Cruzo os braços.
Dobro o horizonte, quero regressar ao ano antigo e ao outro e ao outro. E ainda outro. Onde tenha dois filhos. Não quero ser empurrada para um novo ano. Que não seja 11. Ou 12. Não quero que cresça a lonjura que eu continuo a percorrer.
Tenho a alma coberta de dor! Mas que alma? Quem a vê?
E que dor? A que ninguém vê porque não se vê.
A minha dor dói, corta-me, range dentro de mim, muito profundo ou ... atrás da cabeça. Não sei. Às vezes, sinto como se uma lâmina tivesse cortado, na vertical, a minha cabeça em duas.
É na parte de trás, resguardado dos olhares e dos ouvidos, que penso outros pensamentos, que vivo mil vezes uma outra vida já vivida. É lá que sinto a saudade e ganas de dar gritos de fúria. É lá que repito até à exaustão que não, que não compreendo, que não aceito, que não sei como aconteceu tão subitamente ter gerado um filho e ele não existir. A cama nunca desfeita ... no entanto, um cheiro distante ainda no roupão. É lá que sinto que se cerraram as portas duma parte de mim. É lá que uma parte de mim já desistiu, cansada e desenganada, de projectos, de quereres. Lá, já não formulo desejos, nada de fantasias tolas. Quero encostar a cabeça, trancar os olhos, ficar-me no pensar ou sentir ou choro ou desconsolo ... o que vier.
Descruzo os braços.
A parte da frente da cabeça aberta para o mundo ... essa continua a viver, como se viver, mesmo assim, fosse normal.
E, deste lado, é.
Tem de ser, mamã! - diria, certamente, o David