Fala-se de dias e dias que escorrem ... sem um filho que partiu! Fala-se à toa ... e escreve-se, sempre, para silenciar a saudade ou as lágrimas. À toa ...
31 janeiro 2009
Por cima do ombro
O não vir aqui não significa não pensar.
O pensar é constante. É como se tivéssemos passado a ser um - eu e tu, sempre, a espreitares por cima do meu ombro.
É como se tivesse passado a pensar por mim e por ti, sempre os dois pensamentos ligados.
Como explicar de outra forma?
...
Mas há uma certa lassidão que se apossou dos meus dias.
Nada me parece urgente neste tempo que me parece ausente, embora seja nele que estou presente.
.......
Aprende-se muito com a ausência.
Não qualquer ausência.
Mas com aquela tua ausência certa, definitiva, imobilizada, inerte num espaço que me ultrapassou no tempo e corre e corre, sem que o queira acompanhar.
É, de certa forma, uma conjugação de ausências; a do que foi e a aquela que vai ficar de um futuro que não será.
Fica-se de braços plenos de prantos.
E de palavras indizíveis.
E o passado silenciado é apenas sussurrado.
Talvez se encontre reflectido nos olhares.
Aí permanecerá, sem espanto.
Hermético.
Enquanto a minha eternidade de mãe durar.
NADA FICA DE NADA
Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas.
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.
(Odes de Ricardo Reis)
23 janeiro 2009
Estou bem...
Há sempre mais qualquer coisa a dizer.
Que estou bem.
Que escrever aqui é a minha forma de diluir a dor para que não se acumule no meu sangue cansado.
Que gosto de quem me escreve; nem que seja só por escrever.
Que, ao responderem às minhas não perguntas, transportam qualquer coisa do David.
Que acredito (e não quero que seja de outra forma) que, só com o David perto de mim, conseguirei manter-me disponível para os outros.
Que com o David aprendi a relativizar os dramas; a ser mais generosa; a esperar que cada dia chegue ao fim para pensar, então, no dia seguinte; a valorizar todos os sorrisos com que me mimam e a desvalorizar palavras menos simpáticas.
Que não aprendi, ainda, a perdoar...
Daí... uma certa forma de revolta.
Daí...a mágoa.
Mas estou bem.
Mesmo não estando.
TESE
Navego num estreito rio de desenganos
Guiado por uma luz que é minha fonte
Inscrito meu desejo todos os anos
De um tempo que é futuro meu horizonte
-.-
Assim o que já foi está para acontecer
Presente que é passado e não tem nós
É como um mar que brada em sua voz
Tudo o que já vivido está para ser
-.-
Tudo o que não dito já foi escrito
Anda-se parado neste arado
É barco que navega pelo tempo
-.-
Certeza pode ser um duro engano
Já que o pensar se perde com o vento
Como o sonho que se agarra ao passado
-.-
( No molde de Antítese de Nuno Júdice )
-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Janeiro de 2009
Estoril, 20 de Janeiro de 2009
22 janeiro 2009
Às vezes, sento-me aqui apenas porque não sei para onde ir.
Às vezes, sento-me aqui porque só aqui encontro o ombro ausente do David, onde apoiar a minha cabeça cansada.
Às vezes, só aqui posso deixar de fingir que tudo está a melhorar e que o tempo me vai curando.
Só aqui, posso gritar em silêncio e dizer que não compreendo.
Ao olhar as fotografias, coladas na cortiça da parede do teu escritório, navego para um lugar ausente, para dias distantes e em que quase tudo fazia sentido.
Acontece os filhos morrerem, acontece.
Acontece também que se fica perdida, embora se conheçam todos os caminhos, todos os gestos necessários, todos os rituais próprios de cada dia da vida.
É na vida que se fica perdida.
Por isso, me sento aqui, neste lugar onde tudo ficou suspenso.
Onde não há qualquer esquecimento.
Atraso
Não me quero atrasar
Não quero perder este comboio
Sempre a andar.
Quero sentir tudo o que possa agarrar.
Se parar, sei que vou morrer.
E terei que ceder a minha vez.
Não quero para mim essa languidez.
Não me travem esta força, porra!
Esta energia que trago cá dentro.
Quero agarrar a vida, ser um aventureiro.
Causar impacto e dispersar-me do centro.
David Sobral (1995)
20 janeiro 2009
Difícil
Não é fácil não vir aqui.
Não é fácil inventar coisas urgentíssimas a fazer...quando nada ou quase nada se tornou urgente.
Arrumo o que já foi arrumado.
Mudo plantas de sítio.
Cozinho para famílias numerosas.
Saio a correr de casa porque me esqueci de comprar ... salsa...ou mais um novelo de lã para juntar aos diversos cestos cheios de lãs.
Não é fácil não vir aqui.
Se me privasse de ouvir música...
Se me privasse de ver os tons do pôr do sol...
Se me privasse de olhar para o teu chapéu, pendurado à entrada, onde o deixaste...
Se me privasse de pensar ou ver o mar...
Se me privasse de sentir o aroma dos pinheiros...
Se me privasse de seguir o rasto dos aviões que passam e onde vamos sempre, tu e eu... quase sem armas ... quase sem bagagem
Se me privasse de abrir a porta do teu quarto, onde permanece o teu cheiro já ténue...
Se me privasse de recordar as cumplicidades que tivemos, apesar do tempo agreste...
Se me privasse dos passeios pela FNAC à procura dos teus sons...
Se fechasse a sete chaves o meu coração...
Se encerrasse bem fundo, muito muito fundo, o meu sentir, o meu ver, o meu ouvir...
Talvez sorrisse um pouco mais e os meus olhos não andassem sempre sequiosos de lágrimas.
Mas não seria eu...
Mãe para sempre!
Essa sou eu.
Antítese
Navego num largo mar de enganos
guiado pela estrela cega do horizonte.
O meu destino está inscrito nesses anos
em que o tempo nasce de uma futura fonte.
Assim, o que foi ontem está para ser,
passado que vive num presente sem nós,
como o rio que, para correr, nasce na foz;
e tudo o que vivi ainda está para se ver,
tal como o silêncio que fala nesta voz.
O caminho faz-se quando se está parado,
barco que anda sem haver vento;
e só quem está certo pode ser enganado
quando, ao pensar, perde o pensamento,
e em tudo o que sonha só vê o passado.
Nuno Júdice
15 janeiro 2009
Que diz o meu coração?
Bato.
Por bater.
Ando.
Por andar.
Respiro.
Por respirar.
Falo.
Por falar
Vivo.
Por viver.
Sangro.
Em certos dias,
como hoje,
devia acontecer morrer-se
De tristeza.
De cansaço.
De desânimo.
De abandono.
De não saber como fazer.
Por fazer.
E, depois, talvez ... acordar.
Por acordar.
Ou talvez, continuar.
Por continuar.
Expressão
Sinto algo a brotar cá dentro
Tenho de me libertar
Tenho de me deixar recriar
Já não sinto este mundo como sentia
E sei que já não quero fazer o que fazia
Não tomar as coisas como já tomadas
Mas criar algo a partir d'uma nova visão
Abrir e ensinar todas as novas mentes fechadas
David Sobral
(1995)
14 janeiro 2009
Sonhar sempre...é preciso.
Sonhei um destino feito à minha medida, naquela idade em que nos é permitido tudo sonhar.
Sonhei um outro destino, desafiando alguns pequenos deuses, quando ainda me foi permitido sonhar.
Sonhei ainda, revoltada perante a inutilidade das súplicas e quando tudo nos era já adverso.
Adivinhava-se uma morte sem sentido e, mesmo assim, consegui sonhar.
Porque havia um castelo de sonhos e tínhamos a força de um cavaleiro andante.
Sonhámos. Não parámos, teimosamente, de sonhar.
Chorei tanto quanto sonhei....
Sonhar era a nossa jangada; estranho porto de abrigo no meio do oceano dorido e alterado.
Foi bom ter conseguido sonhar um sonho a meias, teu e meu...
Agora, sonhar é pesado e doloroso.
Agora, proíbo-me de sonhar.
Percorro cada dia, com pezinhos de algodão.
Ando sorrateira, por entre as gentes.
Não vá magoar-me ...
10 janeiro 2009
Vou andando sem olhar em frente.
Desconheço o caminho; é a própria vida que me guia.
Querer conhecer o percurso?
Para quê?
Tudo será sempre o que tiver que ser.
No final de cada espectáculo, saberemos.
Perante o palco vazio, escuro e frio.
As cortinas corridas.
Foi preciso sair.
Saí. Mas não só...
A parte de ti que trouxe detrás, carrego-a sem esforço...
É um farol que brilha na névoa da memória.
É calor, ainda.
Mesmo vindo de longe.
É calor que me amacia o coração e me torna mais humana.
Apesar da dor.
Não tenham pena de mim.
A saudade e a tristeza são o preço que tenho que pagar.
Não me pesam.
Não as calo.
É assim que quero que seja, enquanto for...
Sem elas, ter-me-ia tornado um tronco oco e seco.
Porque o nada, esse sim; esse destrói os corações.
Desconheço o caminho; é a própria vida que me guia.
Querer conhecer o percurso?
Para quê?
Tudo será sempre o que tiver que ser.
No final de cada espectáculo, saberemos.
Perante o palco vazio, escuro e frio.
As cortinas corridas.
Foi preciso sair.
Saí. Mas não só...
A parte de ti que trouxe detrás, carrego-a sem esforço...
É um farol que brilha na névoa da memória.
É calor, ainda.
Mesmo vindo de longe.
É calor que me amacia o coração e me torna mais humana.
Apesar da dor.
Não tenham pena de mim.
A saudade e a tristeza são o preço que tenho que pagar.
Não me pesam.
Não as calo.
É assim que quero que seja, enquanto for...
Sem elas, ter-me-ia tornado um tronco oco e seco.
Porque o nada, esse sim; esse destrói os corações.
07 janeiro 2009
A leveza das lágrimas
Sinto-me ausente neste espaço novo de que não reconheço as margens.
Moram em mim caminhos parados no tempo; gestos de desamparo; gestos doridos.
A saudade aninhou-se bem fundo, quietinha, imutável, na dureza da lonjura, tão próxima, tão quente de vida.
A saudade revela-me todos os segredos.
Permite-me situar cada gesto, cada passo, cada vitória, cada derrota, novo sorriso e nova derrota.
Cruelmente, vai desvendando alegrias que não passaram de embrião.
Persigo, nas esquinas, recortes do que passou …
Continuo sem compreender o que nos afastou.
No meu coração encarcerado, as lágrimas fazem parte do meu quotidiano; não as estranho.
Um dia sem lágrimas é um dia em que sinto mais pesada a dor; em que me fecho.
As lágrimas são leveza.
São bem-vindas, ... por estranho que pareça.
02 janeiro 2009
Medo
Todos nós temos uma história.
A cada dia nos tecemos com faúlhas do fogo do passado.
Coisas boas? Dias maus?
A mim, sobrou-me muito medo.
Tenho medo do medo em que vivi.
Tenho medo do medo que o David deve ter sentido.
Sem que eu pudesse ter ajudado.
Esse pensamento contínuo queima os olhos...
Por onde andaria, que não me apercebi?
Porque não me apercebi?
Ainda agora não sei.
Só a roda da sorte?
Inevitável?
A calmaria ficou para trás... fiquei tão distante de mim.
O percurso da vida é de sentido único.
Caminhos de volta? Não há.
Nem os procuro.
Foram apagados.
Sigo em frente, por pequenos atalhos, tendo como pano de fundo a cortina da memória.
Sigo em frente, dorida, sem o apoio da esperança e, se a houvesse, alguma ilusão de eternidade.
Sou hoje - sonho ou realidade?
Não sei.
Sou estas palavras que aqui vão ficando, feitas de mágoa e nostalgia.
Porque houve e há um David que sinto, aqui, sempre tão próximo e sempre tão presente.
Como se fora ontem.
.................
Procuro-me, determinada, no reflexo daqueles olhitos negros e alegres do meu neto.
Procuro-me em breves sorrisos do meu filho.
Sou também isso.
É tudo muito vago.
A cada dia nos tecemos com faúlhas do fogo do passado.
Coisas boas? Dias maus?
A mim, sobrou-me muito medo.
Tenho medo do medo em que vivi.
Tenho medo do medo que o David deve ter sentido.
Sem que eu pudesse ter ajudado.
Esse pensamento contínuo queima os olhos...
Por onde andaria, que não me apercebi?
Porque não me apercebi?
Ainda agora não sei.
Só a roda da sorte?
Inevitável?
A calmaria ficou para trás... fiquei tão distante de mim.
O percurso da vida é de sentido único.
Caminhos de volta? Não há.
Nem os procuro.
Foram apagados.
Sigo em frente, por pequenos atalhos, tendo como pano de fundo a cortina da memória.
Sigo em frente, dorida, sem o apoio da esperança e, se a houvesse, alguma ilusão de eternidade.
Sou hoje - sonho ou realidade?
Não sei.
Sou estas palavras que aqui vão ficando, feitas de mágoa e nostalgia.
Porque houve e há um David que sinto, aqui, sempre tão próximo e sempre tão presente.
Como se fora ontem.
.................
Procuro-me, determinada, no reflexo daqueles olhitos negros e alegres do meu neto.
Procuro-me em breves sorrisos do meu filho.
Sou também isso.
É tudo muito vago.
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