Existe o antes e o depois da morte de um filho.
Do meu filho David.
O depois é tão pesado e intenso que esmaga o antes. Como se tudo o que vivi tivesse sido apenas sonhado.
No entanto, existiu, eu sei; tenho a memória de ter havido um passado … e aprisiono as imagens, na tentativa de lhes rever os contornos.
Mas as imagens são baças e só por breves, brevíssimos instantes, consigo, às vezes, colocar-me no centro delas.
E, nunca, nenhuma das imagens corresponde ao que sinto ter sido; apenas as palavras com que falo ou ouço falar delas me colam ao tempo, aos factos, aos lugares.
Mesmo essas palavras, que me situam, apodrecem e quebram-se, muitas vezes e subitamente, sob a carga do esforço que faço para me fixar, no antes ...
E tudo se perde, novamente, nas brumas desse tempo antigo onde eu sei que estive, do qual tenho marcas visíveis e amigos verdadeiros que percorreram comigo os dias de antes e se mantêm no depois que é este agora. Um presente esfacelado.
O passado que, às vezes, partilham comigo e onde eu estive, certamente, por inteiro ... parece-me estranho e só muito tenuemente o sinto como comum.
Porque esta que sou, agora, reergueu-se diminuída, fragilizada, incompleta ... no dia em que o David morreu.
Uma parte de mim perdeu-se.
Não se transformou nem deu lugar a um outro eu ...
Mesmo que diferente.
Mesmo que mais ausente.
Mesmo que mais sonâmbulo.
Perdeu-se, definitivamente, com a morte do David.
Sinto-o, a cada dia que passa ...
Hoje, está a ser um dia mais triste.
Porquê?
Porque me acontece.
Apenas.
2 comentários:
HOJE
Hoje está a ser um dia mais triste porque aqui vem ávida das imagens que se fixam nesses contidos contornos de palavras em que se coloca e fixa no centro delas para nelas dizer que já não é o que foi e que se perdeu para sempre e que assim dizendo retém para de novo se colocar no seu centro como personagem de corpo inteiro desenhado pela tinta do que teima em ser
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Junho de 2010
Um beijo....
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