Não é fácil não vir aqui.
Não é fácil inventar coisas urgentíssimas a fazer...quando nada ou quase nada se tornou urgente.
Arrumo o que já foi arrumado.
Mudo plantas de sítio.
Cozinho para famílias numerosas.
Saio a correr de casa porque me esqueci de comprar ... salsa...ou mais um novelo de lã para juntar aos diversos cestos cheios de lãs.
Não é fácil não vir aqui.
Se me privasse de ouvir música...
Se me privasse de ver os tons do pôr do sol...
Se me privasse de olhar para o teu chapéu, pendurado à entrada, onde o deixaste...
Se me privasse de pensar ou ver o mar...
Se me privasse de sentir o aroma dos pinheiros...
Se me privasse de seguir o rasto dos aviões que passam e onde vamos sempre, tu e eu... quase sem armas ... quase sem bagagem
Se me privasse de abrir a porta do teu quarto, onde permanece o teu cheiro já ténue...
Se me privasse de recordar as cumplicidades que tivemos, apesar do tempo agreste...
Se me privasse dos passeios pela FNAC à procura dos teus sons...
Se fechasse a sete chaves o meu coração...
Se encerrasse bem fundo, muito muito fundo, o meu sentir, o meu ver, o meu ouvir...
Talvez sorrisse um pouco mais e os meus olhos não andassem sempre sequiosos de lágrimas.
Mas não seria eu...
Mãe para sempre!
Essa sou eu.

Navego num largo mar de enganos
guiado pela estrela cega do horizonte.
O meu destino está inscrito nesses anos
em que o tempo nasce de uma futura fonte.
Assim, o que foi ontem está para ser,
passado que vive num presente sem nós,
como o rio que, para correr, nasce na foz;
e tudo o que vivi ainda está para se ver,
tal como o silêncio que fala nesta voz.
O caminho faz-se quando se está parado,
barco que anda sem haver vento;
e só quem está certo pode ser enganado
quando, ao pensar, perde o pensamento,
e em tudo o que sonha só vê o passado.
Nuno Júdice
4 comentários:
Um beijinho para amanhã.
O teu neto vai misturar-se com o cheiro e a presença do David.
Só pode resultar na perfeição.
Depois vou buscar os cachecóis :)
Bjis. Nini
LEVEZA
Da tão primeira nuvem que avistares
Agarra-a com teus colares
Levanta-te leve nos ares
( Pedindo desculpa a Daniel Faria pelo verso roubado, dedicado a Ana Cristina )
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Janeiro de 2009
Olá, Isabel. Essa actividade de que fala, é para não parar, é para se sentir ocupada, é o esforço que o nosso cérebro faz para que a nossa alma não sucumba.Pelo menos, é assim que eu vejo o que descreve. O que tão maravilhosamente descreve. O que tão dolorosamente descreve.
Um bjs,para si e para o David.
MM
Boa tarde, Mãe Isabel
Não há muitos dias, encontrei-a aqui.
Já existe há muito tempo, este seu blog.
Mas nunca o tinha visto.
Encontrei-a e não volto a perdê-la.
É que é de mim que também fala.
Sou ou fui, não sei, mãe.
Também a mim o destino me roubou uma filha. Perdi-a há dez anos e fui com ela.
Não voltei.
Por isso a compreendo tão bem.
O tempo de que fala, como sendo um tempo confuso e estranho, conheço-o bem.
É tudo como diz.E tão bem!
Também eu fiquei parada num tempo indefinido. Não volto. Fui com a minha menina.
Não há um dia em que não pense nela, ao acordar até deitar.
Anda comigo tal como o David faz parte de si.
Os filhos saem-nos das entranhas.
Os filhos somos nós.
Nada apaga ou diminui a dor de mãe.
Não se recupera depois do último suspiro dum filho. Fica-se ali, á espera.
Para sempre, à espera ...do impossível.
À espera da própria morte de que perdi o medo.Tudo deixa de fazer sentido. Sou como um autómato.
É assim comigo.
A revolta não passou.
A dor não diminuiu.
A incompreensão aumenta.
Tudo como a Isabel diz.
E quando não se chora é porque já nem para lágrimas há força.Ao fim de dez anos, continua a ser assim.
Ajudas? Tive muitas - psiquiatra, grupo de apoio e família paciente.
Mas nada volta a ter sentido.
Virei aqui.
Obrigada pelas suas palavras.
Helena Marques
Enviar um comentário