Como andas, Isabel?
Devias vir, um destes dias, comigo, à minha igreja. O padre é um jovem e fala tão bem. Havias de gostar...
Olha, Isabel, não falemos do David; falemos de coisas alegres...
O teu David, Isabel, está num lugar bonito; vais encontrá-lo, um dia.
Ouça, professora, sofre porque quer; acredite que o seu filho vai voltar, vai casar, vai ter os filhos que queria.
Depende de si não sofrer...
Vá, fala de outras coisas.
Vai tudo ficar mais leve.
Devias vir, um destes dias, comigo, à minha igreja. O padre é um jovem e fala tão bem. Havias de gostar...
Olha, Isabel, não falemos do David; falemos de coisas alegres...
O teu David, Isabel, está num lugar bonito; vais encontrá-lo, um dia.
Ouça, professora, sofre porque quer; acredite que o seu filho vai voltar, vai casar, vai ter os filhos que queria.
Depende de si não sofrer...
Vá, fala de outras coisas.
Vai tudo ficar mais leve.
Vão sendo assim algumas conversas a que me atrevo, mas algumas cansam muito.
Apesar do bem que me querem.
Faço os possíveis por desligar.
É que eu quero falar do David, a quem não o conhecia.
Mas se não me querem ouvir; eu compreendo.
Sei que represento o nosso pior fantasma - a ideia da morte.
Falo da nossa fragilidade; falo daquilo que ouvi ao António Feio e ao A. Lobo Antunes - o fim da eternidade.
É uma eternidade que sabemos que não existe mas que assumimos como (quase) certa.
Não conseguiríamos viver se, todos os dias, nos víssemos ao espelho e nos disséssemos "Hoje será dia de estar vivo?"
Quando os ouvi, compreendi-os muito bem.
Não é fácil perceber exactamente a profundidade do que disseram.
Poque é algo que só se sente quando se vive nesse espanto de cada dia a ultrapassar.
Ambos, de formas diferentes, o experimentam.
O António Feio vive aprisionado entre o medo e uma força que o impele a avançar e saborear cada momento.
O Lobo Antunes passou a barreira do não retorno; foi-lhe concedido mais tempo.
Aprendeu a apreciá-lo melhor.
Se o terá ou não, é algo que se desconhece.
Ambos acreditam em Deus ou em algo transcendente.
Não escolheram acreditar agora. Já acreditavam.
Isso ajuda-os.
Mas não os invejo; não se força a existência de uma fé que não existe em nós.
Por isso, quando me dizem ... o que dizem... apenas abano a cabeça e talvez sorria. Talvez diga "Ando como posso e não peço mais."
Se houvesse deuses como os antigos - uma Vénus, um Poseidon, um Cupido, um Zeus, uma Minerva, um Apolo, uma Afrodite, ... - talvez existisse um que me ajudasse.
Mas não há.
As lágrimas que vão escorrendo pela minha cara, à noitinha; é o David quem as seca.
6 comentários:
ISABEL VENÂNCIO
Minha Querida Amiga,
( ... )
" As lágrimas que vão escorrendo pela minha cara, à noitinha; é o David quem as seca. "
... e de onde Lhe vem esse Seu David que à noitinha as
Suas lágrimas as seca?
De dentro de Si mesma?
Dessa via dolorosa que à vida a amarra?
De onde, de onde vem ...!?
Beijinhos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Outubro de 2009
Não, Isabel
não devia vir comigo à minha igreja.
O padre é jovem e fala de radicalismo e prega sempre mais um prego na nossa cruz e quando o ouvimos perguntamos que cruz é a dele para falar apenas de cruz.
Não Isabel,
os deuses não ajudam nada, são vingativos têm duas ou mais faces e se forem hindus têm muitas faces e muitos braços e trocam de cabeça e esborracham-nos a seu belo prazer.
Não, Isabel
a ideia da morte não é o nosso pior fantasma, pior é o nada, sendo o nada a ausência de quê?
Não, Isabel
ter fé não nos livra de fazer esta pergunta: E se Deus não existir?
Quem se espantou com as dúvidas de Teresa de Calcutá, não sabe o que é ter fé.
Não, Isabel
não se cale, continue a falar do seu filho!
A nós que não o conhecíamos mas que estamos aqui de livre vontade. Quem não quer, está à distância de um clic...
Não, Isabel
ninguém até hoje demonstrou a existência de Deus ou a eternidade.
Mas quando à noite aqueles que partiram nos secam as lágrimas ou nos aconchegam os lencóis, podemos perguntar de onde o fazem.
Um beijo
Manuela Baptista
Isabel:
Como a compreendo! Queremos falar sempre dos nossos queridos e eles mudam-nos a conversa. Não é por mal... eu sei. Mas a única coisa que nos mantém a caminho é falarmos deles.
Conte-me como era o seu David... vi as fotos dele e achei-o lindo,doce..
Acredito que adormeça a olhar para ele...
Um beijo.
Graça
Por mim, acredito na Eternidade e em Deus.E também que as almas traçam o seu próprio Destino,por razões que só cada alma conhece.Mas aprendi que estas convicções são intransmissíveis.Como singulares são todas as dores humanas.A Morte e o Sofrimento fazem parte da realidade da Vida.O desaparecimento dos entes queridos causa profunda Dor. Porquê tudo isto ? Haverá alguma razão menos diabólica do que parece para ser assim ? De uma coisa estou certo: os deuses mitológicos são irreais.Deus e a Eternidade, apesar dos fundados argumentos contrários,têm bastante mais probabilidades de serem reais.
Isabel,
Gostei de subentender uma certa abertura sua a outro estado, que não o da dor.
Suponho já lhe ter dito antes, pensar que dor é dor, quando sentida, só o próprio a pode descrever na sua exacta ou aproximada intensidade sensorial.
Como méritos de poeta não possuo, cito-lhe dois poemas do Álvaro de Campos:
Estou Cansado
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto -
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muit9 e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Eu
Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar.
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...
O meu irredutível gosto pelo Pessoa é sobretudo motivado pela sua capacidade de transmitir, magistralmente, os seus diferentes estados de espírito.
Tal como o Pessoa, você consegue-o também.
Pessoalmente, espero que consiga ultrapassar esta fase, dedicando essa sua capacidade a outros temas.
Afectuosamente,
Zé
Deixo-lhe aqui, Isabel, um trecho,de que muito gosto, de Handel.Por mim, resumiria essa belíssima música numa só palavra:INFINITUDE.Espero que a aprecie...
http://www.youtube.com/watch?v=rq1Iv3DkwVs
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