20 janeiro 2009

Difícil



Não é fácil não vir aqui.
Não é fácil inventar coisas urgentíssimas a fazer...quando nada ou quase nada se tornou urgente.
Arrumo o que já foi arrumado.
Mudo plantas de sítio.
Cozinho para famílias numerosas.
Saio a correr de casa porque me esqueci de comprar ... salsa...ou mais um novelo de lã para juntar aos diversos cestos cheios de lãs.
Não é fácil não vir aqui.
Se me privasse de ouvir música...
Se me privasse de ver os tons do pôr do sol...
Se me privasse de olhar para o teu chapéu, pendurado à entrada, onde o deixaste...
Se me privasse de pensar ou ver o mar...
Se me privasse de sentir o aroma dos pinheiros...
Se me privasse de seguir o rasto dos aviões que passam e onde vamos sempre, tu e eu... quase sem armas ... quase sem bagagem
Se me privasse de abrir a porta do teu quarto, onde permanece o teu cheiro já ténue...
Se me privasse de recordar as cumplicidades que tivemos, apesar do tempo agreste...
Se me privasse dos passeios pela FNAC à procura dos teus sons...
Se fechasse a sete chaves o meu coração...
Se encerrasse bem fundo, muito muito fundo, o meu sentir, o meu ver, o meu ouvir...
Talvez sorrisse um pouco mais e os meus olhos não andassem sempre sequiosos de lágrimas.
Mas não seria eu...
Mãe para sempre!
Essa sou eu.

Antítese
Navego num largo mar de enganos
guiado pela estrela cega do horizonte.
O meu destino está inscrito nesses anos
em que o tempo nasce de uma futura fonte.

Assim, o que foi ontem está para ser,
passado que vive num presente sem nós,
como o rio que, para correr, nasce na foz;
e tudo o que vivi ainda está para se ver,

tal como o silêncio que fala nesta voz.
O caminho faz-se quando se está parado,
barco que anda sem haver vento;

e só quem está certo pode ser enganado
quando, ao pensar, perde o pensamento,
e em tudo o que sonha só vê o passado.

Nuno Júdice

4 comentários:

Ana Cristina disse...

Um beijinho para amanhã.
O teu neto vai misturar-se com o cheiro e a presença do David.
Só pode resultar na perfeição.

Depois vou buscar os cachecóis :)

Bjis. Nini

Anónimo disse...

LEVEZA

Da tão primeira nuvem que avistares

Agarra-a com teus colares

Levanta-te leve nos ares


( Pedindo desculpa a Daniel Faria pelo verso roubado, dedicado a Ana Cristina )

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Janeiro de 2009

Anónimo disse...

Olá, Isabel. Essa actividade de que fala, é para não parar, é para se sentir ocupada, é o esforço que o nosso cérebro faz para que a nossa alma não sucumba.Pelo menos, é assim que eu vejo o que descreve. O que tão maravilhosamente descreve. O que tão dolorosamente descreve.
Um bjs,para si e para o David.
MM

Anónimo disse...

Boa tarde, Mãe Isabel

Não há muitos dias, encontrei-a aqui.
Já existe há muito tempo, este seu blog.
Mas nunca o tinha visto.
Encontrei-a e não volto a perdê-la.
É que é de mim que também fala.
Sou ou fui, não sei, mãe.
Também a mim o destino me roubou uma filha. Perdi-a há dez anos e fui com ela.
Não voltei.
Por isso a compreendo tão bem.
O tempo de que fala, como sendo um tempo confuso e estranho, conheço-o bem.
É tudo como diz.E tão bem!
Também eu fiquei parada num tempo indefinido. Não volto. Fui com a minha menina.
Não há um dia em que não pense nela, ao acordar até deitar.
Anda comigo tal como o David faz parte de si.
Os filhos saem-nos das entranhas.
Os filhos somos nós.
Nada apaga ou diminui a dor de mãe.
Não se recupera depois do último suspiro dum filho. Fica-se ali, á espera.
Para sempre, à espera ...do impossível.
À espera da própria morte de que perdi o medo.Tudo deixa de fazer sentido. Sou como um autómato.
É assim comigo.
A revolta não passou.
A dor não diminuiu.
A incompreensão aumenta.
Tudo como a Isabel diz.
E quando não se chora é porque já nem para lágrimas há força.Ao fim de dez anos, continua a ser assim.
Ajudas? Tive muitas - psiquiatra, grupo de apoio e família paciente.
Mas nada volta a ter sentido.
Virei aqui.
Obrigada pelas suas palavras.
Helena Marques