11 setembro 2011

Um outro 11 de Setembro


10 de Setembro, o de hoje, pleno de notícias sobre o 11 de amanhã, sobre os que sobreviveram, sobre os que, em desespero, se atiraram do alto das torres do WTC, sobre a estupefação do mundo perante as imagens que, durante todo o dia, passaram na televisão.

10 de Setembro, o de hoje, ainda, pleno de sentimentos contraditórios e tão penosos, prenúncio do amanhã, Dia Nacional da Catalunha, feriado em Barcelona, donde nos expulsaram, porque o nosso tempo, ali, terminara.
Abruptamente, sem uma palavra de esperança para o dia seguinte.
Relembro todos os nossos passos desse dia 10.
De 2007.
Ao teu lado, David.



10Setembro07
Chamaram-nos ao hospital e deram-nos a notícia de chofre! Suspensão do ensaio! Bilirrubinas demasiado altas! Aumento das metástases! Man­daram-nos embora, assim! Sem aviso, sem tábua de salvação, sem alternativa, de forma seca e crua. Sem preâmbulos, sem aquele “mas ...” misericordioso que nos mantém a res­pirar.
O David não devia ter deitado aquela lenta lágrima que lhe vi, quando o Dr. A. nos informou. Pesam-me tanto algumas lágrimas que ele deitou, apesar da coragem e da de­ter­minação com que enfrentou a doença. Mas esta lágrima queimou mais do que todas as outras. Ainda queima!
Viemos embora! Nem amanhã, nem depois … não voltaremos ao hospital. Não há segunda fase de ensaio! Estamos entregues a nós próprios. Sós! Os dois! Ninguém nos perguntou se precisávamos de alguma coisa, de algum apoio. Será assim que as farmacêuticas funcionam. Pessoas apenas cobaias? Desumana­mente? Mas se são essas pessoas corajosas como o meu filho que ajudam na descoberta de curas, sujeitando-se à escuridão da incerteza dos efeitos de drogas nunca utilizadas!!
...
Logo ali, no gabinete do Hospital de Dia, despedaçada cá dentro, tracei os passos a se­guir. E disse-o ao David. Temos Paris! Vamos embora daqui, o mais cedo possível.
O médico ficou calado, depois de dizer que não havia, aqui, nada a fazer. Não podia ter dito isto! Assim, daquela forma! Acho que, enquanto eu tentava sorrir ao David para o serenar e lhe segurava na mão, os meus olhos gri­tavam por socorro. O Dr. A. deve ter visto esse pedido de socorro; terá percebido que não se pode destruir, assim, uma esperança. E colaborou comigo; disse que o Prof. Machover é reconhecido, mundialmente, pelo seu método no tratamento deste tipo de cancro. E repetiu-lho e disse-lhe que o aumento das metástases era pequeno. E o David aquietou-se e concordámos quanto ao que íamos fazer.
Paris será o nosso próximo cais. Vamos descansar uns dias; vamos, finalmente, res­pirar mais fundo, em Moledo. O Sérgio e a Carla irão, com certeza, ter connosco. O David vai estar com a Olga; ela saberá animá-lo. E fomos para casa, para o David dormir. Anda entorpecido! Acho que não reage; algo o está a adormecer. Vi na internet que os males graves do fígado esbatem a percepção da realidade. Será que esta lentidão que tenho notado no David é isso?
Liguei ao Manel. A seguir, liguei ao Sérgio a pedir que arranje forma de se marcar nova consulta urgente para o Prof. Machover. Ou que me digam se querem que eu marque; tenho o contacto telefónico comigo. Andei numa correria louca, a arrumar tudo o que trou­xemos, enquanto o David dormia. É uma infinidade de coi­sas; vínhamos preparados para ficar até próximo de Novembro. Enfiei tudo em sacos, à sorte, quatro sacos enormes e pesados. Roupas mistura­das com livros, com calçado, com medicamentos meus, com o que encontrava pela frente. Há os portáteis e o material de música do David que irão connosco. Quanto ao resto; não vou conseguir levar tudo.
Tanto faz! Deixo cá a roupa mais velha, os produtos de higiene pessoal, o secador de cabelo, os cremes. O frigorífico e a despensa vão ficar cheios; deter­gentes, as cortinas que comprei para escurecer o quarto do David. Já avisei as meninas da imobiliária que fica muita comida, fruta, bebidas e mercearia. Nem sei bem, já, o que lhes disse. Não interessa!
Andei à procura, na internet, de um posto de correios que fique próximo para ver se conseguia despachar os sacos. Carreguei com tudo (não sei com que força!), chamei um táxi e lá me enfiei num posto de correios. Aí, passei mais de uma hora a embalar os sacos em caixas, a colar endereços, a pesar, a despachar. Chegarão a Gaia quando calhar. E se não chegarem, tanto faz. Levo comigo, no avião, tudo o que pode fazer falta ao David. Amanhã é feriado, é o Dia Nacional da Catalunha e estará tudo encerrado. Tive mesmo de fazer tudo, hoje. Não queremos ficar aqui mais tempo. Quero sair deste inferno!
O David dormiu durante toda a tarde. Ainda descansava, quando cheguei. Assim, felizmente, não se apercebeu da minha agitação. Que bom que durma!
O Manel conseguiu um voo e chega amanhã, para irmos embora, depois de amanhã. Já! Talvez eu conseguisse resolver tudo sozinha, tenho uma força física que nunca imaginei ter, mas estou no limite da minha resistência. Não confio na minha capacidade de decisão. Preciso de ajuda, do Manel ao meu lado para con­seguir suportar esta tormenta.
O David continua com os olhos esverdeados, sem brilho. E está sonolento. Mesmo assim, sorri, quando conversamos e planeamos o próximo fim de semana em Moledo.
Estaremos lá, daqui a três dias!"  
                                                                                                   
                                                                                                                     in "Mamã, vamos dançar?"




3 comentários:

manuela baptista disse...

estaremos sempre em algum lugar, daqui a três dias

não se deve, não se deveria nunca, roubar a esperança, mais vale não ser médico, que médico cruel

descobrimos tanta coisa e ignoramos a nossa humanidade, seja hoje 10 ou 11 de setembro e a catalunha triunfante, ou não

aqui,neste dia, com a Isabel


um beijo

manuela

Silenciosamente ouvindo... disse...

Não no dia exacto, mas também consigo.
Realmente como disse a Manuela
Baptista não se deve tirar a esperança a ninguém.O dia 11
deste mês, também foi triste para
mim. Acabo de chegar a casa de um
funeral e tenho outra pessoa de
família muito mal.Mas já não são
tão jovens, custa muito na mesma,
mas é diferente.
Sempre em pensamento consigo/Irene

Ana Cristina disse...

um beijo
Nini