26 março 2011

Nem sim, nem não

Este dia está assim, manchado de azul, depois de cinzento, depois nem sim, nem não.
É dos tais que oprimem, que envolvem o peito de nostalgia e a acorrentam; a amordaçam.
Para que a tristeza ou essa tal nostalgia não se libertem.
...
Não me importava de, por vezes, me sentir mais leve.
Menos nem sim, nem não.
Porque da saudade não vou abrir mão.
Não!
Da saudade ... a tal verdadeira, única saudade
Que é a que temos de quem não mais veremos!
Fruto da certeza irreversível!
Não!
Dessa não abro mão!
É minha, vem de dentro, quero-a ali.
Perdida no mar sem fim, onde navegas.
...
É o tempo viscoso desta tarde ...
Que oprime as veias do pescoço
E faz com que se fique assim,
neste sim, neste não ...
Tu, não; tu és sim.
A certeza.


23 março 2011

Sempre os sons do David

Hoje, fui à FNAC. 
Sem pressas.
Como, às vezes, me acontece num impulso provocado pelas saudades das imagens do David percorrendo, lentamente, os corredores do Jazz ou das músicas alternativas ...
Pondo e tirando os auriculares, naquela pose tão concentrada ... tão característica dele.
E comprei dois livros - "Onde a vida se perde" de Paulo Ferreira (1º romance) e "O bazar alemão" da Helena Marques, de quem gosto bastante. Pena que ela publique pouco. 
É o Manel quem continua a encarregar-se da compra da maioria dos livros; informa-se e joga pelo seguro. 
A mim, é-me "concedido o direito" de, por vezes, me apaixonar por um escritor ou um título ou uma capa e, ... eventualmente, "enfiar o barrete". Pareceram-me boas escolhas.
Comprei também três Cds, o novo da Cristina Blanco e os dois únicos que lá existiam do Ryuichi Sakamoto - Cinemage e BTTB.
Desta vez, não tive dúvidas quanto à escolha. A Cristina Branco foi-nos "apresentada" pelo David e gostamos de a ouvir. As letras são invulgares. É um fado com swing.
O Ryuichi Sakamoto foi uma oferta "do David para o Manel" de um natal qualquer. Distante.
Daquelas escolhas criteriosas e de grande qualidade do David, sempre um passo à frente e sempre informado.
Eu e o Manel, ouvimos muito esse Cd em Moledo; o som do piano coaduna-se bem com a brancura das paredes e com o verde dos montes.
E decidimos, porque não temos o David que nos "mostre" o que há de novo ..., comprar mais se o encontrássemos.
Lá estavam ... à minha espera.
O meu filho "perdido" é, ainda, nosso guia.
Meu guia, na música e nas veredas dos dias.



18 março 2011

18

Faz hoje três anos e meio que o meu filho David morreu.
Eu mudei; muito.
Parece-me que para pior ... embora alguns digam o contrário.
Tornei-me mais seca e mais indiferente.
Olho as catástrofes ... 
o incómodo, a raiva que sinto são moldadas pelo que eu sei que era correcto que sentisse. 
Cada vez mais sinto que pouco importa que eu esteja ou não esteja aqui.
Eu sou a testemunha viva de que a terra gira e os dias passam sem que o nevoeiro se adense de tristeza.
A tristeza é muito minha.
Não a partilho.
E finjo.
Sei fingir muito bem.
Aprendi ... para não perturbar os outros.
Mas hoje, a verdade cintila.
E eu acordei com os olhos já molhados.
E sem força para quebrar silêncios.
O meu filho morreu.
Esta é a verdade silenciosa que hoje me habita.

Ouço o "Abóbo" do Miguel que acordou e saio de mim para uma realidade mais doce.




14 março 2011

Rotina à janela


                      Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres a rua que desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início de manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. 
  Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua.
Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar, esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
janelas.jpg
o teu gesto;
ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça.
Rotina – Nuno Júdice

E depois?



Ainda tenho os sons ... os textos rabiscados ... com que te reinventarei, a seguir?


Elvin Jones

O baterista de hoje chama-se Elvin Jones. É um gigante do jazz e ainda é vivo ou seja é uma lenda viva.
Elvin será sempre mais conhecido pela sua associação ao quarteto de John Coltrane mas a sua carreira não acabou aí.
Jones fez um percurso notável como líder e tem gravado discos desde há 30 anos até hoje.
Como é óbvio, Elvin tocou com muita gente diferente e foi e continua a ser uma influência inegável nos novos bateristas. Elvin Jones criou praticamente um estilo, uma escola.
Um dos seus grupos teve muita qualidade e chamava-se Elvin Jones Jazz Machine; no entanto, não é nenhum destes grupos que vamos hoje ouvir mas sim um tema tradicional que todos conhecem, tocado pelo Quarteto de John Coltrane. Quem está sentado à bateria é o nosso convidado Elvin Jones.
Ouçam, o tema chama-se “Greensleeves”

Até logo... que jazz se faz tarde
David Sobral


13 março 2011

15 anos


Um passeio ao Alentejo.
Os amigos, os mesmos amigos de há 40 anos. Tanto tempo!! Tínhamos 15 anos, queríamos tanta coisa, aos 15 anos. Queríamos cavalgar nas nuvens. Atravessar o tempo de mãos dadas. Éramos amigos; tínhamos uns aos outros para sempre.
Passados 40 anos, temo-nos uns aos outros, para sempre. Somos diferentes, agora. Mas temo-nos para sempre; não precisamos de o confirmar por palavras.
Dispersámo-nos nos percursos que trilhámos, mas encontramo-nos sempre, num fim de semana em Viseu ou à volta de uma mesa alentejana.
E os sonhos?
Alguns continuam a sonhar; podem sonhar ... a bola de cristal assim o determinou.

E eu? Eu que era a mais sonhadora no meio deste grupo de amigos, onde eu era a única rapariga.
Fui ficando "cabeça de família".
Onde vamos?
Pergunta-se à Isabel.
Quem avisa toda a gente?
A Isabel.
Isabel, quando reunimos todo o pessoal do liceu?
Isabel ... Isabel ...
Que Isabel é esta que não reconheço?
Quando chamam por mim, com o carinho de sempre?
Isabel ... Isabel
E eu gosto tanto deles! Mas essa era a outra ...

Tinha tantos sonhos, quando tinha 15 anos!
Tinha tantos sonhos aos 30!
Sonhos a partilhar. Só assim, valem a pena. Partilha ou solidão!
Agora, vou ... quero ir ... depois regresso ansiosa ... temo-nos uns aos outros ... encontamo-nos como sempre nos encontrámos, apesar das distâncias, ... sobretudo eu tenho-os a eles ... se me têm a mim ... não sei ...
Vejo tudo como se fora envolto em neblina.

Amanhã, um destes dias, será altura de encontrar outros amigos de outras épocas; depois jantar com outros ainda. Amizades muitas! Consolidadas a partir do trabalho, dos filhos, das férias, dos amigos dos filhos ... Vou sempre, não cortei as amarras, quero ir, gosto deles ... mas a ansiedade do regresso aos espaços vazios de ti vai sobrepondo camadas de névoa, envolvendo, sempre mais, o casulo onde me encerro.
Onde me sinto protegida de mim, da minha implacável saudade.
Onde me sinto fora do alcance da "insultuosa" normalidade da vida dos outros.
Onde me posso permitir olhar os restos de mim, sem ter de desviar os olhos dos olhares doces e compreensivos dos outros.
Quem serei eu, neste agora, neste espaço ... esvaziados que foram os sonhos dos meus 15 anos?


07 março 2011

Livros


Sem mais delongas e porque sempre gostei de ler e cada vez mais me esqueço dos títulos dos livros que vou lendo, decidi tomar notas aqui.
Com a quantidade de drogas que tomo para dormir e para a depressão chamada tristeza, a minha cabeça pifou. Aqui há uns dias, uma amiga minha perguntou-me que livros andava a ler ... e não fui capaz de lhe responder; não me saiu nada, apesar de puxar pela cabeça.
Foi o Manel quem veio em meu socorro e lá disse alguns dos que lera e qual andava a ler.
É o meu bibliotecário pessoas, tal como alguns têm um personal trainer.
Como se juntaram muitos, refiro-me, apenas, aos livros que li desde o início do ano.
Assim, aqui fica, para mim própria e alguém que queira ter informação sobre os livros. Uns melhores, outros piores. Claro que os pormenores podem sempre ser verificados na web.

"Seis suspeitos" de Vikas Swarup - Gostei muito. Reflecte a sociedade indiana, suas castas, corrupção dos mais altos governantes, ...

"O Diário de Eva Braun" - Simone Bernard-Dupré - Interessante. A relação amorosa de Eva Braun e Hitler e a forma como ela via o que se passava é o tema central do livro.

"Do fundo do coração" de Mary Higgins Clark" - Policial. Sempre gostei desta escritora. Não corri riscos ao comprar este livro.














"O Tigre Branco" de Aravind Adiga. Índia, castas, corrupção, relaçoes humanas ... Muito bom, mesmo.

"Entre os assassinatos" de Aravind Adiga, também. Gostei mas não tanto como do anterior.

"O jogo do anjo" de Carlos Ruiz Zafon. Médio. O primeiro era muito melhor. Não comprei o que está agora à venda porque fiquei desiludida com o segundo. Vamos ver ...

As Benevolentes"As Benevolentes" de Jonhathan Lintel. Livro grossíssimo. Demorei muito mas vale a pena. É um retrato de alguns episódios da segunda guerra mundial, vistos por uma alta patente que tem a particularidade de ser homossexual. O horror do fim da guerra, depois da invasão frustrada da Rússia.





"Os detectives selvagens" de Roberto Bolano. México, relações humanas entre intelectuais ... Um pouco confuso. Não Gostei.

2666"2666" de Roberto Bolano, também. Livro grossíssimo. Gostei mais. Diversos enredos que se entrelaçam, a partir da procura de um escritor famoso que nunca ninguém viu pessoalmente. O espaço predominante é Santa Teresa no México, mas também visitamos brevemente Paris, Londres, Milão. Demasiado entrecruzado para o descrever, neste espaço.




"Prenúncio de chuva" de Dennis Lehane (autor de Mystic River). Gostei muito.

"Cléo" de Helen Brown. Foi-me sugerido por uma amiga do facebook que, tal como eu, perdeu uma filha. Relata as vivências de uma mãe a quem morre um filho, num acidente de automóvel. Gostei.

"O barão trepador" de Ítalo Calvino. Li algumas páginas. Pu-lo de lado, para já. Exige muita concentração e o assunto é pouco motivador.

"Contos" de Alexandre Puchkin.  Gosta-se sempre. Leio-os, no intervalo dos outros ou quando vou de viagem. São contos curtos.

De Naguib Mahfouz, li a Trilogia do Cairo. Egipto, a sociedade egípcia, a revolução, as tradições familiares, o papel da mulher, a morte. São três volumes bem grossos. Gostei muito. Mas confesso que avancei aquelas passagens demasiado descritivas.

Ando a ler "Os filhos do nosso bairro" também de
Naguib Mahfouz - Prémio Nobel da Literatura


Estou a gostar.









Interrompi para ler um outro livro, sugerido também pela Ana Granja sobre a morte de alguém que nos é próximo. "Um homem de palavra" de Imma Monsó. Gostei, tanto da reflexão sobre a morte em si, como do estilo de escrita. Leio todos os livros que abordem a questão da morte de um filho.
Por hoje, chega. Faltam todos os outros que li, antes da doença e morte do David. Nessa altura, não conseguia ler; as letras dançavam à frente dos meus olhos, quase sempre cheios de lágrimas, na hora de deitar. 
Nessa altura, optei por fazer malha, cachecóis, ao ritmo da liga, meia, meia, meia, liga, laça, remata ... Era e ainda é uma actividade mecânica que esvazia a mente. 


Vou ter de ir à procura desses tais livros.





A seguir, tenho em fila de espera "No mar há crocodilos" de Fábio Geda.
No Mar Há Crocodilos - Ampliar Imagem

















05 março 2011

Fantasia?!





107478783, studiokime /Flickr




Reconstruo os pensamentos aos retalhos; cada sonho 
que ouso desenhar é feito dos restos
que desmembro em mim.
Mas.
Ao desvendar em cada pedaço
um todo sempre igual, volto a quebrá-los
Para não tecer desilusões.

   (A partir de um poema de Nuno Júdice)




04 março 2011

O silêncio que atordoa.



Acordei atordoada entre silêncio branco e solitário. 
Estranhei o meu corpo, o meu sentir e o espaço em meu redor.
Terei sonhado? Não me lembro de sonhar, há muito tempo.
Desde que te foste ... talvez.
O meu sono quando, finalmente, vem deve assemelhar-se a um buraco negro que tudo absorve.
Até os sonhos, ali, ficam prisioneiros.
Terei sonhado? Não me lembro ...
Senti que arrastava restos de mim ... ao levantar-me.
Pesada!
A porta fechada, ao fundo do corredor agride-me, nestes dias, como um murro no estômago.
Para lá dessa porta, alguém se espreguiçou ao sol do fim de tarde
Para lá dessa porta, ouviram-se improvisos de guitarra.
Para lá dessa porta, colavam-se sonhos na cortiça grossa da parede.
Para lá dessa porta, havia música.
Agora ...
 Receio o silêncio, que sempre me atordoa, para lá daquela porta ...




02 março 2011

"Vidala Triste"

Não sei o que tem este dia de hoje de mais especial do que os outros para que me sinta mais amargurada.
Os meus dias são assim. 
Flutuantes. 
Como as ondas do mar de Moledo que irrompem violentas pelo areal dentro, levando tudo à passagem ou se aquietam mansamente, bordejando de algas verdes a rocha onde te deixei.
Não sei o que me transporta para estas vagas da dor e da saudade!
Pois se eu me isolo, em ambientes que eu sei protectores!
Foi, certamente, algum raio de luz mais ténue ou algum timbre diferente na música ... 
um qualquer som mais teu ... 
que, subitamente, me endureceu o coração e me fez despertar para esta agonia que é saber que te perdi.
Surge num momento!
E instala-se ...


01 março 2011

Bóbó, bóbó!

Bóbó ... bóbó! 
Sim, Miguel, diz .... 
Bóbó, bóbó! 
Sim, Miguel, diz lá ... 
Bóbó, bóbó! 
O que queres à avó, Miguel? Diz! 
Bóbó, bobó ... 
E levanta-se da caminha de grades, inclina-se para mim, ao lado, sentada a ver se ele adormece ...  e esfrega o nariz dele no meu, enquanto esboça um sorriso maroto! O sorriso do meu neto; especialmente bonito e traquina.
Vá, Miguel, deita-te e dorme.
E tapo-o.
...
E ele destapa-se ... e levanta as pernas ... os pés ...
Bóbó, ...pa, ...pa
Tapa?
Tim, tim ...
Tapo quem?
MImi, mimi ...
E tapo-o, mais uma vez. 
(Está visto que, hoje, não é dia de sesta!)
Bóbó ... bóbó! 
Sim, Miguel, diz .... 
Bóbó, bóbó! BÓBÓ!!
Sim, Miguel, diz lá ... estou aqui ...
Destapa-se. 
Pernas e pés no ar ...
Bóbó, bóbó!
O que queres à avó, Miguel? Diz! 
Bóbó, bobó ... 
Assim, gastas-me o nome, Miguel!
E levanta-se, novamente, na caminha de grades e chega-se a mim e esfrega o nariz dele no meu e ri-se ... 
Bóbó!!
A cena repete-se mais uma, duas vezes ... na penumbra do quarto.
Dá para ver o sorriso e o brilho maroto no olhar.
Deixo! Estou divertida. Definitivamente, hoje, não é dia de sesta.
Bóbó, bóbó!
Sim, Miguel, vamos até lá abaixo? Lanchar?
Tim ...tim! Tim...tim!
Bóbó, bóbó!! A ne ...., a ne...
A Neve?
Tim. Tim.
Onde está?
Aqui, bóbó! Aqui!
E aponta para debaixo da cama, para onde deitou a gata.
O.K. Já tiro!
Mimi ... Mimi ...
Claro que é para o Miguel.
E lá descemos, o meu neto encavalitado na anca, mais a gata Neve e uma fralda.

Hoje, definitivamente, não era dia de sesta!













Me está doliendo una pena
y no la puedo parar 

y se revuelve en silencio
tumba abierta en soledad
y quiero hacerla cometa,
para poderla volar.

Me está ganando ésta pena
y no la quiero ceder
y busca por ser palabra
y es por hacerse entender
en brazos de mi guitarra
y la tengo que esconder
y en mi guitarra quisiera
dejar la pena llorar,
hacerla surco en el tiempo,
hacerla tiempo en la mar.

Ser con la mar un viento
que se la pueda llevar.
Me está doliendo ésta pena
acuñada en el portal
de éste vacío sonoro
que no sabe a dónde va,
de éste vacío que lloro
por quererlo remediar,
y en mi guitarra quisiera
dejar la pena llorar,
romper la monotonía
de éste pueblo en carnaval,
de éste pueblo que me duele
cada día más y más.

Y es que es una inmensa pena
que me tengo que callar.

Me está doliendo una pena...
y me tengo que callar.