12 fevereiro 2009


Vou ficando por casa.
Vou adiando.
Habituei-me à solidão.
A multidão assusta-me.
Vou fugindo das conversas.
Vou fugindo dos convites.
Em Abril, não… não pode ser.
Nasceu o David.
Existe cada vez mais, só dentro de mim.
Em Maio? Talvez.
Foram meses de esperança, com o medo por perto. Foi mês de novos projectos numa pausa sem sentido.
Em Junho, as esperanças tornaram-se um fiozinho de luz.
Só mesmo muito, muito amor e força à nossa volta e resistência nos mantiveram de pé.
Em Julho, faço anos. Fazia anos. Fiz 52 anos.
Em Julho foram cruéis com o David.
Assiti, revoltada à incredulidade do David perante tamanha falta de solidariedade.
É mês de mágoa e revolta. Perdi a conta aos anos.
Em Julho, queríamos sair daqui, desta terra onde nos sentíamos sufocar.
Em Julho…não pode ser. Fico sozinha; gosto de estar sozinha.
Agosto.
O tal mês de Agosto, da esperança prometida, da cura anunciada, em Barcelona.
O mês do calor, dos aguaceiros e trovoadas, das primeiras dores, das insónias permanentes, das saudades de Moledo, das saudades dos amigos…,
Do começar do fim, da saudade dum tempo distante.
Teríamos existido nesse tempo de que tínhamos já saudades? Como eram os nossos dias? Não recordo os contornos.
De Setembro… não me falem.
Mais pedidos de socorro; mais lágrimas escondidas; tanto tanto cansaço, mais incerteza seguida de certezas cruéis.
O começar a adormecer, um olhar mais parado e mais ausente.
E o respirar mais o ar de Moledo, como se dos pinheiros e do verde dos montes viesse uma ajuda, caridosa.
As eólicas a girarem ao fundo, num rodopiar pausado indiferente a nós.
O tempo, para elas, não conta: só o vento.
Não, em Setembro, não posso. Ainda não pode ser, em Setembro.
Outubro, o mês do Outono quente de sol, lá fora, e frio por dentro de nós.
O mês de deixar, finalmente, desfazer os laços.
O mês do esquecimento, de muitas, muitas flores.
O mês dos corredores claros e o Sol, sempre o Sol a brilhar para lá das persianas semi-corridas. O mês dos sussuros, do respirar lento, da ausência de todos os meus sentidos que, a par do David, se foram estilhaçando, finalmente…
As mãos do Sérgio e do Manel a apertarem a minha que agarrava, ainda, a do David.
As mãos do Sérgio, ali sempre.
Mas silencioso.
Depois de Outubro…não sei.
Perdi-me na contagem das horas.
Tudo é muito pouco nítido.
Sei que o meu neto é alegre e meigo.
Olha-me com uns olhitos grandes, brincalhões e inocentes.
É um bebé feliz.
Sou uma avó feliz, com o seu neto.
Tem uns pais ternos.
Tem um avô que lhe sorri e o espreita, atento.
Não faço planos…para mim.
A outra, o que resta da mãe.

4 comentários:

Anónimo disse...

Isabel, ontem lembrei-me de si. Estava a falar com um colega sobre banalidades...e no final chegámos à conclusão que o ser humano tem uma capacidade de adaptação ilimitada. Aí ele concluiu e eu arrepiei-me e lembrei-me logo da Isabel :" O ser humano adapta-se a tudo, só não acredito que se adapte à morte de um filho! Isso não deve ser possível!"
E este seu post só vem mostrar isso. A Isabel continua a andar para a frente, mas sempre com ancoras fortes nesse amor inesquecivel! Impossivel de adaptação!
Um beijo, que se possivel, sinta-o apaziguador da sua dor.
MM

Anónimo disse...

Minha Querida Isabel:

Pode ter cometido um erro, só a Isabel poderá avaliar, mas o seu filho não existe apenas e só dentro de si.

Tem sido contado, relatado, partilhado e chorado por muitos de nós ao longo destes dias e destes meses.

Aprendemos a conhecê-lo um pouco a admirá-lo a respeitá-lo a sentirmo-nos impotentes perante o seu destino violento e cruel.

A natureza do David era infinitamente boa e uma coisa boa uma vez partilhada, jamais pode ser abandonada.

É por isso que estamos aqui, ingénuos talvez, mas comovidamente humanos.

Não tem que se sentir melhor só por nos ler, assim como não esquece o David quando embala e dá mimos ao seu neto. São apenas sentimentos transformados.

Os meses de um ano são longos e os anos de uma vida, independentemente da sua duração numérica, também o são.

E levamos todo esse tempo a crescer e a tentar compreender o sentido das coisas e o sem sentido de outras tantas.

Não há resto de Mãe, há rosto!

Um abraço

Manuela Baptista
Estoril,12 de Fevereiro 2009

Anónimo disse...

A OUTRA


A outra
o que resta da mãe
é mãe
e mãe de mãe
vale mais do que um vintém
tem o sabor de outra tem
tem as horas deste mundo
de um calendário sem fundo
tem a alegria de um neto
é o tecto do afecto
é a vontade de um veto
abraço de avó e neto

A outra
sabe que tem
tem a alegria por mãe
não a troca por vintém
distribui-a por alguém


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Fevereiro de 2009

Ana Cristina disse...

Beijinhos.

Nini