21 fevereiro 2009

Não fujo.



Estou aqui.
Estou rodeada de gente, a um passo de distância.
E, no entanto, estou só.
Quero que a noite acabe e que este silêncio incómodo se dilua.
Que chegue a hora de dormir; dormir mesmo...
Nos meus sonhos confusos de gente e lugares, o David nunca morre.
É o acordar que me traz de volta à realidade.
Ao vazio que não cabe nos olhos que se estendem pelos braços cansados de abraçarem o nada que ficou.
A cabeça sabe mas o corpo não aceita que não haja aquelas mãos esguias; os olhos não aceitam a ausência dos outros olhos.
Nos meus ombros continuam pousados aqueles braços que se ampararam e me disseram "Mamã, não chego aos 30..."
E Abril vem aí. E seriam 31. Só.
E revejo e ouço mil vezes a dureza destas palavras.
Sinto-as como se continuasse lá, nesse tempo, nesse lugar; sem voz, sem ar... perdida para sempre.
E sofro a mesma asfixia, o mesmo pânico.
E não sei como.
Pois se também eu morri um pouco.
Como sinto, então, tanta dor, tanta mágoa, tanta revolta, nesta metade de mim?
Há dias, noites, em que a memória verte as imagens do nosso passado recente, em catadupa.
E não adianta fugir-lhes; sinto um olhar atrás de mim.
Não adianta sair.
Não adianta não querer pensar.
Não adianta.
Porque tudo se fixou em mim; faz parte do meu coração atordoado.
Não fujo.
É assim...deve ser...
Não fujo.
Choro mais um bocadinho.
Ninguém vê. Nesta forma de estar só, rodeada de gente; o coração escapa-se num fumo de tristeza.
De que outra forma se consola a saudade?

19 fevereiro 2009

18



Ontem...
Foi apenas mais um dia, neste tempo extenso, nos locais, por onde passo e que, ainda, estranho.
Nas conversas que sinto não me serem dirigidas.
Ou são e eu é que as não entendo
Ontem passou.
Um dia 18, como os que já passaram, sem que eu perceba como passam; se são muitos ou se são poucos.
O meu tempo, a cada dia 18, já não se mede em dias, nem pôr ou nascer do sol.
Mede-se em peso de saudade, em medos, que se vão acumulando no lugar do coração, naquele lugar que tinha um dono.
Não ficou vago, com a tua ausência, David.
Era teu e será sempre, tal como outros são de outros donos.
Mas o teu pesa mais, sente-se mais e tem trancas na porta.
Só eu lá entro e de lá saio, de mansinho, sem incomodar os donos das portas ao lado.
Cada dia ou cada mês, lá deixo mais uma pedrinha rolada pelo mar de Moledo ou mais um cravo vermelho.
Porque há coisas que não podem acontecer às mães...
Nem mil amigos, nem dez outros filhos e outros tantos netos, em toda a vida, curta ou longa, que eu viva, conseguirão afastar-me de ti, daquela tua mão, do teu corpo esguio e cara franzina (quase de criança), quando adormeceste e eu, ao lado, senti que terminara.




Nem sempre o corpo se parece com
um bosque,
nem sempre o sol
atravessa o vidro,
Ou um melro canta na neve.
Há um modo de olhar vindo do deserto,
mirrado sopro de folhas,
de lábios, digo.

Eugénio de Andrade, O Peso da Sombra

16 fevereiro 2009



À Manuela e ao Jaime queria agradecer ...
O sentir o David cada vez mais só dentro de mim - significa isso mesmo.
Não me é "permitido" forçar conversas sobre o David - em jantares de amigos, na escola, em família...
Só se os outros tomarem essa iniciativa.
Entende o meu psiquiatra que não devo impor o David; mesmo que esteja entre amigos ou família...
Diz ele que terei que guardar o David num cantinho, só meu.
E do Manel.
Que não devo ...
Por isso, me sinto só e o sinto cada vez mais só dentro de mim.
Mas não me referia aos amigos virtuais dos blogs.
A esses, acho que não imponho nada.
Ler-me-ão quando e se quiserem.
Partilharei com eles as minhas saudades, as minhas mágoas...que vão permanecer imutáveis (sei-o bem!).
Conhecerão o David, assim, através de mim.
Mesmo que não respondam...sei que existe alguém, desse lado, ao meu lado.
E sinto-me menos só, com o David que sinto cada vez mais só dentro de mim.
Não posso evitar senti-lo.
Não quero desobedecer.
Não quero impor a imagem da morte aos outros.
Não posso afastar os amigos.
Há o meu neto.
Preciso de obedecer e controlar a minha tendência natural para falar do David; porque tudo associo ao David.
Porque eu penso, constantemente, no David.
Mas não devo falar...
É difícil. Tão difícil.
Mas não me proibiram de falar de longe, de escrever de longe, de partilhar de longe...
Por isso, agradeço aos amigos virtuais que encontrei nesta Casa da Venância.
Com eles por perto, embora não presentes aqui e agora, sinto menos esta solidão de estar só com...
Sinto menos esta agonia na garganta; este nó que só se desprende depois de chorar um bocadinho e de falar um bocadinho mais ... do David.




Sou o fantasma de um rei

Que sem cessar percorre
As salas de um palácio abandonado...
Minha história não sei...
Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre
A ideia de que tive algum passado...

Eu não sei o que sou.
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo...
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um deus está relendo...

Fernando Pessoa

14 fevereiro 2009

fios



Costuma ser quase à noite, na hora do lusco-fusco, que me sinto agoniada, encarcerada na dor.
È um mal-estar que me põe trémula e ansiosa, sem que nada aconteça de diferente do que, todos os dias, acontece acontecer – que a saudade aumenta, que revejo dias, sítios, conversas…
Sei claramente que é o meu corpo a arrepiar-se do medo por que já passou e reconhece de memória.
Na garganta forma-se uma bola; a boca seca.
Sou, então, um animal enjaulado e que sabe que não há saída.
Só lhe resta render-se.
Porque é assim; enquanto tiver que ser.
Os fios de que se tecem as minhas recordações, apesar de emaranhados, entrelaçam-se no tempo e na memória e sempre me levam a um ponto ou outro dos nossos 18 meses.
O tempo onde parei.

12 fevereiro 2009


Vou ficando por casa.
Vou adiando.
Habituei-me à solidão.
A multidão assusta-me.
Vou fugindo das conversas.
Vou fugindo dos convites.
Em Abril, não… não pode ser.
Nasceu o David.
Existe cada vez mais, só dentro de mim.
Em Maio? Talvez.
Foram meses de esperança, com o medo por perto. Foi mês de novos projectos numa pausa sem sentido.
Em Junho, as esperanças tornaram-se um fiozinho de luz.
Só mesmo muito, muito amor e força à nossa volta e resistência nos mantiveram de pé.
Em Julho, faço anos. Fazia anos. Fiz 52 anos.
Em Julho foram cruéis com o David.
Assiti, revoltada à incredulidade do David perante tamanha falta de solidariedade.
É mês de mágoa e revolta. Perdi a conta aos anos.
Em Julho, queríamos sair daqui, desta terra onde nos sentíamos sufocar.
Em Julho…não pode ser. Fico sozinha; gosto de estar sozinha.
Agosto.
O tal mês de Agosto, da esperança prometida, da cura anunciada, em Barcelona.
O mês do calor, dos aguaceiros e trovoadas, das primeiras dores, das insónias permanentes, das saudades de Moledo, das saudades dos amigos…,
Do começar do fim, da saudade dum tempo distante.
Teríamos existido nesse tempo de que tínhamos já saudades? Como eram os nossos dias? Não recordo os contornos.
De Setembro… não me falem.
Mais pedidos de socorro; mais lágrimas escondidas; tanto tanto cansaço, mais incerteza seguida de certezas cruéis.
O começar a adormecer, um olhar mais parado e mais ausente.
E o respirar mais o ar de Moledo, como se dos pinheiros e do verde dos montes viesse uma ajuda, caridosa.
As eólicas a girarem ao fundo, num rodopiar pausado indiferente a nós.
O tempo, para elas, não conta: só o vento.
Não, em Setembro, não posso. Ainda não pode ser, em Setembro.
Outubro, o mês do Outono quente de sol, lá fora, e frio por dentro de nós.
O mês de deixar, finalmente, desfazer os laços.
O mês do esquecimento, de muitas, muitas flores.
O mês dos corredores claros e o Sol, sempre o Sol a brilhar para lá das persianas semi-corridas. O mês dos sussuros, do respirar lento, da ausência de todos os meus sentidos que, a par do David, se foram estilhaçando, finalmente…
As mãos do Sérgio e do Manel a apertarem a minha que agarrava, ainda, a do David.
As mãos do Sérgio, ali sempre.
Mas silencioso.
Depois de Outubro…não sei.
Perdi-me na contagem das horas.
Tudo é muito pouco nítido.
Sei que o meu neto é alegre e meigo.
Olha-me com uns olhitos grandes, brincalhões e inocentes.
É um bebé feliz.
Sou uma avó feliz, com o seu neto.
Tem uns pais ternos.
Tem um avô que lhe sorri e o espreita, atento.
Não faço planos…para mim.
A outra, o que resta da mãe.

07 fevereiro 2009



As saudades levam-me sempre às caixinhas do David, que abro muitas vezes.
Às vezes, penso que poderia colocar aqui tudo o que tenho de poemas, letras de canções, programas de Jazz, sugestões de boa música, opiniões enviadas para o jornal, contos e charadas...
A cabeça dele fervilhava continuamente.
Acho que foi essa característica que o ajudou a aguentar a doença, sempre um passo à frente dela...
Ele é que me ajudava a mim.
Falta-me a ajuda dele, aqui e agora e para sempre.
E acho que vale a pena guardar aqui coisas dele.
Algumas são muito simples, ternas e infantis; para o grande e corajoso homem que se revelou.

Brincadeiras do David, para que conheçam outras facetas dele.

"A Evolução Humana "

É interessante estudar a evolução humana, mas o ser humano é demasiado complexo, para generalizarmos tanto. É possível portanto, demarcarmos pequenas evoluções especificas relativas à constituição física e psíquica do ser humano.
Dentro da evolução humana, podemos focar a: evolução do estômago, a evolução das opiniões sobre o Benfica, a evolução do matrimónio e a posição perante este, mas neste curto ensaio vamo-nos concentrar na evolução da sexualidade humana. Haverá um curto intervalo nesta apresentação, para ir à casa de banho, e depois retomaremos.
Este fenómeno já foi estudado por psicólogos extremamente importantes como foi o caso de Sigmund Freud, nos intervalos dos seus estudos sobre sexo. No entanto, o estudo efectuado por estes psicólogos é demasiado cientifico e pouco baseado em questões práticas da vida real na sociedade. São estes pontos que nós pretendemos acrescentar aos estudos dos grandes mestres.
Tudo começa como acaba e vice-versa. Na nossa infância, os nossos desejos sexuais são realizados pelas mães, com o seu trabalho como mães, como é óbvio. Tudo acaba como começa, porque o homem adulto, quando deixa a mãe, procura uma mulher que se assemelhe a esta, e que a substitua nas suas obrigações, ou seja, o homem nunca deixa de ser criança.
Nos anos seguintes, as coisas tornam-se bastante diferentes. Nesta nova fase do fim da infância, os desejos sexuais são realizados aquando das festas de anos das amigas. As Barbies das meninas imberbes, fazem as delicias da rapaziada. Esta boneca, com mais de cinquenta anos, torna-se a mulher dos sonhos dos pequenos meninos. Não fala e foi feita exactamente com o objectivo de se lhe poder trocar a roupa sempre que desejado. Na nossa opinião, a invenção da Barbie foi a primeira afronta à única mas famosa criação de esposa de Deus. Esta invenção é muitas vezes designada através da expressão: "Hoje não, estou com dores de cabeça".
Chegados à adolescência, fase na qual está incluído o inicio da puberdade, as condições favoráveis à evolução são inacreditáveis. A avalanche de informação, relacionada com a sexualidade é brutal. A pressão exercida sobre o jovem para o motivar a dar inicio à sua actividade sexual dá-se dentro e fora de casa. Fora de casa, o jovem é provocado pelas conversas com os amigos, que nem sempre são sobre futebol. Por sua vez, em casa a pressão é mais discreta, mas ainda assim eficaz. Quem é que nunca foi vítima da famosa pergunta familiar: "Quando é que arranjas uma namorada?", que se desdobra em diferentes formas como esta: "Não estará na altura de arranjares um namorico?". Só é necessário estar atento.
A pressão é de tal forma grande que já se soube de casos de pessoas que tiveram problemas em cinemas e casa de espectáculos por só terem comprado um bilhete.
Na fase seguinte, que é a do jovem-adulto, as relações amorosas tornam-se finalmente reais e sérias. Uma relação amorosa é como um avião com dois grandes motores: um deles é o sentido de humor e ... não divulgaremos mais.
É a fase mais gira desta evolução; parece que nascemos outra vez. Andamos todos a sonhar, pois a nossa posição em relação ao casamento é extremamente positiva.
Quando acordamos deste longo sonho, já estamos na fase seguinte desta evolução, a última. Nesta fase, a zona erógena é o estômago. Quando temos dez anos dizemos: " Olha, Tenho um jogo novo para o meu GameBoy". Aos vinte dizemos: " Olha, conheci hoje uma gaja, meu...". Aos trinta, não dizemos nada porque andamos a sonhar acordados e, finalmente, aos quarenta dizemos: " Olha, descobri um restaurante óptimo, pá!".
Finalmente, o ser humano conclui que o casamento é uma droga da qual não nos conseguimos livrar assim que nos metemos nela.
Desta forma, terminamos o nosso estudo sobre a evolução da sexualidade humana. Caso se interroguem sobre a continuidade desta evolução, depois dos quarenta anos, terão de esperar pela restruturação deste estudo que se intitula: " A Evolução Humana D.V. (depois de viagra)".

Bibliografia

- Revista "Lola" edição de Setembro de 1998
- Revista "PlayBoy" edição de Janeiro de 1996
- Darwin, Charles "A Origem das Espécies "
- Diário da República, edição de Abril


Patrocínios
- Preservativos Durex
- Revista Máxima
- Desodorizantes Axe


Agradecimentos
Infantário "O Coelhinho Branco"
Secção de Lingerie dos Hipermercados Continente
Loja de Animais "O Macaquito"
à minha professora da primária
Triffene 200
Ministério das Obras Públicas
Tropicana Motéis.

David Sobral