Voltei às lãs.
Para o hospital, daquela vez, também as levei.
Foi a única coisa que levei.
Convencida de que seria, talvez, apenas mais uma estadia na urgência.
À noite, estaríamos de regresso a casa.
Mas o tempo foi-se arrastando, depois, no quarto 24.
E, agora, regresso às lãs.
Liga, liga, meia, meia... meia... Miguel, não puxes o rabo à Jenufa. Liga, liga. E as agulhas avançam.
Olha, Miguel, queres que te conte aquela história daquele menino...
E as asas dos gansos que voam, e os gatos de outras histórias... era uma vez um menino chamado Miguel, de caracóis louros e ar muito espevitado.
E o sol naquele quarto e o David a alongar-se nos sonos; mais frequentes...mais longos. Também foi menino; gostava de gatas; preferia a Valquíria, gata de rua, preta e branca, grande...que lhe dava cabeçadinhas nas pernas. Teve pena de não ter levado a Valquíria para Barcelona.
Soubera eu...e teríamos levado.
A Tosca morreu passado pouco tempo.
Liga, meia..não, liga, liga; meia, meia. É assim. Mais um cachecol.
Está quase pronto.
Ora, este menino batia à porta da avó, todos os dias, de manhãzinha. E entrava lampeiro, sorridente, perna em riste...
Mas não era para a avó que olhava, quando empurrava a porta enorme e ele espreitava, pequenino, de lá de fora.
Era para as duas ou três ou apenas uma gata que o esperavam, esticadas, sentadas com os seus pés fofos, pelo hall ou umas a seguir às outras, na escada para o piso de cima.
A primeira brincadeira deste menino era desatar a correr, ainda agarrado ao dedo do pai ou da mãe, atrás da gata que lhe estivesse mais próxima.
Rapidamente, desapareciam, perante a investida do Miguel.
..........
Outubro, as lãs guardadas num saco, quietas.
As mãos ocupam-se do David, das mãos do David...
Liga, liga... estás a ouvir a avó, Miguel?
Pois a verdade é que lá em casa, quem tinha preferências e decidia eram as gatas; todas muito diferentes.
A Valquíria cautelosa e com a prudência da idade, mal o via dar um passo ou esticar a mão, pirava-se, rapidamente, pela escada acima.
Só a voltava a ver de longe. Bem gostava o rapazinho de se aproximar... mas nada feito.
A Muji, emigrante de casa dos papás do Miguel, mantinha-se nas redondezas, cautelosa e volta não volta, lá o deixava aproximar, fazer uma festinha e ia à vida dela ou passear para o telhado. Não apreciava confusão.
Sobrava a Jenufa que não fazia outra coisa a não ser andar atrás deste menino ou vir sentar-se na beirinha da manta dele, no chão. Estava mesmo a pedi-las.
Jenufa foi nome escolhido pelo David, no último Verão, ...mas isto não te conto. Um dia, talvez. Veio de Moledo.
Malha. Está quase. Os gansos e os gatos da Manuela continuam a espreitar por cima do meu ombro.
Falta rematar, mais uns pontos e fica pronto... Depois vejo como o "enfeito".
Nunca tenho ideia definida do que vou fazer... É sempre para ter as mãos e um pouco a cabeça ocupadas.
No hospital, dessa vez, não tirei as lãs do saco. Não valia a pena...
Desculpa, Miguel, distraí-me.
E o menino de olhinhos inteligentes e brilhantes aproveitava a proximidade e insensatez da Jenufa, a mais novinha, e atirava-se a ela... Era mesmo isso. Atirar-se. Primeiro fazia o que a avó pedia e acariciava, de mansinho, as costas e cabeça da gatinha.
Depois, entusiasmava-se (e de que maneira) e era um desatino.
Começava a dar-lhe palmadas nas costas...e ela aguentava, ainda, pacífica.
Então, sem aviso prévio, lá puxava o rabo da pobre da Jenufa que, coitada, era, sempre, salva, in extremis, pela avó daquele verdadeiro vândalo de gatas.
E, mais uma vez, serenados os ânimos, cada qual se punha a jeito para nova investida...
Liga, meia, gansos recortados no azul, gatos, o quarto 24, a beirinha de um poço escuro iluminada pelo sol, um menino chamado David, uma mãe... um convite para dançar.
......
O menino desta história chamava-se Miguel, como tu.
Vá, Miguel, devagarinho...assim festinhas fofas.
Olha que ela zanga-se.