À delicada Filomena, queria dizer que, pelo menos até agora, publiquei todos os comentários que aqui são feitos.
Todos trazem a boa vontade de todos os que escrevem.
Todos trazem uma dose grande de solidariedade.
Respeito todos os que me escrevem, no blog ou directamente.
Se todos vemos tudo da mesma maneira? Não, não vemos.
E ainda bem.
Já todos perceberam que não acredito em vida depois da morte, que não acredito em Deus.
Deus tirou-me um filho?
Não, não tirou.
Seria demasiada maldade...
É apenas a vida.Tantas vezes, madrasta.
Tal como o David, acredito nos homens, na bondade e naquilo que cada um pode dar de si aos outros.
Pode ser a Fé que têm.
Sempre a aceitámos, eu e ele.
Por isso, Filomena, por que razão não publicaria o seu comentário. É a sua parte de sofrimento pela minha dor.
Quanto a deixar o David partir… deixei…deixei, sem pedir mais um bocadinho.
Fingi serenidade, quando confirmaram que eu sairia, desta vez sozinha, daquele quarto de hospital. O David ficaria ... mas eu fingia.
Deixei, sem um queixume visível, que lhe tirassem o soro, quando me explicaram que isso só lhe causaria desconforto.
Ouvi, sem um lamento visível, dizerem-me que o David iria entrar em coma.
Acatei, sem uma lágrima visível, quando me disseram, pela manhã do dia 18 de Outubro, que o David iria morrer naquele dia; que não faltava muito.
Continuei (tentei) a fazer o que sempre fizera, sem ansiedade visível - falar-lhe de música, de projectos, do regresso a casa; acariciar-lhe a mão; dar um beijo na testa.
Mesmo quando já estava em coma.
Todos (muito poucos) os que entraram naquele quarto de hospital, antes do David morrer e mesmo já em coma, foram proibidos de deitar uma lágrima, de pronunciar uma palavra menos alegre, de usar um tom de voz menos confiante.
Foi isso que impus aos outros e me impus, a mim própria.
Se custou?
Ainda, agora, não sei como fui capaz...
Mas um filho leva-nos ao limite das forças.
Queria deixá-lo ir, sereno, livre de continuar a sonhar com palcos e luzes e risos e música…com a mãe, sempre, a apoiá-lo.
Nunca, em dezoito meses de doença, o meu filho viu uma lágrima minha ou um ar desesperado.
Ele sabia o quanto eu sofreria.
Mas nunca desistimos e acreditávamos que tudo iria melhorar.
Dizia que eu era a mãe coragem, a rocha firme ao lado dele.
(Ele é que era a rocha, a coragem!)
Foi assim, até eu poder chorar.
Mas só depois de ele ter partido.
Acredite, Filomena, que o libertei.
E ele sabia que seria, assim, se tivesse que ser...
Tivemos conversas estranhas, penosas para mim. Em que só eu ouvia.
Às vezes, penso que se, por um misterioso acaso, ele andasse por aí, empoleirado numa nuvem e me visse, me sorriria, certamente.
Sei que teria orgulho em mim… porque saberia que eu estou a fazer o melhor que posso e sei.
Ainda me revejo, em tudo o que faço, nos olhos do meu filho, no seu ar de crítica ou de elogio.
E sinto que não o estou a defraudar.
Vou devagarinho.
Acredite, Filomena!
E obrigada.
Um abraço
Isabel