O teu cais de partida e o nosso ponto de encontro será, também, um dia, o meu cais de partida. É de Moledo que falo e do mar.
É, aí, que mais próxima me sinto de ti.
Dos teus sonhos e projectos.
Do teu autocarro dos sonhos.
Revejo dias de Verão, dias de esperança, de alegria e determinação na luta que se travava.
Revejo os teus dias de Outubro, já de olhos cansados, ausentes mas nunca desistentes.
Com o mesmo fito de sempre - avançar para a cura.
E eu a acompanhar-te, sempre, embora sabendo... ou talvez não.
Da esperança nunca se desiste.
Agora...
Vou sendo, sempre, diariamente, continuamente, invadida por imagens, às vezes ténues, às vezes bem nítidas, do caminho percorrido.
Em nenhuma situação, encontro razão para arrependimento.
Estive contigo, sempre, nos bons e maus dias; mesmo no fim, embora já não me visses... ou talvez sentisses...
E é essa leveza de um sono final, que me ajuda, quando acho que já não resisto e me sinto à beira de desistir.
Esta semana que passou foi demasiado triste; triste, a ponto de não vir aqui.
A ponto de não saber ou poder falar.
Há palavras que entorpecem os sentidos; há palavras que ferem como punhais.
Podem até nem passar disso...palavras; mas há palavras falsas e rudes e cruéis e desumanas.
Palavras que representam castelos construídos sobre areias movediças, sobre ideias disformes, distorcidas, deformadas e repetidas, até se recriar uma outra realidade, mais conforme com a necessidade de viver o dia-a-dia.
A realidade tal como existiu, de tanto ser recusada e reestruturada e re-imaginada e recontada sob a forma de uma nova narrativa, acaba por se transformar numa outra representação mental do real.
E chega-se a acreditar que foi mesmo assim; através de estranhos processos mentais que a validam.
Essa narrativa ajuda quem a conta, a viver o dia a dia, sem o peso da culpa e do remorso.
É uma regra de sobrevivência...
Há pessoas assim; há grupos assim!
Mas as palavras; ouvi-as.
Palavras cruas ecoam, pesadas; não porque eu as sinta, mas porque são loucas, feitas de maldade, feitas de mesquinhez ... que eu não entendo.
Embora compreenda...
Sobretudo não fazem justiça ao David, que foi forte, corajoso, meigo (mesmo quando era ele a precisar de meiguice) e determinado e lúcido, na forma com encarou a vida e nas decisões que tomou.
Foi um grande homem; uma estrela muito luminosa junto de quem teve o privilégio de o conhecer de perto.
Junto de quem teve a oportunidade de privar com ele nos momentos bons ou difíceis.
Até ao fim.
"Levaste-o para Barcelona ... querias que morresse mais depressa, não é?"Não é meu hábito lamentar-me, para além da saudade..., que é o que me pesa.
Mas fiquei sem fala e desabafei por quantos cantos havia; chorei por aí.
Que crueldade dizer isto a uma mãe que tudo percorreu e de tudo desistiu, na cegueira de uma esperança, uma mãe que jurou nunca chorar na frente do filho e não chorou.
Mas que, agora, não tem um dia que não seja toldado pelas lágrimas.
As lágrimas, suporto-as.
A maldade e a injustiça. Não!
O David sabia-o bem!
Do que um homem é capaz