28 junho 2011

Quanto vale o Amor?

Às vezes, em breves encontros, perguntam-me em tom de quem não espera resposta ... se eu não gosto da situação emocional em que vivo, sempre volteando, volteando em volta do David.
Soa-me sempre a pergunta de retórica!
Quase me asseguram que é assim, que eu me acomodei e nada faço para sair deste estado de contínua dor a que me habituei.
Não sei bem o que respondo.
Será que é para responder?
E que resposta daria ou devo dar?
A falta que o David me faz tem cor; é da cor do sangue da ferida que não sara.
É transparente como o tempo que me afasta dele e não se adensa; não se apagam as torturas que sofremos. Eu e ele.
Gosto desta situação?
Não!
Porque o David morreu e eu sinto-lhe a falta do sorriso, do cheiro, do modo de andar, das gargalhadas sonoras, da música que se ouvia mal ele entrava em casa, das notícias que trazia do dia, da rua.

Como poderia gostar?
E no entanto, não imagino os meus dias de outra forma ... sem a sensação desta perda recente e intemporal.
Não me imagino sem sofrimento; faz parte do que sou.
Está presente em cada dia que passa, em cada olhar que lanço em busca das eólicas no cimo do monte fronteiro ao nosso pátio de Moledo, em cada som (ainda que distante) do marulhar das ondas, no colorido do céu ao lusco-fusco.
A amargura da ausência do meu filho é uma permanente presença.

Talvez inconscientemente eu não aceite viver aquilo que ele já não pode viver.
Seria um direito meu ... se também fosse dele.
Mas não é!
As raízes que nos prendiam à vida, o olhar confiante com que brindávamos o amanhecer ... tudo, tudo nos foi violentamente arrancado.
Doeu tanto! Engolimos tanto desespero! Secou-se-nos a garganta de medo. As palavras deixaram de ter significado. Só as lágrimas, no escuro, falavam verdade.

Que posso responder aos que me questionam?
Que sabem elas da morte do filho a quem se deu vida?
Que sabem elas da intensidade do amor que eu tinha e tenho pelo meu filho?
Saberão que talvez não saibam?
Talvez não queiram saber.
Talvez não tenham consciência de que a proximidade do experimentar esse tipo de dor ... ela própria provoca um calafrio instintivo de rejeição.
Por ser dolorosa, já.
Talvez por isso me digam que não entendem o meu luto.
O meu chorar.



21 junho 2011

Bem vindo Luís

Ando esquecida.
Não de mais um dia 18 que passou.
Passei o dia em Arouca, em casa da Belita.
Gostava de um dia lá voltar, a Arouca, com mais tempo ... para ficar um pouco .
Arouca representa a minha juventude; representa a força da amizade que quebra a barreira do tempo; representa a inocência e a crença de que o futuro virá envolto em tule cor-de-rosa.
Algo no meu percurso falhou. Um desvio fatal.
Arouca é mais ainda do que Moledo, em termos de derrota pessoal; em termos de tragédia.
Arouca é talvez a minha Ítaca.
Regresso mais velha, mais experiente ... e, no entanto, tão mais triste e despojada de sonhos e ilusões.
Foi um dia 18, em Arouca.
O primeiro neto da Belita começou a dar sinais de querer nascer.
Felizmente, nasceu já na madrugada do dia 19.
Não disse a ninguém; não poderia ter dito a ninguém, mas, interiormente, receava que ele nascesse a 18.
A 18, o meu filho morreu! Que me interessa o mês? Foi numa hora exacta, num dia exacto, 18.
Festejaria sempre o nascimento do neto da Belita!
Mas teria sempre de partilhar esse dia alegre com uma profunda tristeza.
Assim, 19 foi o dia de dar as boas vindas ao Luís.
E que seja muito feliz, este menino.

15 junho 2011

Só pode ser saudade.

Parece que existe Lua e que a Lua gira à volta da Terra que gira à volta do Sol ... levando atrás de si ... a Lua, também.
Alguém descobriu, um dia, há muitos anos, a força da gravidade.
É o que une a Lua à Terra e a Terra e a Lua ao Sol.
Assim ... indefinidamente ... talvez
Fui, em tempos, devoradora de livros de divulgação científica para "gente de letras", como eu.
Agora, parei.

Hoje, visitei o blog da Casa da Mestra - turismo rural - da minha amiga mais antiga.
Tínhamos 10 anos e eu caíra em Arouca, de pára-quedas. Filha que era de um funcionário público de Finanças e que, antes do 25 de Abril, era obrigado a saltar de terra em terra, a cada 5 anos ... por causa da "corrupção"!
Arouca entrou assim no meu percurso de vida e na minha vida.
Foram os melhores tempos!
Daí se mantém a minha amizade com a Belita que vive entre Arouca e o Porto, todos os dias.
Regresso lá, de vez em quando!
Ou visito o blog da Casa do Soto ... para descansar os olhos naquela paisagem serena e feérica que a rodeia.

Mas que elo de ligação terá a minha cabeça cansada encontrado entre o Sol, a Lua, a Terra e Arouca?
Só pode ser a saudade da minha juventude, antes de saber que daria à luz um rapazinho, a quem daria o nome de David.
E que morreu, antes de mim, sem pedir licença.
Só pode ser a saudade dos tempos em que procurava no céu, as estrelas de que falavam os livros.
Só pode ser a saudade de um eclipse da Lua, durante a madrugada, em Moledo, ... ainda acompanhada pelo David.
Que morreu, sem pedir licença, antes de mim.

Só pode ser a saudade.
E este aperto na garganta.



05 junho 2011

Ta petite flamme ...




Às vezes não tenho palavras.
Senão as que repito!
De saudades.
Mais saudades...
Da tua voz.
Do teu olhar.
Do teu contacto físico.
Às vezes, não há palavras ...
Para o que sinto em demasia.





01 junho 2011

Para o meu neto, o Miguel


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Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.
Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual
vacila ante a interrogação
gravada em mim
impressa no ar.
Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar?

Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prémios, complacência
milhões de coisas desejadas,
concedidas sem reticências?

Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento!
  
Submeter-me à sua vontade
sem ponderar, sem discutir?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir?

E se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente?
  
Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança?
Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança? 

Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.

Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.

Carlos Drummond de Andrade