02 maio 2011

Utopias


Dizer o quê? Que nada esbate a tua luz, dentro de mim.
Sentir o quê? A saudade, a melancolia de todos os dias.
Pensar o quê? Que é e será sempre assim.
Que serei sempre duas que coabitam em mim.
A que regressou aos dias que se vão sucedendo no calendário da vida.
A outra, a que ficou vergada e cega de dor, 
num dia vermelho de Outubro.  
Sem que uma amordace a outra.
Porque é assim!
Sem ti. 
Que viverei cada hora como se tu tivesses ido, há pouco, 
há poucochinho.
Ainda duas mãos mornas.
A tua e a minha.



Luz

Há uma luz intermitente na esquina.
Prende os pássaros; suspende a gente.
A noite demora-se à sua volta. O rio
estagna, como se não houvesse corrente.

É por isso que gosto dos candeeiros de
luz apagada, os que não atraem insectos,
os que podem cair, que ninguém dá
por isso; e passo por eles, sem me deter.

Deixo para trás os que esperam que
a luz se acenda. Não me importo com os
pássaros mortos durante a espera.

É sem luz que podemos andar; é a
treva que nos empurra para a frente.
E chegarei ao fim da noite à luz do poente.

Nuno Júdice, O Breve Sentimento do Eterno

2 comentários:

Anónimo disse...

Não é meu costume deixar comentários. Venho, leio, penso e digo-lhe "boa noite" no silêncio da minha secretária.
Mas hoje, achei que tinha de a encorajar.

As suas palavras não cansam quem as lê, descanse!
Acredito que só pela palavra de dor, gritada no silêncio e no vazio desta sua casa ... seja possível suportar a revolta e a mágoa.
E assim, poder dar-se aos outros que, aqui, reconhecemos - um Manel, um filho Sérgio e um neto que a empurra para a luz, o Miguel.
Bendito Miguel!

Laura

Anónimo disse...

Bendita Laura!
MM