16 novembro 2012

Antes como agora


O tempo regressa, infalível.
Irreverente e obstinado.
Como o frio.
O tempo sempre.

Permanente na tua ausência tão presente!
Impõe a saudade que vem do passado
Percorridos que foram longos caminhos oblíquos.
Refugia-se num aperto de garganta
Emudecida por brumas de angústia do futuro.
Desencontro de tempos.


Tranco-o no pensamento.
Aprisiono-o num punho fechado para que não fuja.
Em direção às saudades que já tenho do futuro
Que seria.

Que fazer com o tempo?
Ou com os intervalos de tempo?
...
Aconchegar-me na eternidade de um olhar sereno
E antes, como agora.
Cavalgar o tempo.








14 novembro 2012

Humano ou fera?


E não sei como manter a fé no género humano!

Hoje, IPO-Porto, da cama do lado
incapaz (por falta de força) de carregar na campainha, a dona M. C.
toda ela dor
toda ela tristeza nos olhos fundos
toda ela palidez
toda ela saudades do filho
(que sempre vem)
toda ela tempo de espera pelo alívio da dor, na próxima injeção ... gemeu..
"Está com dores, dona M.C.?"
Sorriu-me do fundo dos olhos negros.
Que sim.
Toquei.
Uma bata verde, à entrada da enfermaria.
"Que se passa?"
"Por favor, diga à enfermeira que a dona M. C. está com dores. Pediram de avisasse mal a dor desse sinal!"
"Vou avisar."
E desligou-se o piscar vermelho do pedir ajuda.
Lá fora, no corredor, o som das vozes.
"Enfermeira, a senhora da cama 20 está com dores!"

Um voz sem rosto.
"Outra vez??"

Mesmo assim, a dona M. C. sorriu-me!

E apetece-me recordar Inês de Castro, quando se apresenta perante o rei, avô dos seus filhos ...

"Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre liões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.










07 novembro 2012

Falar por falar ...


Tenho destas noites.
O coração dissolve-se
Os olhos vagueiam pela páginas do livro que me acompanha.
"A ponte sobre o rio Drina"
Hoje o olhar, qual vagabundo,
Perde-se por entre frases e pontes e vidas e rios que não desaguam.
Perde-se nos intervalos brancos
Deixados pelas personagens que entram ou saem
Eu não me fixo nelas
Já vou à frente...
Mais à frente
Lá mais longe
Onde não me vejam pensar
Onde não reparem naquela palavra certeira que me faz sobrer
Que me faz tremer
Que me pressiona a ler ...
E eu fujo de pensar.
Pensar é doloroso.
Ainda mais quando se repousa a cabeça entre os dois braços.
Para pensar, melhor e mais claramente, seguramente.
Mas eu não quero pensar ...
Não dessa maneira
Os olhos inundam-se
O ar ausenta-se, a respiração pesada.

Quero regressar atrás. 
Ao ponto de partida ...
Saberei qual foi?
Só regressar
Qual sombra por sob o sol.