Sinto a inquietação latejar-me no sangue. Reconheço os sinais que anunciam que nova vaga de angústia e de medo se avizinha.
Reconheço-o pelo tremor nas mãos, pelo olhar turvado de névoa, pela necessidade absoluta de pronunciar o nome do meu filho. Repetidamente ... repetidamente ...
Sempre que as rotinas do dia a dia se vão alterar, perco a serenidade que vou conseguindo manter no isolamento em que me instalo. Poderia chamar-se solidão, mas não o vejo como tal porque não me sinto só, não no sentido de quem não tem amigos ou vive sem companhia.
É uma solidão diferente, pacientemente construída cá dentro, invisível aos olhares de quem quer certificar-se de que "estou bem".
Eu tenho tantos bons amigos! Como poderia sentir-me só?
Uma família tão dedicada! Porque haveria de me sentir só?
E, no entanto, sinto-me tão só!
É tão triste e solitário dizer "Morreu-me um filho!"
Porque, mesmo perante outras mães que partilham a mesma dor, a minha realidade é a mais dura ... porque é a minha ... porque é do meu filho que sinto a falta ... porque me entreguei inteira para o salvar ... porque, no fim, foi por entre os meus dedos cerrados que escorreram, como areia, todos os sonhos partilhados a dois ... mãe e filho ...
Por isso, são solitárias ... todas as mães que perderam um filho.
Filho que é único ... para qualquer mãe.
Poque todos os filhos são filhos únicos.
Só quem viveu (e vive) neste limiar do medo, neste saber desesperado de que por mais que se grite o nome do filho ele não voltará nunca ... sabe que não é possível descrever com palavras este vazio ardente que nos seca e nos impede de abrir os olhos e ver o que os outros vêem.
Falar do que os outros falam ...
Sentir as coisas simples da vida ...
É tão duro e tão cruel ser aquela que, diariamente, grita silenciosa "Morreu-me um filho! Chamava-se David."
Porque é isso que eu digo, repito e repito.
Porque é este viver no limiar da dor e da saudade que, também, me define.