Olha, meu filho, não resisto, às vezes, a fingir que me podes ouvir...
Triste ilusão a minha, não é?
Às vezes, penso também que, de alguma forma, nos prepararam, a ti, a mim, ao Manel.
Recordo, agora, aquelas frases ditas a medo "Isabel, tens que aproveitar ao máximo companhia do teu filho..."
Eu percebia mas fingia.
Ou acreditava mesmo que aquela realidade opaca, à minha frente, não podia existir.
Que era possível avançar, avançar, todos os dias, mais um bocadinho.
Só mais um bocadinho, se possível...
De que outra maneira poderíamos ter aguentado?
A verdade não pode ser dita a quem é tão jovem, tão cheio de vida, tão forte, apesar de tão frágil.
Não pode ser dita a quem não tem mais do que a própria esperança de vida.
Por isso, não percebo aquela reportagem do Público do fim de semana passada; onde os médicos dizem andar a aprender a saber dizer aos doentes que vão morrer.
Se for alguém em idade de morrer ...
Se for alguém que precise de deixar a vida "organizada"...
Se for alguém que precise e insista em saber...
Posso compreender.
Mas quando nada há a organizar, nada há perder...
Quando as perguntas não surgem; porque se receia a resposta?
Querem insistir em dizer?
Não percebo.
E por muito que me critiquem, acho que a notícia duma morte anunciada a um jovem que não desiste de lutar, embora possa suspeitar, é pior do que a tão perturbadora e polémica eutanásia, junto de quem estando vivo, porque apenas o coração ainda bate, está dorido, está "morto" para si e para os outros; um corpo sofrido numa cama, donde nunca sairá, donde não acordará. Amarrado a uma prisão que se chama dor. Só dor.
Mas quando se é autónomo e se sabe que "algo" lá dentro não está bem e, no entanto, se despreza a doença...
Então esta notícia é, de facto, a morte! Uma morte mil vezes mais dolorosa; estando vivo, estando acordado, estando apaixonado pela vida e querer saboreá-la até ao fim...
E, então, que o fim seja apenas um adormecer lento e profundo.
Sabendo, sentindo uma mão meiga, ali, pertinho.
Segura e calma, que, ainda assim, nos acompanha.
Foi bom ter sido assim...
Podermos ter bebido cada gotinha de vida.
E tenho saudades ... de ti, de cada bocadinho de tempo, de cada sorriso mesmo ténue, de cada momento de engano, de cada mentira piedosa.
Não teria sido possível, de outra forma.
Estranho dizer "foi bom ter sido assim" e sentir-me triste.
Uma tristeza tão imensa.
Astor Piazzolla Olá, caros ouvintes, hoje a semana começa com um músico que, não sendo um músico de jazz, deve muito ao jazz e o jazz também lhe deve muito a ele. O convidado de hoje chama-se Astor Piazzolla e é argentino.
Este nosso convidado apesar de ter aspecto de avô rezingão é um senhor com óptimo sentido de humor. Nos concertos e nos intervalos entre as músicas Astor fartava-se de dizer piadinhas e de pôr o público a rir. Astor Piazzolla falava espanhol, francês, alemão, inglês e penso que também grego e turco.
Inicialmente, Astor queria ser um compositor de música clássica por estar farto da música argentina. Até que um dia, a compositora e sua tutora Nadia Boulanger lhe disse que ele se devia virar para as suas raízes e construir dali a música que queria.
Foi então o que Piazolla decidiu fazer - olhar para o Tango e a transformá-lo.
Desta forma Piazzolla criou aquilo a que chamou ele próprio o “Nuevo Tango” e tornou-se no compositor argentino mais conceituado do mundo.
Por hoje já chega de teoria e vamos passar à prática. Fiquem com o Astor Piazzolla.
Até logo que... Jaaz Faz Tarde
David Sobral (Setº 2003)
Astor Piazzola