29 setembro 2011

Sem mistério ou fantasia.

Setembro. 
O mês dos dias longos que, outrora, quis intermináveis e sonâmbulos.
Setembro.
Noites brandas de sorrisos, envoltas na ternura de olhares que trocávamos, plenos de silêncios ... rasando a loucura em pânico. 
Que importa? Se havia sorrisos, ternura, olhares, silêncios, loucura, ... mesmo o pânico. Que importa? Se havia calor e vida ... e as garras escondidas mas afiadas, prontas a arreganharem a luminosidade quente dos dias de que nos queriam privar.
Havia luz ..., teimávamos em manter-nos protegidos pela luz.
A tua luz; a do brilho dos teus olhos tão verdes de esperança e sonho; a dos teus palcos onde soavam os derradeiros acordes que, na lonjura da memória, trauteavas ...

Tu, em setembro, à beira mar, e o suave marulhar das ondas que te haviam de levar. E o sol, já prisioneiro dourado, lá onde os azuis se entrelaçavam.
A tua silhueta a confundir-se com a areia ainda morna de vida e já quieta de cansaço. 
Não sabíamos! 
Ou talvez soubéssemos ... e não quiséssemos ver.

Setembro, agora.
Este ou outro que virá ... se vier! 
Sem mistério ou fantasia. 
Fim da linha.
Só saudade!



A tua sombra


Todas os dias, se vão soltando vidros do meu coração em pranto, tantas vezes partido, quantas remendado.
Todos os dias, os volto a colar, pacientemente, no lugar vazio.
Sem outro querer que não seja o de me acompanhar inteiro até àquela hora lusco-fusco que cega os olhos e em que as emoções se misturam numa teia indefinida.
Feita de sol poente e dor; de lua e sombria solidão.
Tecida de saudade.
Da tua sombra bondosa e delicada.




20 setembro 2011

Sinal fechado

Cenário - Um supermercado
Actores - Um casal de professores (do David ...) e meus colegas. Eu.

Eu - .... Olá, etc... etc...
Eles - Como vais?
Eu - Etc... Etc...
(Sobre a morte do David)
Eles - Todos temos a nossa cruz! Tu tens a tua; nós temos a nossa. Agora, andamos às voltas com a restauro da casa da aldeia. Também nos tem dado cabo da cabeça!
Eu - Pois!!! Adeus ...




17 setembro 2011

Quase Outubro.

18
Outra vez!
Outro mês a acrescentar ao tempo.
Estou sempre aqui, meu filho, onde quer que andes ...
Talvez no dorso de uma baleia azul!
Ou debaixo da asa de alguma andorinha, de partida para o Sul!
Ou será na água saltitante de um regato, por entre as pedras amaciadas pelo tempo?
Talvez nas algas que pintam de verde o areal de Moledo.
Onde quer que andes, eu estou ...



13 setembro 2011

Solidão ... de certa forma ...

Hoje
O sol instalou-se e aqueceu os corpos, deixando-os lassos. O céu sempre azul convidou  à serenidade. Os olhos alongaram-se na busca do infinito, na paisagem.
Nem uma brisa perturbou a quietude das cortinas.
Ou o verde das folhas das árvores silenciosas.
Ou o chilreio dos inúmeros pássaros pousados nas linhas.

E, no entanto, as minhas mãos tremem.
Trago na garganta um nó que impede que outras palavras mais doces sejam ditas
A cabeça rodopia em torno de si própria e dos fantasmas que a habitam, numa inútil fuga do ressentimento e da dor que acompanham a minha contínua saudade.
De ti, meu filho. 
Rodopia em torno do medo (incompreensível) que tenho de que ainda possas sofrer mais; do medo de que sejam ditas palavras cruas que te toldem os olhos de tristura.

Apesar da branca brandura do dia, vivo como se dentro de mim, o sol tivesse escurecido, o céu se tivesse toldado de nuvens, chicoteadas pelo vento, e  um terrível vendaval se anunciasse.
Em moto contínuo.
A saudade do que foi e o medo do que virá ... fazem dos meus dias, dias de inquietação em que percorro incansável o corredor sombrio da minha mente e onde esgoto as minhas forças para te obrigar a ficar.






11 setembro 2011

Um outro 11 de Setembro


10 de Setembro, o de hoje, pleno de notícias sobre o 11 de amanhã, sobre os que sobreviveram, sobre os que, em desespero, se atiraram do alto das torres do WTC, sobre a estupefação do mundo perante as imagens que, durante todo o dia, passaram na televisão.

10 de Setembro, o de hoje, ainda, pleno de sentimentos contraditórios e tão penosos, prenúncio do amanhã, Dia Nacional da Catalunha, feriado em Barcelona, donde nos expulsaram, porque o nosso tempo, ali, terminara.
Abruptamente, sem uma palavra de esperança para o dia seguinte.
Relembro todos os nossos passos desse dia 10.
De 2007.
Ao teu lado, David.



10Setembro07
Chamaram-nos ao hospital e deram-nos a notícia de chofre! Suspensão do ensaio! Bilirrubinas demasiado altas! Aumento das metástases! Man­daram-nos embora, assim! Sem aviso, sem tábua de salvação, sem alternativa, de forma seca e crua. Sem preâmbulos, sem aquele “mas ...” misericordioso que nos mantém a res­pirar.
O David não devia ter deitado aquela lenta lágrima que lhe vi, quando o Dr. A. nos informou. Pesam-me tanto algumas lágrimas que ele deitou, apesar da coragem e da de­ter­minação com que enfrentou a doença. Mas esta lágrima queimou mais do que todas as outras. Ainda queima!
Viemos embora! Nem amanhã, nem depois … não voltaremos ao hospital. Não há segunda fase de ensaio! Estamos entregues a nós próprios. Sós! Os dois! Ninguém nos perguntou se precisávamos de alguma coisa, de algum apoio. Será assim que as farmacêuticas funcionam. Pessoas apenas cobaias? Desumana­mente? Mas se são essas pessoas corajosas como o meu filho que ajudam na descoberta de curas, sujeitando-se à escuridão da incerteza dos efeitos de drogas nunca utilizadas!!
...
Logo ali, no gabinete do Hospital de Dia, despedaçada cá dentro, tracei os passos a se­guir. E disse-o ao David. Temos Paris! Vamos embora daqui, o mais cedo possível.
O médico ficou calado, depois de dizer que não havia, aqui, nada a fazer. Não podia ter dito isto! Assim, daquela forma! Acho que, enquanto eu tentava sorrir ao David para o serenar e lhe segurava na mão, os meus olhos gri­tavam por socorro. O Dr. A. deve ter visto esse pedido de socorro; terá percebido que não se pode destruir, assim, uma esperança. E colaborou comigo; disse que o Prof. Machover é reconhecido, mundialmente, pelo seu método no tratamento deste tipo de cancro. E repetiu-lho e disse-lhe que o aumento das metástases era pequeno. E o David aquietou-se e concordámos quanto ao que íamos fazer.
Paris será o nosso próximo cais. Vamos descansar uns dias; vamos, finalmente, res­pirar mais fundo, em Moledo. O Sérgio e a Carla irão, com certeza, ter connosco. O David vai estar com a Olga; ela saberá animá-lo. E fomos para casa, para o David dormir. Anda entorpecido! Acho que não reage; algo o está a adormecer. Vi na internet que os males graves do fígado esbatem a percepção da realidade. Será que esta lentidão que tenho notado no David é isso?
Liguei ao Manel. A seguir, liguei ao Sérgio a pedir que arranje forma de se marcar nova consulta urgente para o Prof. Machover. Ou que me digam se querem que eu marque; tenho o contacto telefónico comigo. Andei numa correria louca, a arrumar tudo o que trou­xemos, enquanto o David dormia. É uma infinidade de coi­sas; vínhamos preparados para ficar até próximo de Novembro. Enfiei tudo em sacos, à sorte, quatro sacos enormes e pesados. Roupas mistura­das com livros, com calçado, com medicamentos meus, com o que encontrava pela frente. Há os portáteis e o material de música do David que irão connosco. Quanto ao resto; não vou conseguir levar tudo.
Tanto faz! Deixo cá a roupa mais velha, os produtos de higiene pessoal, o secador de cabelo, os cremes. O frigorífico e a despensa vão ficar cheios; deter­gentes, as cortinas que comprei para escurecer o quarto do David. Já avisei as meninas da imobiliária que fica muita comida, fruta, bebidas e mercearia. Nem sei bem, já, o que lhes disse. Não interessa!
Andei à procura, na internet, de um posto de correios que fique próximo para ver se conseguia despachar os sacos. Carreguei com tudo (não sei com que força!), chamei um táxi e lá me enfiei num posto de correios. Aí, passei mais de uma hora a embalar os sacos em caixas, a colar endereços, a pesar, a despachar. Chegarão a Gaia quando calhar. E se não chegarem, tanto faz. Levo comigo, no avião, tudo o que pode fazer falta ao David. Amanhã é feriado, é o Dia Nacional da Catalunha e estará tudo encerrado. Tive mesmo de fazer tudo, hoje. Não queremos ficar aqui mais tempo. Quero sair deste inferno!
O David dormiu durante toda a tarde. Ainda descansava, quando cheguei. Assim, felizmente, não se apercebeu da minha agitação. Que bom que durma!
O Manel conseguiu um voo e chega amanhã, para irmos embora, depois de amanhã. Já! Talvez eu conseguisse resolver tudo sozinha, tenho uma força física que nunca imaginei ter, mas estou no limite da minha resistência. Não confio na minha capacidade de decisão. Preciso de ajuda, do Manel ao meu lado para con­seguir suportar esta tormenta.
O David continua com os olhos esverdeados, sem brilho. E está sonolento. Mesmo assim, sorri, quando conversamos e planeamos o próximo fim de semana em Moledo.
Estaremos lá, daqui a três dias!"  
                                                                                                   
                                                                                                                     in "Mamã, vamos dançar?"




09 setembro 2011

Mais Jazz

Mais sons ...
Mais programas de Jazz do David.
Um de cada vez, de longe a longe.
Quero poupar!
Quero que durem e me acompanhem aqui ...  durante muito, muito tempo.





O Jazz do Mundo c/ Shakti
Nas rubricas passadas falamos sobre o jazz latino e o jazz europeu mas o jazz não chegou só à América ou à Europa. O jazz também chegou a outras partes do mundo associando-se à música de cada terra.
O jazz também chegou à Índia.
Na música indiana a improvisação é uma componente essencial e portanto a sua mistura com o jazz foi relativamente fácil.
Uma questão importante que eu gostava de colocar aqui é que um programa de jazz nem sempre é fácil de fazer e a razão é simples.
Muitos do temas de jazz são bastante mais longos do que os temas habituais da música pop-rock o que faz com que haja imediatamente uma limitação nas escolhas.
  Aquilo que faz com que os temas sejam longos são os solos de cada elemento do grupo porque o tema em sim é relativamente curto.
O tema que tenho para vos mostrar hoje é longo e é de um dos grupos mais famosos da world music. Este grupo é liderado pelo guitarrista inglês John McLaughlin e chama-se Shakti. 
Espero que gostem,

Até logo... que Jazz Faz Tarde
David Sobral

07 setembro 2011

O silêncio à minha volta


Como definir sentimentos?
Dizendo-os?
Com as palavras que vou repetindo e amarfanhando e, por demasiado gastas,  pondo de lado?
Se as palavras já são curtas e se enrolam na garganta, não deixando que um sussurro passe ...
Como partilhar o turbilhão que cresce e treme e me rasga até aos limites da pele?
Como aprisionar esse demónio que me ultrapassa, querendo cavalgar o vazio do silêncio? 
E se não se segue, passo a passo "aquilo que deve ser", nem se anda com os pés bem assentes no chão?

O que fazer com os sonhos, nas noites coloridas de sombras?

Quererei mesmo saber?
Com que palavras?




Do sorriso e do olhar (dedicado ao Horácio e à Margarida)

Há tantas mães orfãs de filhos! 
Tantas!
Vamo-nos conhecendo, sem nos vermos, sem falarmos olhos nos olhos ... 
Vamo-nos "descobrindo", sem nos procurarmos.
As mães orfãs entendem-se, dizendo pouco. São sorrisos tímidos, doces e tristes. 
São olhares que, brevemente, se ausentam. São trocas de curtas expressões que sabemos só serem possíveis da parte de quem sofreu e sofre a morte de um filho.
É da morte anti-natura.

Mas há também longos desabafos ... para dizer o que já foi mil vezes dito, sendo que é como se fosse sempre a primeira vez. 
Não há manifestações de impaciência; não há constantes olhares para o relógio no pulso. 
O tempo não tem pressa.
Estamos ali, umas para as outras; aceitando, sem acordo tácito, que a dor de cada uma é a maior dor.
Há um elo invisível mas forte que se instala entre nós ... porque sabemos o que a outra ou o outro sente. O quanto lhe dói aquele dia de aniversário do filho perdido; a impotência amarga perante o sofrimento físico ou psicológico do filho e que continua (talvez mais forte ainda) depois da morte dele; o pedido de ajuda a que não conseguiu acudir; aquele último olhar a desprender-se ... mas a querer ficar.
As palavras que ficaram por dizer.
Vi e senti este olhar no sorriso do Tiago Alves, numa fotografia em que está com a mãe no hospital.
Sorriem os dois!
Mas quanta dor, quanto sofrimento, quanto desespero, quanto amor se desprendem desses olhares que se despedem!

E imagino uma lágrima que cai dos olhos do Horácio ... do outro lado da máquina fotográfica ... pedindo-lhes que sorriam.




05 setembro 2011

A música, sempre a música.


Em Setembro, regressámos, mais perdidos do que nunca.
Vindos de Barcelona e do inferno que lá passámos ... 
Primeiras dores e eu ... impotente!
Desesperadamente incapaz!
São imagens de olhos tristes, os teus, já cansados; de sonolência pesada.
Noites em claro, as minhas; de olhos abertos no escuro e ouvidos atentos ao mais pequeno som vindo do teu lado.
Setembro é, ainda assim, um mês de vida, de mãos que se tocam; de sorrisos cúmplices.
De projectos culturais, de música.
Sempre a música.
E a luz que iluminará a música.
.....
Apesar dos olhares lentos e demorados de "como quem se despede".


O Jazz do Mundo c/Chano Dominguez

Na edição anterior do programa falámos sobre a mistura do jazz tradicional com as músicas de cada terra e de cada país.
Pessoalmente, penso que esta mistura de músicas é aquela que dá origem às mais interessantes músicas que se ouvem por aí.
Cada músico tem a sua visão, cada um teve um percurso diferente que lhe permite escolher diferentes situações, condições ...
Para simplificar, isto é mais ou menos como o nosso bacalhau. Conhecemos muitas maneiras de o cozinhar mas é sempre bacalhau.
Aqui é sempre música, com diferentes escalas, diferentes instrumentos, harmonias, mas é sempre música.
Deixo-vos agora com o pianista espanhol Chano Dominguez. Reparem na óbvia influência que o flamenco espanhol conseguiu ter sobre o jazz ou vice-versa, como quiserem...

Até logo ...
David Sobral


01 setembro 2011

De ti.

Gaia, Moledo, Gaia
Saudade, saudade, saudade
De ti, em Gaia
De ti, em Moledo
De ti, no mar.
No verde do monte.
De ti, em casa.
Durante a viagem.

Há fotografias tuas
Por todo o lado
Mas tu
Em parte nenhuma.

E eu sufoco
Quando os meus olhos trespassam o tempo futuro
E sabem que não te verão jamais.

As mãos tremem
Sabem que os nossos dedos
Agora
E doravante
Só se tocarão
num espelho de água.

Fazes-me falta, David!
Mas já o sabias ...
Antes.