Um passeio em grupo, dos antigos.
Num impulso de coragem.
Viseu, desta vez, por que não?
Montebello, um hotel confortável e acolhedor; quarto quentinho e espaçoso.
Um almoço a quatro, ao lado da Sé, um lento escorregar pela Rua Direita, onde o sol projecta as sombras dos telhados.
Ao fundo, o Teatro Viriato. E eu a atravessar o fosso do tempo, para trás, para trás.
Uma lágrima repentina a escorrer.
Ninguém a reparar.
Uma descida, agora, a oito, no funicular.
Um passeio pelo Polis de Viseu, que nos leva até ao rio, antes raramente apercebido.
Passos lentos, conversas cadenciadas, monólogos interrompidos ... alguns risos, algumas piadas antigas. Sinto-me segura.
Quatro de nós somos velhos amigos. Quarenta anos!
Somos um velho grupo de amigos. Vinte anos?
O funicular sobe esforçado.
Anoitece.
O meu coração esmorece.
Como a noite. E sinto a saudade a crescer.
...
O mesmo ritual, repouso no hotel antes de sair para jantar.
O velho Cortiço.
As mesmas conversas, sempre diversas, às vezes, mais calorosas, porque somos diferentes.
Diferenças que a amizade dilui.
Mais um jantar que acaba nos mesmos risos, em piadas de sabor antigo, embora renovadas. Um porto seguro.
Recolher rápido sob os 4 ou 5 graus negativos.
Os corpos distendem-se pelos sofás, no hotel, antes de dormir.
Jornais que se lêem, revistas que se folheiam, um jogo de futebol entrecortado de comentários sobre a cidade de Viseu, partilhados através de uma consulta rápida na net.
Alguém fala do Chiado de Lisboa.
Uma faísca salta do recanto da memória. Lágrimas que não controlo e mostro a fotografia que trago comigo.
Eu e o David no Chiado; as marcas da doença já visíveis.
Dois sorrisos serenos. Como aconteceu não restar nada?
....
Um pequeno-almoço a sete e a conversa já vai acalorada. Caótica.
Este país ... a situação politica ... empregadas domésticas ... esta cidade .... e a miséria e a fome envergonhada a aumentar ... Buenos Aires ... divórcios inesperados ...
Foi sempre assim. É bom que continue a ser assim; caótica mas perceptível entre nós.
O Museu Grão Vasco. Um aldeia medieval recuperada. Uma estradinha romana.
Mais um almoço.
Que é feito desta? Tens visto aquele? E os filhos? Que fazem? Quando nos veremos?
Estamos quase a partir. Para o Porto. Para o Alentejo.
Não é um regresso como os antigos; em casa, espera-me o vazio. O teu quarto vazio. Apercebo-me de que estou ansiosa por regressar porque até dos teus lugares vazios, em casa, tenho saudades.
...
Cheguei.
Sinto-me cansada.
Gostei de rever os amigos. Mas resistir “bem” fora do meu canto toma-me todas as energias.
As mãos tremem-me e a cabeça abandona-se no encosto do sofá, temerosa do dia de amanhã.
Aquele mesmo peso no estômago ... aquele não querer pensar, falar ou ouvir ... de quem sente que o caminhar, o tentar, o esforçar-se (por mim, pelos outros) já não me leva onde, antes, supunha poder levar.
...
Os meus livros chegaram. Estão ali encaixotados.
Alguém quererá ler o que se esconde por detrás do teu sorriso tímido e maroto, nas capas?
É só onde te podem ver!!
Foi o que restou de todo este tempo com que ainda não aprendi a lidar?
Sei perguntar.
A nada sei responder?