Fala-se de dias e dias que escorrem ... sem um filho que partiu! Fala-se à toa ... e escreve-se, sempre, para silenciar a saudade ou as lágrimas. À toa ...
25 maio 2009
Dualidades
Tenho a sensação de estar dentro de um compartimento isolado por vidros.
Vejo tudo e saio, de vez em quando, por um bocadinho.
É como se vivesse uma das tais segundas vidas virtuais. Faço o indispensável para manter o socialmente indispensável e, para isso, basta uma parte de mim.
Embora pareça eu na totalidade. Até me dizem que estou óptima, melhor que nunca, mais nova...
Talvez pareça.
A mim parece-me que não tenho idade e, dentro desta caixa de vidro que criei ao meu redor e onde, também, às vezes, habito, ninguém entra.
Ninguém sabe o que se passa ou o que penso, quando pensam que o meu pensamento acompanha o pensamento dos demais.
Tornou-se difícil não me ausentar, em pensamento, para outros "sentires", outros horizontes, outras estradas percorridas...
Não me sinto prisioneira, neste espaço envidraçado.
A falta de liberdade, sinto-a, cá fora, onde se torna imperioso que mostre "boa cara", que preste atenção e responda, que reaja, que sorria, que ouça, que esteja a par, que me envolva.
A pressão, mesmo que inconscientemente e "para meu bem", é forte.
Perco-me no meio das meadas das conversas.
E canso-me facilmente.
Ter saudades não me cansa; é o meu estado natural.
Não me cansa a tristeza; acho-a natural, logo ao acordar.
É o que se espera de mãe a quem falta um filho ...
Chorar um pouco, sem que algo aconteça.
Acontecer apenas chorar.
Sem que isso perturbe o andar, naturalmente, por entre os outros.
Estar bem é estar assim; ser como se está.
Estar só, mesmo acompanhada; passar despercebida no meio da gente; calar quando não me apetece falar e só o silêncio apetece; esperar que chegue, depressa, a noite e que o dia seguinte demore a chegar e, quando chegar, logo se verá; fazer tudo um pouco como quem paira ... um pouco lá, embora esteja aqui, do lado de cá.
É ser assim, poder estar cá e lá, dois lugares distantes um do outro.
Este, onde me encontram e me tocam e onde aparento ser esta, aqui, que sou - real.
Esse outro, onde estás e onde estou, de forma virtual, mas não menos real.
Percebe-se esta dualidade?
Eu sim; dos outros, não sei
São coisas de lá!
Steve Reich
Iluminação do Casal Shumann
David na Amazon
O que ouvir em certas ocasiões
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5 comentários:
ENTÃO NÃO SE PERCEBE
" Estar bem é estar assim; ser como se está. "
Então não se percebe ...!?
Não se percebe que sejamos assim como se uma virtualidade feita de dualidades, de antónimos, de antípodas!?
E que nesse permanente confronto, digamos assim, o ideal é que consigamos ser tal como estamos!?
E que sintamos que não temos idade numa porção de espaço/tempo que mesmo se desejamos partilhar sabemos que nela ninguém entra nem o pode fazer ...!?
Não somos prisioneiros neste espaço envidraçado que habitamos, bolha ou plasma, onde à velocidade que transcende a da luz, quanto muito, tentamos deixar um rastro como a minha amiga ou eu o fazemos e registando pelos sentires dos sentires e em direcção aos horizontes que transportamos.
E que temos, sabe-o tão bem quanto eu, por obrigação testemunhar!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Maio de 2009
Não conhecia esta foto do David.
Está lindo.
Também me dizem que estou "fantástica".
Eu sinto-me apenas exausta.
Dualidades?
Se entendo?
Bjis da
Nini
Há Caminhos que começam tortuosos e dolorosos mas que acabam Bem...
Isabel, olá. Nunca a vi pessoalmente, mas consigo imaginá-la pelas palavras que escreve, e acredito, que os que estão ao pé de si, ou não vêm essa dualidade ou se a vêm, preferem não mostrar que vêm. São defesas que criamos quando gostamos dos outros demais...Percebo-a. Subimos ao palco, actuamos e saimos para a nossa vida....Posso no entanto dar-lhe um conselho? Viva o Miguel! Viva-o intensamente! As crianças crescem tão depressa e quando damos por isso....já não cabem nos nossos braços e o regaço vazio só nos vem entristecer mais...aprovei-te-o! Goze-o! O tempo voa e não volta na Primavera!
Um beijinho,
MM
O Peixe-Lua e a Menina Estranha
Uma noite um Peixe-Lua cansado de nadar, veio dar a uma praia de conchas e areia fina.
Soprava um vento frio e o Peixe para se aquecer acendeu uma fogueira, com muito cuidado, para não grelhar as suas próprias barbatanas e ali ficou a brincar com a areia quente e com as conchas, a fazer uma espécie de bolas de sabão, mas que não eram de sabão, eram bolas de vidro brilhante e transparente.
O Peixe-Lua sabia que tinha talentos, mas fazer bolas de vidro foi uma revelação!
As bolas de vidro subiam pelo ar levadas pelo vento, umas em direcção ao mar, outras pela terra dentro.
O peixe pensou:
”Será que algum pescador as descobre e as captura nas suas redes, como se fossem peixes como eu? Será que algum menino as cobiça e joga com elas como se fossem um brinquedo?”
Adormeceu docemente com a música crepitante da fogueira e assim não viu uma menina pequenina espantada com aquela noite especial, que em vez de estrelas lhe oferecia uma linda e redonda bola de vidro!
A menina, além de pequenina também era um pouco triste. Às vezes, os adultos não a compreendiam muito bem e diziam:
“Cada vez está mais bonita esta menina, mas é tão estranha!”
A bola era tão grande e maleável que a menina não teve dificuldade nenhuma em entrar nela e disse:
“Esta bola vai ser a minha casa secreta! Aqui guardarei os meus tesouros, aqui posso esconder-me dos meus irmãos, quando eles me baterem ou me puxarem os cabelos ou quando quiser faltar à escola”.
E todas as noites a menina viajava na sua bola de vidro, espreitando o mundo sem que ninguém a visse mas vendo tudo e todos com a nitidez das manhãs antes da chuva.
Nela guardava as coisas boas que possuía, as recordações que ia acumulando e que assim não se perderiam nunca e jamais seriam esquecidas.
À Isabel digo,
a Matéria dos Sonhos também é a memória das coisas e das pessoas que mantemos vivas.
Manuela Baptista
Estoril, 27 de Maio 2009
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