Hoje, David querido, acordei contigo, nítido e luminoso, dentro de mim.
Debruçado sobre a secretária,
tiras da pasta a tiracolo a agenda Âmbar do novo ano, ainda em branco.
Ao lado, pousas a do ano
anterior, desgastada pelo uso, preenchida de anotações e de desenhos de luz, de riscos e rascunhos.
A tua caneta preta de tinta permanente preferida está limpa e cheia.
O telemóvel carregado e o
computador aguardam.
Atrás de ti, o enorme placard
magnético suspenso na parede, completamente preenchido com a tua certificada e ímpar
letra torta de esquerdino.
Será, em breve, apagado.
Mas, por alguns minutos mais,
examinarás os 365 dias que passaram. Está ali a tua vida do ano que, ontem,
findou.
Um swing esvoaça no ar, desde
que te levantaste, sem pressas.
Reconheço, no entanto, os sinais do teu "delírio" interno, da tua inquietação criativa.
Exteriormente é um processo vagaroso,
indolente, metódico e saboroso.
O teu ritual muito peculiar de
preparação para mais um ano.
Depois de assinalada a primeira página, com aquela
tua assinatura de letra grande, nítida, um pouco infantil e sem arabescos,
preenches os dados pessoais e profissionais.
O meu nome e número de telemóvel estão lá, no
contacto urgente.
Então, sistematicamente, procuras as datas de
aniversário da família e dos amigos. Escreves apenas Mãe, Sérgio, Nuno Aroso,
Avó, Eleonor, Manel, Carlinha ... Como consultas diariamente a agenda, nunca há o risco de te esqueceres
das pessoas de quem gostas.
O dia do teu aniversário tem sempre uma anotação
especial, entre o sério e o surreal!
Só então, dás início ao demorado e metódico
procedimento de transferir do placard e da agenda antiga todas as informações
úteis e novas que foste registando, ao longo do ano, para um novo folder no
computador e para a nova agenda.
Uma interrupção para um copo de leite e umas
torradas, lentas e saboreadas.
A música dos CDs criteriosamente escolhidos,
cheques fnac de Natal, complementa o ambiente de assumida renovação.
A concentração é total.
Alguns projectos concretizam-se já na tua mente, enquanto
folheias, lento e longínquo, os
mini-catálogos de milhentas cores de filtros de luz, a par dos desenhos dos
palcos dos auditórios que vais percorrer.
A luz, a música a gestão cultural são a terra firme em que te ancoras.
A agenda velha já foi arquivada, o placard que
esteve em branco por breves minutos, já começou a ser preenchido com concertos,
viagens, encontros, workshops, ...
Uma pausa para descer ao terceiro andar, um beijo e
uma conversa privada com a tua avó. Encostados os sofás, num sussurro assumido e vigilante.
Agora, a lassidão prazenteira com que te balanças e sorris
para dentro de ti.
Finalmente estendido no sofá, um zapping
pelos canais de música.
O descanso do guerreiro.
E eu, por perto e pelo cantinho do olho, sei de cor
os preceitos grandes e pequenos da estranha e bela sabedoria que te embala.
· Podemos ser distraídos na vida
pessoal, mas temos que ser perfeitos na actividade profissional! Não há
desculpa para a falta de rigor.
Deve haver sempre música (boa, não uma
música qualquer) a tocar. Podemos cantar a acompanhar.
· Temos de estar atentos às coisas novas
e ser exigente na escolha da música, filmes, espectáculos e sair de casa para
os ver e ouvir.
· Não se fala quando se vêem filmes,
mesmo na televisão.
· As luzes directas encandeiam e
incomodam. Devemos usar luzes indirectas e evitar o excesso de luz.
· Não conduzir depressa e, sobretudo,
não passar por cima dos buracos J
· Nunca desistir!
· Ter sempre projectos novos!
· Acreditar que podemos realizar todos
os sonhos, sem medo de ser considerado ingénuo ou imaturo!
· Desejar.