20 março 2009

Inquietação



Percebo a preocupação do meu psiquiatra, quando me explicou que o David vai, cada vez mais, ser uma "coisa" minha. Que o falar muito da morte do David vai afastar as pessoas de mim.
Tenho reparado que, quando falo do meu filho (e que é muitas vezes), algumas pessoas mudam rapidamente de conversa.
Dizem-me que não devo falar porque sofro.
Como se o não falar me fizesse esquecer ou apagar do pensamento.
Sou, isso sim, incómoda.
Transporto comigo o reverso da vida; o fim; a partida de um filho.
Só o pensar nisso incomoda os outros.
A tristeza não é bem vinda neste dia-a-dia apressado, onde só o sucesso importa, onde é preciso manter a todo o custo a aparência de que somos fortes, seguros e determinados e, até, bem vestidos e "elegantes", onde os sentimentos ou os desabafos são vistos como fragilidades.
Não, isso, agora, não interessa; o que conta é sorrir, sorrir sempre; estar bem, não ter problemas à vista, ouvir as coisas só pela metade para poder estar atento a outras metades de conversa, na mesa ao lado ou ao fundo do corredor
Numa escuta constante, para não deixar escapar alguma coisa e perder o comboio.
Emanam uma euforia e agitação constantes.
Não se pára para olhar os olhos dos outros.
Na falta de temas soft, ligeiros e vazios que preencham as conversas, é preferível o silêncio.
Parece.
...
O David foi um exemplo muito nobre de como se pode viver, sabendo que virar a esquina pode não ser possível.
O David enternecia toda a gente.
O David viveu sofregamente a música, as luzes, as amizades, a vida.
Porque não falar dele, então, se nos pode indicar o melhor caminho a percorrer?
Eu sinto a dor, a saudade, o vazio...
Percorri com ele e como ele essa parte incerta da vida.
Tinha esperança, apesar de ma tirarem sempre e sempre e sempre.
...
Os outros podem limitar-se a tê-lo como um bom guia.
É quanto basta.
Mas eu...não.
É aqui que mora o David.
Onde posso falar...
Onde posso lamentar não ter aprendido com ele a não me ir embora de mim mesma.




Quem me dera ser
Tudo o que sonhei
Ser
Mas também terminar
Como tudo o resto
Termina

Se quiseres viver
para sempre

Deves viver o hoje
Apenas o hoje
A vida é o habituarmo-nos à morte diária.

David Sobral

7 comentários:

Anónimo disse...

QUEM ME DERA


Quem me dera ter-te aqui para te dizer

Que vale apena dizer mesmo sabendo

Que mais valera concluir o que sonhei

Mesmo se tudo tem que terminar

Que mais valera ter o hoje por garantido

Fecundo e intenso qual sonido

Mesmo se o morrer é garantido

E morre todo o dia renascido

Quem me dera ter-te aqui para dizer

Quanto vale a graça de teres nascido


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Março de 2009

Anónimo disse...

Isabel,

As suas palavras são tão verdadeiras!

A tristeza incomoda os outros, tem razão.

Continue a falar, a chorar, a suspirar o seu filho.

Assim ele viverá, sempre.

Um beijinho

Filomena

Ana Cristina disse...

Hoje à hora do almoço num intervalo para o café e entre conversas soltas, falei do David ás colegas que comigo estavam; algumas não sabiam que o meu olhar ausente e as lágrimas a bailar tinham nome de David.


Ouviram-me sem me interromper com um sorriso meigo nos lábios.
Algumas falaram também de outras perdas,de outros sofrimentos e dores.

Falarei sempre do David.
O David faz parte da minha vida e falar dele ajuda-me de afastar as imagens do dia 18 de Outubro de 2007.

Um beijinho.
Nini

Branca disse...

Mais uma vez fiquei impressionada com o pensamento do David, os seus versos, a sua mensagem e muito inpressionada também com estes versos do Jaime, belíssimos, sensíveis e na mesma linha de pensamento.
Isabel,não acho sinceramente que o seu Psiquiatra tenha absoluta razão, claro que ele a quer ver reagir, mas não me parece que lhe faça mal nenhum falar do David e se a reflexão que faz no seu texto àcerca deste mundo apressado e do facto de as pessoas não se olharem olhos nos olhos, isso vale para todos nós e todos os problemas, não é específicamente um problema da Isabel, mas felizmente ainda existem muitas excepções. Já falei do David no meu emprego a algumas pessoas, já abri no monitor a sua fotografia para o dar a conhecer. Ontem mesmo estava a falar dele com uma colega dedicada às artes que desconhecia ainda muitas das coisas que ele fez e abri o site do David para lhe mostrar e achei linda esta transmissão de conhecimentos. Se não falasse aqui do seu filho talvez não tivesse estas oportunidades de apreciar o que ele fez e nos deixou, quer na área da música e do espectáculo, quer como ser humano. Sabe, felizmente estou num grupo de trabalho de pessoas que viveram as mesmas lutas há 35 anos, que conheço desde essa época, são como irmãs e às vezes falo no David pelo que me orgulho e espanto por conhecer um jovem com uma sensibiliade e formação tão parecida com a nossa, daí o não me admirar a enorme afinidade que tinha com a mãe. Foi por isso mesmo que falei ontem dele, nem eu adivinhava que vinha aqui hoje encontrar inúmeros motivos de inspiração, quer para o post que penso fazer este fim de semana, quer para outro que virá mais tarde.
E porque acredito que nada é por acaso, se calhar não foi por acaso que ontem falei do David, nem foi por acaso que hoje vim aqui...
Muitos beijinhos para si.
Branca

Anónimo disse...

A Isabel tem vindo a eternizar o seu amado filho.Não há pior morte do que a do esquecimento.Se me permite um conselho amigo,siga a Voz do Seu Coração.António

Olga Almeida disse...

Isabel quero sempre ouvir falar do David! Será insuportável se assim não for... O David merece que se fale dele.
Um beijinho grande
olga

Anónimo disse...

Psique

Os Psiquiatras entendem a matéria dos sonhos, nós entendemos os próprios sonhos.

Manuela Baptista