24 janeiro 2011



Existo de existir, 
não de viver.
Apenas ser ...
 num dado momento dos meus dias flutuantes de mágoa 
ou do quase esquecimento dela.
Às vezes.
Existo ... de permanecer aqui, 
de resistir
sem que os meus olhos se aventurem mais além do que o sol pôr.





Se

É como se
sentisse que a vida me foge.
É como se,
das pontas dos dedos, eflúvio inútil, um magnetismo se escapasse inócuo,
sem penetrar as pessoas e as coisas.

É como se
eu sentisse em mim um vaso, um lago, um mar,
e se esvaísse o nível dele.
É como se
a fala, a minha e a dos outros, soasse com surdina
e se perdesse sem tinido num lençol de neve.

É como se
um frio me cobrisse resistindo a tudo, e se
nenhum entusiasmo, nenhum esquecimento, nada, se
mantivesse em mim que os ouço e sinto e me ouço.

É como se
nem mesmo a morte ou mesmo a sobrevida se
pudessem demorar mais do que isto.

Se
ainda escrevo, estou escrevendo, escreverei, é como se
as palavras juntando-se criassem, mais do que um sentido semelhante
a outros ou diverso, apenas um silêncio e se
fizessem fuga de que vivo só,
alguém que assiste, mas não se conhece vivo.

É como se
ouvindo e vendo, se
passasse ao longe tudo, e se
ouvisse e visse o que não se
ouve nem vê.
Ou se,
em vez de nada, se
criasse nada, e se,
na melancolia de um sono imenso de que se
não adormece,
desse um sono maior do que o da morte ou do amor.

Jorge de Sena

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