30 junho 2009

Elle est en peine et de passage, l'âme qui souffre sans colère

Écoutez la chanson bien douce

Écoutez la Chanson Bien Douce
Paul Verlaine (1844-1896)

***

Ecoutez la chanson bien douce
Qui ne pleure que pour vous plaire.
Elle est discrète, elle est légère :
Un frisson d'eau sur de la mousse !

La voix vous fut connue (et chère !),
Mais à présent elle est voilée
Comme une veuve désolée,
Pourtant comme elle encore fière,

Et dans les longs plis de son voile
Qui palpite aux brises d'automne,
Cache et montre au coeur qui s'étonne
La vérité comme une étoile.

Elle dit, la voix reconnue,
Que la bonté c'est notre vie,
Que de la haine et de l'envie
Rien ne reste, la mort venue.

Elle parle aussi de la gloire
D'être simple sans plus attendre,
Et de noces d'or et du tendre
Bonheur d'une paix sans victoire.

Accueillez la voix qui persiste
Dans son naïf épithalame.
Allez, rien n'est meilleur à l'âme
Que de faire une âme moins triste !

Elle est en peine et de passage,
L'âme qui souffre sans colère,
Et comme sa morale est claire !...
Écoutez la chanson bien sage.




Tão distante

Nos meus sonhos
todas as minhas visões
Sobre o que sinto
todos os meus desejos
Tudo o que tenho
não sei
Porque estás tão distante
quero ir para casa
Mas estou distante
de ti


Nos teus pensamentos
todo o caminho
Sobre os teus segredos
as tuas palavras
Tudo o que tens
eu quero ser
Mas estou tão distante
estás tão só
Porque estou longe
de ti


O que tenho a fazer
para te ver
Para te ter perto
de mim
Estás tão distante

Estou tão distante
de ti

David Sobral

28 junho 2009

No Templo do Tempo



Fim de semana inteirinho com o meu neto - alegre, olhitos negros grandes e brilhantes.
Quase a querer andar, como um soldadinho de chumbo, de perna e pés esticados e sempre prontos para o próximo passo.
De dedo também espetado a indicar o caminho.
Sem tempo para pensar, ao longo do dia.

Mas ao anoitecer, tudo muda.
E sei que é tarde, no Templo do Tempo.
Ninguém responde às cartas que te escrevo.
Andarás no mar ou nas asas de algum albatroz?
Agora, é tarde.
Ninguém nem nada acalma a tempestade de dor que se albergou, lá no fundo dos meus olhos.
E se fixou no Tempo.


Chet Baker

Olá, caros ouvintes!
Hoje, vamos falar sobre um trompetista que se chama Chet Baker e que foi um dos criadores e impulsionadores do estilo Cool. Já aqui falámos, em rubricas passadas, sobre este estilo e dissemos que se caracterizava pelos solos e sons mais calmos e ao mesmo tempo com mais textura sonora.

Chet Baker não foi famoso apenas por causa do trompete, mas também porque cantava e porque era uma pessoa muito dada à vida social. Apesar da sua fama e de ser uma pessoa bem parecida, a sua vida ficou manchada devido à sua dependência de drogas duras.

A vida deste senhor não foi fácil. O pai era guitarrista e teve de abandonar a actividade devido à grande depressão económica que atingiu os Estados Unidos, no final dos anos vinte.

Baker cantou em coros de igrejas e começou, desde cedo, a sua formação musical. No entanto, durante o resto da sua vida tocou quase sempre de ouvido sem precisar de partituras nem de ler música.

Até amanhã e oiçam o Chet Baker... que jazz faz tarde.

David Sobral

Chet Baker


But not for me

26 junho 2009

David "O Bom"


Parque da Lavandeira

Levei o meu neto ao parque, onde tantas vezes levei o David, na convalescença. Onde, algumas vezes, a Olga o levou.
Levar aplica-se aos dois; ao David, também, porque as forças lhe faltavam.
O meu neto adormeceu, sossegado.
No meio do verde, dos pássaros, das mesas de piquenique, das gargalhadas das crianças que descem no escorregão, do azul que se vê por entre as folhas de cima das árvores, o medo de que o David tenha sofrido ainda persiste.
Tento convencer-me de que não.
No fim, não. Eu estava lá.
Mas sofreu, claro que sim!
Com 29 anos; sabia o que tinha, sabia ... mas combatia a dor dele ou o medo com esperança, com força de gigante. Com aquele acreditar de que se fala. E que, de facto, ajuda.
Ajuda a viver mais intensamente.
Ajudou-nos a viver mais conscientemente e com mais sabedoria.
Uma sabedoria que não se aprende; que surge de dentro, sem que a pensemos.
E que se instala.

No fim, o meu filho adormeceu, antes de perceber que não era só mais um adormecer.

E eu, nessa altura, não sei se sentia o medo que depois senti.
Sei que percebi que tinha que o deixar entrar naquela viagem estranha em que não sei se ele ainda me sentia, se me ouvia, se se apercebia de que tinha sempre, muito pertinho, gente que o amava e lhe segurava a mão.
E que no local onde escrevem o nome do doente, o irmão, acrescentou "O Bom"; David "O Bom"
Sentindo medo ou não sabendo se o sentia, permaneci, ali, naquele quarto nº24, do nascer ao pôr do sol e do pôr do sol ao nascer.
Fiz daquele quarto a nossa casa.
Mas, mesmo junto dele, já não tinha como lhe chegar.
E, agora, cada vez mais, sinto que devia não ter sequer fechado os olhos, naquele sofá, durante a noite, para o olhar mais tempo e fixar bem a imagem dele, na minha memória, para tão longa separação.
Tão longa separação!



Sei todas as histórias

Eu não sei muita coisa, é verdade.
Apenas falo do que tenho visto.
E já vi:
Que o berço do homem, o embalam com histórias,
Que os gritos de angústia do homem, o afagam com histórias,
Que o pranto do homem, o tapam com histórias;
Que os ossos do homem, os enterram com histórias
E que o medo do homem…
Inventou todas as histórias.
Sei muito poucas coisas, é verdade,
Mas adormeceram-me com todas as histórias…
E sei todas as histórias.

Léon Felipe

22 junho 2009

Desencontros



O teu cais de partida e o nosso ponto de encontro será, também, um dia, o meu cais de partida. É de Moledo que falo e do mar.
É, aí, que mais próxima me sinto de ti.
Dos teus sonhos e projectos.
Do teu autocarro dos sonhos.
Revejo dias de Verão, dias de esperança, de alegria e determinação na luta que se travava.
Revejo os teus dias de Outubro, já de olhos cansados, ausentes mas nunca desistentes.
Com o mesmo fito de sempre - avançar para a cura.
E eu a acompanhar-te, sempre, embora sabendo... ou talvez não.
Da esperança nunca se desiste.
Agora...
Vou sendo, sempre, diariamente, continuamente, invadida por imagens, às vezes ténues, às vezes bem nítidas, do caminho percorrido.
Em nenhuma situação, encontro razão para arrependimento.
Estive contigo, sempre, nos bons e maus dias; mesmo no fim, embora já não me visses... ou talvez sentisses...
E é essa leveza de um sono final, que me ajuda, quando acho que já não resisto e me sinto à beira de desistir.

Esta semana que passou foi demasiado triste; triste, a ponto de não vir aqui.
A ponto de não saber ou poder falar.
Há palavras que entorpecem os sentidos; há palavras que ferem como punhais.
Podem até nem passar disso...palavras; mas há palavras falsas e rudes e cruéis e desumanas.
Palavras que representam castelos construídos sobre areias movediças, sobre ideias disformes, distorcidas, deformadas e repetidas, até se recriar uma outra realidade, mais conforme com a necessidade de viver o dia-a-dia.
A realidade tal como existiu, de tanto ser recusada e reestruturada e re-imaginada e recontada sob a forma de uma nova narrativa, acaba por se transformar numa outra representação mental do real.
E chega-se a acreditar que foi mesmo assim; através de estranhos processos mentais que a validam.
Essa narrativa ajuda quem a conta, a viver o dia a dia, sem o peso da culpa e do remorso.
É uma regra de sobrevivência...
Há pessoas assim; há grupos assim!
Mas as palavras; ouvi-as.
Palavras cruas ecoam, pesadas; não porque eu as sinta, mas porque são loucas, feitas de maldade, feitas de mesquinhez ... que eu não entendo.
Embora compreenda...
Sobretudo não fazem justiça ao David, que foi forte, corajoso, meigo (mesmo quando era ele a precisar de meiguice) e determinado e lúcido, na forma com encarou a vida e nas decisões que tomou.
Foi um grande homem; uma estrela muito luminosa junto de quem teve o privilégio de o conhecer de perto.
Junto de quem teve a oportunidade de privar com ele nos momentos bons ou difíceis.
Até ao fim.

"Levaste-o para Barcelona ... querias que morresse mais depressa, não é?"

Não é meu hábito lamentar-me, para além da saudade..., que é o que me pesa.
Mas fiquei sem fala e desabafei por quantos cantos havia; chorei por aí.
Que crueldade dizer isto a uma mãe que tudo percorreu e de tudo desistiu, na cegueira de uma esperança, uma mãe que jurou nunca chorar na frente do filho e não chorou.
Mas que, agora, não tem um dia que não seja toldado pelas lágrimas.
As lágrimas, suporto-as.
A maldade e a injustiça. Não!
O David sabia-o bem!



Do que um homem é capaz

19 junho 2009

20 meses


Escola Soares dos Reis

Passaram 20 meses.
Soa-me sempre estranha esta progressão dos meses e dos dias que avançam e, no entanto, é como se tudo tivesse parado.
Eu continuo a encontrar conhecidos, quase amigos, que me dão um abraço porque não me voltaram a encontrar, desde há muito, muito tempo.
E falo-lhes do David como tendo sido ontem e choro, choro sempre.
Choro pouquinho de cada vez mas choro mais vezes.
Já não ligo; sinto as lágrimas rolarem pela cara abaixo mas já nem as seco.
Deixá-las correrem.
Ontem, dia 18, foi também a festa a fingir de encerramento do ano escolar.
Foi, na realidade, a festa de despedida da Berta, a nossa presidente do conselho executivo.
Reforma-se.
Ontem, na escola, esperei pelo fim do turno da tarde; esperei encontrá-la sozinha no gabinete.
E entrei.
Hoje, não tenho aulas e na segunda feira é a tomada de posse da Manela como Directora.
Só podia ser ontem; último dia da Berta como presidente.
E entrei; ela lá estava, como sempre, à volta dos papéis da secretária a fechar o dia.
Conheço-a desde que os meus filhos e os filhos dela eram pequenos; conheço-a talvez há 28 anos.
E então expliquei-lhe o quanto me vou sentir um pouco mais só, agora também na escola; agradeci-lhe toda a compreensão e apoio que me deu, quando o David adoeceu e quando o David morreu; quando entrava no gabinete apenas para chorar e sempre me deixou chorar; nunca me disse "vai passar" porque é mãe e sabe que não passa; disse-lhe que não tenho na memória o que fiz, na escola, nos dois anos lectivos que correram, enquanto o David esteve doente.
Não me lembro; não sei se fiz "disparates"; nunca mos cobrou. Foram dois anos em branco.
E ofereci-lhe uma prenda para durar; uma prenda que ela possa sempre associar ao David, atrvés de mim.
A Berta gostava do David.
E chorei, chorei mais. Porque esta é, ainda, a única maneira...
E à noite, fui à festa...
E levei o Manel; não sou capaz de ir sozinha a estas coisas, embora conheça toda a gente, há muito tempo.
Sou das mais antigas daquela escola.
Vi a escola passar no palco - alunos antigos (da Berta, mas também meus) já médicos, engenheiros civis; vi os colegas de agora, vi a minha Amarílis que veio dizer um poema e que, vinda do meu passado recento, sinto (ela, sim!) que faz parte do meu presente; vi o filme que fizeram sobre a escola que percorri tantas vezes, sentindo-a como uma outra casa minha; vi, sem ver, os meus clubes de cinema, de vídeo, de jardinagem, de expressão teatral; vi colegas antigos já reformados, vi a minha amiga Fernanda Cardoso (que perdi).
Vi 30 anos passarem e, nesses 30 anos, estava grande parte da minha vida, que folheei, ali, página a página, como um livro. Até ao dia em que o David adoeceu ... e eu me esgotei na única luta que passou a ter sentido - a cura do David - e que perdi.
Senti que já me despedi, há muito, da escola ; saí de cena e dessa vida que vivi.
Como numa reforma antecipada...
"Tens o Miguel e o teu filho!", disse-me a Berta.
"Se há pessoa que mereça andar de cabeça levantada, és tu!", disse-me o Parreira.
Também tenho os amigos.

07 junho 2009

Pirilampos




De Moledo ...
Onde, ao anoitecer, brilham os "pirilampos" (leds) do David, espetados na terra, no meio das flores.
Lá ao fundo, as eólicas giram.
Mais um Domingo.



Os domingueiros

02 junho 2009

Hoje, não!



Hoje, já vi, vezes sem conta, o aeroporto de Paris, nos noticiários.
Hoje, o Manel foi a Paris.
E choro...ao pensar em Paris.
Quase tudo, agora, me recorda quase tudo de dias semelhantes, antes de o David morrer.
Não digo muito isto "o David morrer"!
Digo perder, perder...
Alguns dias passam rapidamente e vou serpenteando por entre memórias, imagens, sons,...até que a noite vem.
E eu gosto da noite. Muito.
Há outros dias extemamente penosos.
Hoje, bastou-me conversar um pouco mais do que é meu hábito, agora, com duas amigas da escola.
Costumo sentar-me quietinha, mais ou menos silenciosa, agora, na sala dos professores, durante o intervalo.
Gosto das pessoas como gostava dantes. Mas não me aproximo.
Hoje, num impulso de velhos tempos, fui sentar-me à beira da Manela e da Ana Bela e conversámos como nos meus velhos tempos... Gostava muito de conversar com elas; sempre gostei; foi há tanto tempo...
Mas logo, logo, porque algo me trouxe o David ao pensamento, fiquei com lágrimas nos olhos.
Ali, logo ali, no meio da sala, ainda cheia de gente, só porque saí, por um bocadinho, do meu cantinho.
Não falar para não chorar! Foi assim que me aguentei muitas vezs, durante a doença do David. Não falar para não chorar.
E depois, veio Paris.
Paris, por onde andei com o meu filho já cansado e frágil, mas com o ímpeto de quem precisa de subir uma montanha.
Paris põe-me lágrimas nos olhos.
Posso ir outra vez a Paris, posso seguir com o olhar o rasto dos aviões que vão ou vêm de Paris, que nos levaram ou nos trouxeram, posso adiar conversas à mesa da sala dos professores, ... mas não posso voltar a ver o meu filho.
E é a revolta por esta cruel realiadade que, hoje, me sufoca.
Hoje, nada tenho a dizer de suave. A dor profunda não é suave nem delicada.
Hoje, nada tenho a não ser o martelar, com raiva, palavras rudes que aqui se vão soltando.
Hoje, gostava de passar a minha cabeça pela mão grande do meu filho.
Hoje, sinto-me um terreno árido e seco.
Sinto-me uma coisa inacabada.

Ne me quitte pas