26 fevereiro 2011

De uma maneira ou de outra ...


Mesmo estando adormecida ... 
não deixo de saber que o pesadelo da tua ausência é real. 
Não faz parte do sonho.
...
Vou perseguindo os teus sons.


John Coltrane
Já falamos em emissões passadas do genial músico que foi John Coltrane.
Um dos pormenores referidos na emissão passada sobre o John Coltrane foi que ele necessitava de fazer longos solos pois só assim assim conseguia dizer tudo o que queria saber sobre um tema.
Este foi um período musical notável de Coltrane e foi a fase em que o mestre se ligou à música indiana e africana.
Foi, também, a fase em que o saxofonista mostrou furiosamente as suas crenças religiosas. 
Há um disco que é tido por muitos como o mais emblemático de John Coltrane e que é precisamente aquele em que o músico exprime o seu amor por Deus. O disco chama-se “A Love Supreme”.
É um tema deste disco que vamos ouvir hoje...
Sintam a paixão e até logo que jazz faz tarde...
David Sobral


22 fevereiro 2011

À noite ...

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Mlle Pogany. version I, 1913 (after a marble of 1912)
The Museum of Modern Art, New York City
 





















Poderia viver mil vidas
normais
em que ficasses tu
aqui
(como devia acontecer)
depois de eu me ir ...

Ainda assim,
não passaria este sufoco
com que me deito e
adormeço,
com medo,
sempre o mesmo medo
de te perder ...

noite
após noite
após noite ...

16 fevereiro 2011

Castelos de areia!


Metade de mim é o que grito mas a outra metade é silêncio.
                                                                           Ferreira Goular

Mais uma ida ao Hospital para nova consulta ... onde se marcou outra consulta para procurar uma terapia que melhore a minha qualidade de vida, no que diz respeito às dores articulares e musculares que sempre tive mas que se agudizaram desde a morte do David e depois da radioterapia.
É um médico fisiatra, simpático, bom ouvinte, muito delicado.
Conto a minha história, a tua ... esqueço-me de referir o problema que eu própria tive. É o médico quem mo recorda e realça os possíveis efeitos secundários dos tratamentos que fiz e faço. Esqueço-me, sempre. A minha "doença" é a minha saudade.
Parte das minhas dores, dizem-me, são provenientes do meu estado psíquico, versus tristeza. Sistema imunitário mais frágil; qualquer toque me provoca dores. Tenho de me compor, aconselham-me ... 
Vou tentar, prometo eu!
Trago os olhos molhados; choro sempre ao falar de ti.
E saio mas, à minha frente, está aquele edifício, elevo o olhar até àquele 4º andar, um piso da Medicina Interna ... um quarto nº24 ...
E a sombra regressa; espreita, por cima do meu ombro. Ambas sabemos que não há retorno; o tempo cristalizou-se, na penumbra daquele quarto. Mesmo assim, espreitamos ... Ficou o medo à flor da pele, um medo inusitado de que tudo volte a acontecer. Como se estivesses, ainda, à minha espera. Como se fosse possível o teu regresso a casa! Às luzes de um qualquer palco.
Já quis subir, percorrer aquele corredor até ao fim; é, lá ao fundo, o quarto nº24 ... espreitar! Mas desisti, por essa vez. O que poderia encontrar? O que procuraria, afinal?
O que procuro está em mim; é este amor (póstumo) que me queima. É a saudade com que me deito e a recordação da dor de perda, quando amanheço.
Com este medo estranho.
De tudo ...



Alegoria
Faço um castelo na areia do futuro. Torres
de névoa, ameias de fumo, pontes levadiças
de indecisão. Vejo a areia escoar-se
na ampulheta dos séculos; e um exército
de ondas rompe as linhas do infinito,
derrubando os muros de amanhã.
Nuno Júdice

15 fevereiro 2011

Ontem foi domingo! E eu nunca gostei do domingo. Vá lá saber-se porquê!
Agora, desde a morte do meu filho David, ainda menos. A saudade aumenta e a ausência de um filho que pari toma um peso que se me entranha no corpo e me faz aninhar e me amarfanha.
Apetece-me dizer - vão, vão andando; a vida está aí, ao virar da esquina, talvez numa paragem de autocarro ... os dias chamam; todas as horas contam.
Mas a mim, deixem-me ficar neste limbo. Nem fim ... nem princípio. Um recomeço?  Não!  Recomeçar dói.  Implica deixar algo; virar as costas. Como posso desprender-me de mim própria? Se estou lá atrás?
Princípio então de quê?

E o fim é apenas isso. Fim da linha.
Estranhos sentires estes em que me desmembro.


©Renato Roque, Outra imagem do Oeste para Robert Adams, Figueira da Foz, Junho 2010

12 fevereiro 2011

Para não incomodar!


Vou-me habituando a ir ver espectáculos! 
Custa-me sempre; a paixão do David era a música e dedicou-se a iluminar palcos ... "para poder estar sempre perto da música".
Fui ver a Maria João, ao Rivoli, onde apresentou o seu trabalho mais recente - Ogre.
Nome esquisito ... excelente espectáculo, do princípio ao fim. É diferente dos outros; um novo estilo "mais techno", mais difícil é verdade. Talvez por isso, a sala tivesse enchido só um terço. Quem quer fazer um esforço de ouvir coisas novas? O ouvido não está habituado, não vale a pena! Ainda se fosse sempre a mesma coisa!
Fiquei triste pela cantora, que é excelente ... mas a nossa gente não está habituada à excelência. A voz pode ser um "instrumento" belíssimo e é o caso da Maria João, reconhecida a nível internacional. Ainda se fosse um desses cantores de baladas suaves com voz para derreter manteiga, ou outro mais ou menos pimba ... vá lá, talvez aparecessem. Sempre podem cantar a acompanhar! Não se nota a desafinar!
Fiquei triste pelo Rivoli! Tanta polémica, tanta luta, tanto engalfinhamento, à volta desta bela sala do Porto quando ela foi entregue ao Filipe la Féria e ao teatro revisteiro ... e, mal surge a oportunidade de se poder mostrar que gostaríamos de poder ter de volta esta sala para o Jazz, o Cinema, .... o pessoal o que faz? Fica em casa!
Fiquei triste porque o David foi um dos que muito se entristeceu e revoltou quando deixou de poder assistir aos espectáculos do Novo Circo, do Festival de Jazz, do Fantasporto, e outros nesta sala portuense. No meu livro, está a carta que ele escreveu ao Rui Rio a "lamentar" terem-lhe tirado o Rivoli. Ficaria delirante (um termo típico do meu filho) com esta nova oportunidade de (re)criar público para o Rivoli. Estaria, provavelmente, a fazer as luzes deste espectáculo! A Maria João apreciava o talento dele!
No fim, fomos (eu e o Manel) oferecer-lhe o livro "Mamã, vamos dançar?". A Maria João é uma das pessoas a quem estarei eternamente grata ... pelo David, na fase mais difícil da vida dele ...
As salas de espectáculos e o ambiente da luz que ilumina a música fazem-me, sempre, chorar baixinho.
E chorei ... baixinho ... a presença de tanta saudade!

10 fevereiro 2011

Escreve-me a Mariana Camargo, amiga antiga do David, num comentário do Facebook, que o meu filho lhe dizia "quero a minha mãe feliz, vê-la triste dói-me."

Sei e sempre soube desta sua dedicação à mãe. Deu-me tantas provas disso!! 
Ainda dá ... através dos amigos a quem falava da mãe.

Que sorte a minha, não era? 
Que sina triste a minha, não é?


Mar de mágoas sem marés
Onde não há sinal de qualquer porto.
De lés a lés o céu é cor de cinza
E o mundo desconforto
No quadrante deste mar, que vai rasgando,
No horizonte, sempre venta à minha frente,
Há um sonho agonizando
Lentamente, tristemente...
Mãos e braços, para quê?
E para quê, os meus cinco sentidos?
Se a gente não se abraça e não se vê,
Ambos perdidos.
Nau da vida que me leva
Naufragando em mar de treva,
Com meus sonhos de menina.
Triste sina!
Pelas rochas se quebrou
E se perdeu aonde leva este sonho
Depois ficou uma franja de espuma
A desfazer-se em bruma
No meu jeito de sorrir ficou vingada
A tristeza, de por ti, não ser mais nada
Meu senhor de todo o sempre,
Sendo tudo, não és nada!

09 fevereiro 2011

Avec le temps!

Fui jovem. 
Fui feliz. 
Sinto-o. 
É apenas um sentir ... 
Não sei olhar para trás de ti.
Ou sentar-me num jardim tecido de passado.
Cada vez mais, as brechas do tempo já rarefeito se abrem.
Criam círculos de saudade e solidão.
Cada vez mais.
 E que me engolem. 
Que me envolvem.
Nas entranhas invisíveis. 




07 fevereiro 2011

"Mamã, vamos dançar?"

Num almoço de amigos, neste fim de semana, uma lágrima não resistiu à decisão que me impus de não perturbar estes encontros com a angústia que, às vezes, se instala, sorrateira, dentro de mim.
E se quer soltar.
Foi uma lágrima de satisfação pela sensação de uma parte do dever cumprido.
Falo do meu livro "Mamã, vamos dançar?".

Sabes, Isabel, qual foi a reacção de dois dos médicos a quem ofereceste o teu livro? Já te disseram? Que o leram quase de uma só vez! Que um deles, além de ter apreciado a tua forma de escrever ... achou que a mensagem que transmites é importante. É importante que os médicos saibam o que se passa do outro lado da "barricada". Durante esse viver invisível que tu relatas de forma dolorosa mas descreves de forma clara e humana. Que o outro, o que acompanhou o David mais de perto, gostou também, apesar da dureza do que leu, ... mas confessou, sobretudo, que lhe foi muito útil ler o livro! Vai tê-lo mais presente no espírito, no futuro, durante a prática clínica.

Turvou-se-me a vista ... chamei o Manel ... emocionada ...
Esse era também um dos meus objectivos, nas minhas explosões de dor quando eu pressentia que a verdade nua e cruel se tornaria insustentável. Para o meu filho!
E eu não sabia como fazer.
Que bom ter conseguido passar a minha opinião sobre a forma como acho que se deve abordar o doente ainda jovem ... sabendo-se que, para ele, no dia seguinte, não é certo que o sol nasça.

Tal como dizia, às vezes, o David "Foi uma lágrima de alegria!"
O meu filho ficaria satisfeito por mim!
E pelo valor que ele tanto prezava - Solidariedade.
Sempre!




Ser Solidário
(José Mário Branco)

Ser solidário assim pr’além da vida

Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E improvavelmente ser feliz

De como aqui chegar não é mister
Contar o que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção

Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr’além da inquietação que me apetece

De como aqui chegar nada direi
Senão que tu já sentes o que eu sei
Apenas o momento do teu sonho
No amor intemporal que nos proponho

Ser solidário sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime

De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu te daria
No ventre das canções sabedoria



06 fevereiro 2011

We may never never meet again ...


They can't take that away from me

The way you wear your hat
The way you sip your tea
The memory of all that
No no they can't take that away from me

The way your smile just beams
The way you sing off key
The way you haunt my dreams
No no they can't take that away from me

We may never never meet again, on that bumpy road to love
Still I'll always, always keep the memory of

The way you hold your knife
The way we dance till three
The way you change my life
No no they can't take that away from me
No they can't take that away from me
Yeah yeah yeah

We may never never meet again, on this bumpy road to love
Still I'll always, always keep the memory of

The way you hold your knife
The way we dance till three
The way you change my life
No no they can't take that away from me
No they can't take that away from me
No they can't take that away from me
No they'll never never never never take that away from me
No they can't take that away... 

04 fevereiro 2011

Voltar!


Voltar! Mas onde? Se todo os lugares estão povoados de saudades?
Antes ficar por aqui.
Ou ir.
Mas ficando, de igual forma, aqui.
Ou lá longe ...
Onde só eu sei ir, só.
Se só vamos onde nos quiser levar o pensamento!

 

Volver
Música: Carlos Gardel
Letra: Alfredo Le Pera 
Yo adivino el parpadeo
de las luces que a lo lejos
van marcando mi retorno...
Son las mismas que alumbraron
con sus pálidos reflejos
hondas horas de dolor...
Y aunque no quise el regreso,
siempre se vuelve al primer amor...
La vieja calle donde el eco dijo
tuya es su vida, tuyo es su querer,
bajo el burlón mirar de las estrellas
que con indiferencia hoy me ven volver...
Volver...
con la frente marchita,
las nieves del tiempo platearon mi sien...
Sentir...
que es un soplo la vida,
que veinte años no es nada,
que febril la mirada,
errante en las sombras,
te busca y te nombra.
Vivir...
con el alma aferrada
a un dulce recuerdo
que lloro otra vez...
Tengo miedo del encuentro
con el pasado que vuelve
a enfrentarse con mi vida...
Tengo miedo de las noches
que pobladas de recuerdos
encadenan mi soñar...
Pero el viajero que huye
tarde o temprano detiene su andar...
Y aunque el olvido, que todo destruye,
haya matado mi vieja ilusión,
guardo escondida una esperanza humilde
que es toda la fortuna de mi corazón.

03 fevereiro 2011

Por vos muero




POR VOS MUERO
Miguel Bose

Yo no naci sino para quereros
mi alma os ha cortado a su medida
por habito del alma misma os quiero
cuanto tengo confieso yo deberos
por vos naci por vos tengo la vida
por vos he de morir
por vos naci por vos tengo la vida
por vos he de morir por vos muero

yo no naci sino para quereros
mi alma os ha cortado a su medida
por habito del alma misma os quiero
cuanto tengo confieso yo deberos
por vos naci por vos tengo la vida
por vos he de morir
por vos anci por vos tengo la vida
por vos he de morir por vos muero
y por vos muero
y por vos muero
y por vos muero..

02 fevereiro 2011

Ainda dentro de gavetas ...



Ainda os sons do David ... imensos, diversos, à espera de serem ouvidos!






Navio Naufragado
(Sophia de Mello Breyner)

Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.

É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.

Na estrada


Hoje, saí por aí. 
Em busca de nada pois nada procuro.
As lágrimas foram amolecendo a saudade.
O traço branco da estrada fugia-me no sentido contrário.
Desaparecia à medida que eu avançava com a vista nublada.
É assim a vida?
O traço branco da estrada esbateu a permanente incompreensão pela tua perda.
Regressei, então.
Os olhos plácidos



NEVOEIRO
Jorge de Sena

O nevoeiro
Roeu teu vulto negro
E eu vi bem
Que não te debateste nos seus braços
E que lentamente ele te bebeu.

Eu compreendo
A tortura que sofre o nevoeiro,
A tortura que a água sofre e geme.
Sim, nós não podemos beber
A essência, o móbil de nós mesmos;
A água não se pode beber a si mesma
Portanto morre de sede.

E chora e geme e procura-se
E vem em nevoeiro
E sobe
E desce
E envolve os vultos negros
E bebe-os …
Dissolve-os …

Porque deixaste o nevoeiro rodear-te?
Para quê dar de beber ao nevoeiro?