá longe, junto ao mar de Creta, o meu tempo é sempre o teu tempo.
Os aromas, a cor do mar, o deambular pelas ruas estreitas, o colorido das casas, o som dos bouzukis, o sabor simples do peixe grelhado...tudo acaba sempre por seres tu.
Tenho os meus sentidos filtrados pelos teus.
Onde tudo era música, som, sabor, calor, cor, luz...foi, agora, um lento e difícil recordar.
Continuam a dizer-me que me vou habituar à dor, num processo lento.
Agora, esta dor vem, sem que a chame ou pense que não há retorno.
As lágrimas caem, sem que as chame.
As lágrimas caem, sem que de tal me aperceba...

Eu continuo a acreditar que apenas saberei e conseguirei fingir melhor...
Sob o véu diáfano do fingimento, permanecerá a máscara da dor e da saudade, como se tivesses acabado de partir ...
Os grandes amores não se esquecem, nem vão passar as saudades que vou ter
do que já não pode acontecer.
Esse futuro sonhado não é mais do que um passado em que havia acontecer!
Passou quase um ano...
Mas foi, quase agora, que te ouvi, que te vi, que te acaricei a mão... e falámos do futuro.

Há um ano, era Sábado, escrevi na minha agenda - "O David pediu-nos para ir ver o mar. Apesar de o vermos cansado, pés inchados e com pouca força nas pernas, fomos sem hesitar. Acompanhado pelo Sérgio e de braço dado com a Carla, foi até ao meio do areal e sentou-se... A Carla sentou-se ao lado dele. Eu encostei-me ao muro, a vê-los de longe. Tirei uma fotografia aos três, em contra-luz, ao pôr-do-sol. Dois vultos sentados e um em pé.
Estão ali os meus filhos.
Recomeça a quimioetrapia, no dia 8, depois de amanhã.
Não sei o que nos espera.
Sinto um medo imenso, mas maior, ainda, é o medo que tenho de que ele se aperceba do meu medo.
Se ele assim o acha, tenho que continuar a ser firme como uma rocha!"

Não voltou a ver o mar.

Agora, é o David o próprio mar.




"Há saudades nas pernas e nos braços
Há saudades no cérebro por fora
Há grandes raivas feitas de cansaços..."


Álvaro de Campos