Escola Soares dos Reis
Passaram 20 meses.
Soa-me sempre estranha esta progressão dos meses e dos dias que avançam e, no entanto, é como se tudo tivesse parado.
Eu continuo a encontrar conhecidos, quase amigos, que me dão um abraço porque não me voltaram a encontrar, desde há muito, muito tempo.
E falo-lhes do David como tendo sido ontem e choro, choro sempre.
Choro pouquinho de cada vez mas choro mais vezes.
Já não ligo; sinto as lágrimas rolarem pela cara abaixo mas já nem as seco.
Deixá-las correrem.
Ontem, dia 18, foi também a festa a fingir de encerramento do ano escolar.
Foi, na realidade, a festa de despedida da Berta, a nossa presidente do conselho executivo.
Reforma-se.
Ontem, na escola, esperei pelo fim do turno da tarde; esperei encontrá-la sozinha no gabinete.
E entrei.
Hoje, não tenho aulas e na segunda feira é a tomada de posse da Manela como Directora.
Só podia ser ontem; último dia da Berta como presidente.
E entrei; ela lá estava, como sempre, à volta dos papéis da secretária a fechar o dia.
Conheço-a desde que os meus filhos e os filhos dela eram pequenos; conheço-a talvez há 28 anos.
E então expliquei-lhe o quanto me vou sentir um pouco mais só, agora também na escola; agradeci-lhe toda a compreensão e apoio que me deu, quando o David adoeceu e quando o David morreu; quando entrava no gabinete apenas para chorar e sempre me deixou chorar; nunca me disse "vai passar" porque é mãe e sabe que não passa; disse-lhe que não tenho na memória o que fiz, na escola, nos dois anos lectivos que correram, enquanto o David esteve doente.
Não me lembro; não sei se fiz "disparates"; nunca mos cobrou. Foram dois anos em branco.
E ofereci-lhe uma prenda para durar; uma prenda que ela possa sempre associar ao David, atrvés de mim.
A Berta gostava do David.
E chorei, chorei mais. Porque esta é, ainda, a única maneira...
E à noite, fui à festa...
E levei o Manel; não sou capaz de ir sozinha a estas coisas, embora conheça toda a gente, há muito tempo.
Sou das mais antigas daquela escola.
Vi a escola passar no palco - alunos antigos (da Berta, mas também meus) já médicos, engenheiros civis; vi os colegas de agora, vi a minha Amarílis que veio dizer um poema e que, vinda do meu passado recento, sinto (ela, sim!) que faz parte do meu presente; vi o filme que fizeram sobre a escola que percorri tantas vezes, sentindo-a como uma outra casa minha; vi, sem ver, os meus clubes de cinema, de vídeo, de jardinagem, de expressão teatral; vi colegas antigos já reformados, vi a minha amiga Fernanda Cardoso (que perdi).
Vi 30 anos passarem e, nesses 30 anos, estava grande parte da minha vida, que folheei, ali, página a página, como um livro. Até ao dia em que o David adoeceu ... e eu me esgotei na única luta que passou a ter sentido - a cura do David - e que perdi.
Senti que já me despedi, há muito, da escola ; saí de cena e dessa vida que vivi.
Como numa reforma antecipada...
"Tens o Miguel e o teu filho!", disse-me a Berta.
"Se há pessoa que mereça andar de cabeça levantada, és tu!", disse-me o Parreira.
Também tenho os amigos.
5 comentários:
ESCOLA DA MINHA VIDA
Que poderiam dizer os meus antigos professores que, olhando para mim constatassem que nunca fui capaz de terminar um curso e pesasse a curiosidade que até hoje não me abandonou, andei por alguns, música, psicologia e educação, nunca tive estabilidade profissional tão pouco e vou fazendo o que posso sem que, todavia, alguma vez tenha deixado de dizer o que entendesse dever ser dito e quantas vezes à custa do trabalho do momento ao qual nunca me verguei ...!
Que terão dito professores, colegas e amigos!?
Até que um dia comecei a escrever vencendo os meus próprios complexos e dando-me conta de que, provavelmente, não fosse o meu percurso heterodoxo e não escreveria assim como escrevo.
E teria perdido, afinal, não só a visão que conservo como a minha capacidade de síntese!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Junho de 2009
Este blogue também traduz um Mistério e o espírito do David ecoa por aqui...
E também nos vai tendo a nós, amigos virtuais da blogosfera e que dariam tudo para lhe secar as lágrimas e apaziguar essa dor.
Um beijinho
MM
A história triste de uma lágrima amarga
Era uma vez uma lágrima amarga, pequena, redonda, brilhante.
Quando rolava, as outras lágrimas diziam:
-É linda esta lágrima, parece a pérola do colar de uma Princesa, pena ser tão amarga!
-É brilhante esta lágrima amarga, tem o reflexo do sol, tem a luz vibrante de uma estrela!
-Que pequenina esta amarguinha e como rola apesar de tudo!
A pequena Lágrima fingia-se indiferente a estes comentários, agitava as suas moléculas de oxigénio e hidrogénio, os seus cristais de amargura, que por uma razão desconhecida haviam substituído o cloreto de sódio e dizia para consigo:
-O que eu queria mesmo era ser água de um rio, viajar cantando entre as margens, cair violentamente em cascatas, brincar com as trutas e os salmões, esconder-me no meio da terra fria e saltar por fim num oceano imenso! Seria então uma lágrima salgada como as outras!
A Lágrima vivia escondida e triste sem coragem de se soltar, de cumprir o seu destino de lágrima amarga, mas um dia, as outras lágrimas cansadas de fazer sempre o seu trabalho e já um pouco gastas e sem força, exigiram a sua presença imediata!
Relutante a pequena Lágrima soltou-se e devagarinho rolou por ali abaixo e gostou daquela vertigem de lágrimas soltas e salgadas, depois foi ficando para trás com saudades da sua casa protectora, atrasou o passo e de repente sentiu que uma mão delicada a segurava, a sentia e ouviu uma voz suave:
-Que lágrima doce!
Ouviu também o som do mar, o marulhar das ondas, sentiu o cheiro a sargaço e a neblina da manhã e no fundo do seu coração, doce como o mel, a pequena Lágrima redonda e brilhante despiu a sua amargura e mergulhou em busca do sal que lhe faltava.
Manuela Baptista
Estoril,22 de Junho 2009
Sim, minha amiga, temos os outros filhos, mas não temos aquele que já se foi e isso dói, dói muito. Chore sempre que tiver vontade de o fazer. Chorar faz bem. Nós é que sabemos como queremos viver o nosso luto. Quem não passou por lá não sabe de nada. Vinte meses foi ontem o caminho é longo e difícil.
Talvez a certeza de que o David continua a ser, nunca deixará de ser, a possa confortar um pouco.
Um grande beijinho,
Maria Emília
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