27 novembro 2011

Fado ... Destino ...

Dizer o quê?

Dizer que o David ficaria muito contente, sorriria de satisfação, com o Fado - Património.
Sim, estranhamente, o meu rapazinho do Jazz aprendeu a apreciar certas sonoridades do fado. E eu, com ele.
Também eu e o Manel ficámos contentes (e tristes)!
Sempre a satisfação permeada de tristeza ... por ele.




Dizer o quê?

Dizer que fui, mais uma vez, a Arouca.
Terra lindíssima ... porque a trago comigo nas recordações doces da minha adolescência (em que fui feliz) - o vale, a Senhora da Mó, a Serra da Freita, o meu colégio, depois a avenida que sobe por entre o largo e o Mosteiro de Santa Mafalda, o edifício da câmara ao cimo e a rua (onde vivemos) ao lado.
E o cheiro da terra fria, embebida de gotas de orvalho, ao anoitecer.
Eu e a minha amiga Belita.
A nossa juventude por entre piqueniques, passeios à Serra, descidas da Frecha da Mizarela.
O eco dos risos, por entre as escarpas, misturados com o som da cascata.
O twist ensaiado, nos intervalos das aulas!
As aulas de viola e bateria ...
Lembro-me tão bem!




Depois, aquela mesma sensação de um tempo silencioso que escorreu, veloz, por entre imagens desfocadas.
Em que o perfil do David sobressai.
E se fixa debaixo das minhas pálpebras.
Tão nítido.
Há uma ponte suspensa entre esse tempo antigo e agora.
Como se, algures, eu tivesse errado no caminho. 

25 novembro 2011

Ainda o tempo


"Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."
composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa


O tempo.
A percepção do fluir do tempo.
E a recusa em deixar que o passado se afaste, levando-te de nós.
O largar da tua mão; uma bifurcação ... o ter de deixar que te vás por um caminho diferente. E o meu não  querer ; o meu não poder sequer já querer.
O saber-nos viajantes por estradas que jamais se cruzarão.
O saber-te sem regresso!
Apesar de, ainda, parada, à tua espera, junto ao abismo desse instante de tempo; os olhos embebidos de luz que já escurece e de sons que, subitamente, emudecem.
Levaste-os contigo.
E tempo ficou vazio e eu com ele, privada da tua harmonia mágica de luz e som.
Do brilho risonho, simples e cativante do teu olhar.

Sempre o tempo e a estranha sensação de que não consigo medi-lo.
Enrodilhada entre passado e futuro; nesta ânsia tão presente.
O tempo que se estende, certamente.
Mas não sinto.
Não decorre ... porque o penso, a cada instante.
Abril, o teu mês de Abril ... em plena e luminosa primavera.
O meu tempo é de fios tintos de saudade doce e amarga que percorre vastos espaços transparentes, ausentes de hábitos, fora da realidade comum.
Vivo, flutuando instável! Num vaivém contínuo; perturbada do passado, descrente no futuro.
Que ponte do tempo permitirá a passagem a quem já foi e a quem se procura ... sendo que as duas somos apenas uma.

Titubeio nos atalhos entre passado e futuro.
E penso no quanto me tarda a sensação de estar viva.

Talvez só se possa sentir o fluir do tempo, quando não se pensa.










21 novembro 2011

Mais novembro

Tenho saudades de novembro, apesar de, já então, estares doente.
Mas nunca, ou quase nunca, a doença te impediu de perseguires e concretizares os sonhos musicais e luminosos que tinhas.
Eram sonhos mágicos, em que eu e o Manel nos embalávamos para  seguir contigo, até onde a tua paixão pelo palco iluminado e pela música nos levasse.
Levou-nos a tantos, tantos concertos da Maria João, do Mário Laginha, do Bernardo Sassetti, do Drumming (com os sons do Zeca Afonso), do Remix Ensemble, ...
Agora, são também tu!
Tantos locais diferentes e tantos cine-teatros, tantos auditórios percorridos, através de ti ...
E tu e os teus desenhos de luz, na tua secretária.
Os teus rabiscos mágicos.
E eu, na secretária em frente, a espreitar-te pelo cantinho do olho.
Para que não visses a sombra cá dentro.

Tantos espectáculos ... tanta luz ... tanta força a tua .... tanta alegria misturada com a dor de te saberes num combate desigual.
E sempre, sempre, a tua insuspeita coragem e força sobre-humana para continuares a percorrer os caminhos pouco nítidos da doença que te ia dobrando e que tu, cada vez com mais cansaço físico ... mas com vontade férrea de te superares a ti próprio, ignoravas.
E todos (os dois, os quatro, os cinco) te seguíamos, nessa estrada, nesse desígnio que era ... foi, afinal, também, o nosso.

E este fim de semana, com os amigos do costume, passei pelo teatro de Tomar, pelo de Santarém ... que me saltaram aos olhos, sem que os visse.
Ou procurasse.
É sempre assim.
Misturam-se contigo, com a  tua luz, com o mês de Novembro ...
O primeiro sem ti.






18 novembro 2011

18


A mesma entrada; pelo corredor envidraçado, os mesmos bancos repletos de gente que aguarda consultas.
(Nós também ...)
O corredor, ... paredes pintadas para acolher crianças ..., mais gente perto da sala das TAC ... onde eu esperava que olhassem para dentro de ti.
E não vissem.
Onde eu fazia as minhas intermináveis malhas e me enganava (porque não via) e desfazia.
Podia enganar-me, desfazer, retomar.
Apenas laçadas de lã!
Retomava ...

Contigo não!
Não podia haver enganos, nem regresso ao ponto da laçada mal dada, da malha mal metida ...
Era a vida! A tua (nossa também).

E eu sigo até ao jardim ... onde fumei cigarros de medo, enquanto esperava que a máquina olhasse.
E não visse!

Mas sigo. 
Ortopedia - doem-me os pés (tão prosaico! ... dores nos pés!); sinto-os como se eu toda fosse pés!
E saudades ...

Não me lembro de ter pés, quando te seguia.
Seriam asas (em vez de pés) que me tornavam leve para ir contigo até ao fim do mundo?
Nada me doía.
Toda eu era mãe feita de rocha e fios de esperança ...






   

13 novembro 2011

Encontros por aí ...

Tenho fugido. 
De mim. 
Do medo que permanece. 
Do medo do medo que pode regressar, se eu voltar inteira a mim. 
De vir aqui. 
De tantas saudades para este apertado espaço etéreo. 
Ligado ... a nada.

Mas se é o que sobra ... venho para te dizer que ontem ouvi falar de ti. 

Porque se trata de ti, quando um aluno diz, na aula da tua madrinha adoptiva, a Helena, que vai apresentar "o livro - Mamã, vamos dançar? - da minha ex-professora de português, Isabel Venâncio".
(Teria 11 anos quando tudo aconteceu! Foi há quase 5 anos!)
E falou desse livro aos colegas ... 
Falou de mim ... falou de ti!

Porque se trata de ti, quando uma desconhecida me aborda  e me sorri e me pergunta se me pode dar um beijo. E dá! E eu sei que tem de ser a tua recordação ... entre nós!
E só depois me diz que me viu na televisão, que fixou as nossas caras, que me ouviu e leu o livro.
Que te admira!
E ficamos ali, duas desconhecidas, a falar de ti!

Despedimo-nos; não devemos voltar a encontrar-nos.
Vive em Coimbra.
Tem o filho, que vive com ela, ali, à espera e tem uma outra filha. 
Acrescenta. São dois!
Sorrio-lhe ... enquanto os olhos choram; percebo o que me quer dizer.
Sim, eu sei!
Apesar de perdida na amálgama de saudades, de amargura e dor ... tenho outro filho ... tenho um neto ... tenho sorte!
E penso nas mães de um só filho.
Apesar de todos os filhos serem filhos únicos.
Como tu!





08 novembro 2011

Às vezes, abro certas portas.

Ontem, noitinha.
Entrei na casa de banho azul. 
Luminosa, ao teu gosto.
As toalhas garridas continuam.
Umas vezes, vermelhas.
Outras, amarelas. 

"É preciso fazer contrastes de cores, mamã!"

Evito olhar para o espelho.
 Testemunha de dores ... 
outros tantos sorrisos 
de alento.
Nele, vejo reflectida a tua ausência.
E eu, por detrás dos meus olhos.

As lágrimas penduradas, cá dentro ...
 E soltam-se os teus sons.




03 novembro 2011

Dispidida ....

Que dor é esta com que não aprendo a viver 
e me impede de olhar
 e ver o que sei que existe lá fora ... 
por aí?
Ao alcance da minha mão,
já aqui
se eu o quisesse agarrar ...





Adiamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã... 
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, 
E assim será possível; mas hoje não... 
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, 
O sono da minha vida real, intercalado, 
O cansaço antecipado e infinito, 
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico... 
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã... 
Hoje quero preparar-me, 
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte... 
Ele é que é decisivo. 
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos... 
Amanhã é o dia dos planos. 
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; 
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã... 
Tenho vontade de chorar, 
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro... 
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo. 
Só depois de amanhã... 
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana. 
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância... 
Depois de amanhã serei outro, 
A minha vida triunfar-se-á, 
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático 
Serão convocadas por um edital... 
Mas por um edital de amanhã... 
Hoje quero dormir, redigirei amanhã... 
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância? 
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã, 
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
 Antes, não... 
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. 
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser. 
Só depois de amanhã... 
Tenho sono como o frio de um cão vadio. 
Tenho muito sono. 
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã... 
Sim, talvez só depois de amanhã... 
O porvir... 
Sim, o porvir...

Álvaro  de Campos

Sons do David

Trago os sons inscritos na memória.  
Sempre música! 
Nesta casa, música ainda há ... é o som da saudade.



Jim Hall

Olá caros ouvintes, bem vindos a mais um jazz faz tarde... Hoje, o programa é sobre um guitarrista que é um dos pais da guitarra jazz moderna. O seu nome é Jim Hall.
Este senhor já tem muitos anos desta vida e influenciou muitos outros como, por exemplo, Pat Metheny.
Jim Hall tocou com músicos de peso - Ella Fitzgerald, Lee Konitz, Sonny Rollins e também Art Farmer.
O tema que vamos ouvir hoje é de um disco de colaboração entre Jim Hall e o também aclamado guitarrista Pat Metheny; duas guitarras, portanto. Para que não se confundam, aviso já que o Jim Hall ouve-se do lado ... e o Pat Metheny ouve-se do lado...

Até logo que jazz ... faz tarde
David Sobral