29 fevereiro 2008

Talismã


Hoje, é dia de poema. Faltam palavras. A dor e a saudade sobram.
Tudo é demasiado!


Talismã
Ofereces-me uma pedra negra mágica que trazes do norte
e as minhas palavras e as minhas mãos detêm-se sem saber
por quanto tempo irão ficar na soleira da noite e do dia
tacteamos os corpos em busca de memórias adormecidas
ocultas por sucessivas camadas de palavras por dizer
deslizamos para o chão sem resposta e o fumo sobe
equilibra-se em nuvem sobre as nossas cabeças e evola-se
em direcção a uma lua vermelha momentaneamente apagada
ao som do bob marley fazes as malas e partes e eu fico
a arrumar as minhas mãos e as palavras atrapalhadas
no fumo desorientado pela ausência de um ponto cardeal
junto cuidadosamente os teus cabelos rubros perdidos
entranço uma bola de fogo e guardo-a na memória
acendo uma dúzia de paus de incenso e imagino uma igreja
de odoradores do silêncio que escorre por entre as preces
a tua pedra negra regressa à minha mão fechada
e ilumina como um sol a minha noite em claro
virás por uma palavra?

Carlos Alberto Machado

Este é um blog que entristeceu

Dir-me-ias

Abre a mente
Olha em frente
Afasta o teu lado negro
Do momento
Não inventes pesadelos
Não te rendas
Foge desse apelo
Que te atrai
E que te puxa
Respira
E sobe à tona
Vês?
Acabou
O que custou?


Sufoco
Não respondo
Naturalmente me debruço
No peitoril da vida
...
Vejo uma mulher
Que passa solitária
Escurecida
De olhos vazios
Segue em frente
Sem rumo (ao que parece!)
...
Não tem que ser assim
A vida.
Fecho a janela...

Isabel

27 fevereiro 2008

Há um ano...

Os meus diários, as minhas agendas e as agendas do David permitem-me reviver aquilo que, eventualmente, possa esquecer. É pouco provável que alguma coisa relacionada com o meu filhote mais novo saia do labirinto da minha memória, mas, nem sempre consigo localizar, com exactidão o dia, a hora, o momento.

Hoje, tenho recuado, várias vezes, ao longo do dia, até ao ano passado - 2007.
No ano passado, neste dia, eu e o David partíamos para Santiago de Compostela, onde o Drumming ia apresentar o "Zapping - um tributo a Frank Zappa".
Tinha pedido ao médico que lhe desse uma folga nos tratamentos de quimio que fazia, sempre à segunda-feira. Estava, por isso, bem disposto e relativamente descansado.

Eu acompanhei-o, a pedido dele, tal como fiz muitas outras vezes, em que se deslocava para mais longe. Também eu tive oportunidade de experimentar a sensação de "andar na estrada"!
O David sentia-se mais seguro comigo por perto e também me cabia a tarefa de fazer com que não se esquecesse de tomar os medicamentos de hervanária que eu levava, sempre, numa mala térmica.

Foi um tempo bom. Ele gostava da "estrada", era meio cigano e adorava poder trabalhar em vários teatros. Sobretudo, gostava de ir a Espanha; achava que os espanhóis, neste caso, os galegos prezavam bastante a cultura.
E fez-se à estrada, com os rituais que lhe eram habituais - guardar material de luz a usar, pôr música a tocar, adaptar o auricular, óculos escuros, mangas da camisa arregaçadas, garrafa de água por perto e mapa das estradas actualizado, com percurso previamente estudado...
Tudo com grande profissionalismo!
Dessa vez, a música era tola - Corações de Atum, dos Ena Pá 2000 - só com disparates pelo meio. Mas não fazia cerimónia comigo ... eu era da equipa! E cada vez mais cúmplice...

Ainda passámos a buscar o colega do som, em Matosinhos.
Eu vim para o assento de trás.
E, durante toda a viagem, o David falou dos projectos que tinha, da empresa de gestão cultural que ia fazer, do percurso escolar e da pós-graduação que fizera, dos contactos que tinha em várias partes do mundo, dum artigo seu que saíra numa revista americana da especialidade, ....
Falou sempre, o tempo todo, sem manifestações de cansaço ou tristeza por ter a doença que tinha.
A doença era um acidente de percurso que ele ia vencer, com toda a certeza e optimismo com que contagiava toda a gente.
Eu, atrás, ouvia, ouvia e pensava como era espantosa a coragem e digidade daquele meu rapazinho.

Estivémos dois dias em Santiago de Compostela, dava-lhe distância para que ele não sentisse a presença da mãe e pudesse estar à vontade com os músicos (também amigos) do Drumming.
Só o ia "perturbar" às horas de tomar "os líquidos do Sr. António". Depois, sumia-me, outra vez...
Passeei-me pelas livrarias que encontrava, li nos cafés, visitei o Centro de Arte de Santiago de Compostela e comia umas coisas nas confeitarias, por perto. Ou ia até ao hotel e descansava porque também eu andava um pouco exausta do corropio que era a vida.
Mas valia a pena. Tudo valeu a pena porque o David só podia ficar bom.
"Há coisas que não podem acontecer!", dizia-me a minha amiga Teresa Bernardo. E tinha que ser assim, também para mim, para o Manel, para todos (e eram muitos!) os que adoravam o David.

Tudo parecia correr bem e, nessa altura, o tempo era de esperança. E o David conseguia ser feliz. Apenas isso interessava. Nada mais. Vivíamos para isso...

Mas, hoje, tudo me parece um sonho... Em que, às vezes, ainda não acredito.
E pairo neste intervalo!
Passou um ano... Estávamos em Santiago de Compostela.

Isabel

Há dias e dias

Boa noite

Cá estou, à hora da insónia!

Hoje terminei a leitura do Capitão Alatriste, de Arturo Perez Reverte.
Contra o habitual e sendo um livro pequeno, demorei vários dias. É que, pelo meio, a minha atenção dispara para aquilo em que devo tentar não pensar continuamente (mas penso!) - o desaparecimento do David.

Como não estava em condições de pegar no sono, pus-me a ler a revista Magazine Artes que passei a comprar... O David comprava-a regularmente. Eu já a tinha folheado algumas vezes e sabia que essa uma das fontes de recolha da vasta informação cultural de que ele dispunha, para estar sempre a par de tudo o que acontecia no mundo do cinema, do teatro, da música e, claro, do espectáculo. Nada escapava àquele meu rapaz.

Pus-me, então, a ler a entrevista ao Luiz Pacheco, escabroso como sempre. E, à medida que ia lendo e sorrindo, ouvi "nitidamente" as gargalhadas saudáveis do meu filho, que delirava com as respostas do estranho Luiz Pacheco.
Acho que foi a primeira vez, desde o dia 18 de Outubro, que o "vi", sorridente e com aquele sentido de humor que o caracterizava e que, apesar de fragilizado nos últimos dias no hospital, continuava a manifestar-se em pequeninas coisas que dizia.

O mundo da cultura e os projectos que tinha ocupavam-mo, por inteiro, mesmo no seu subconsciente... Ou as enfermeiras de serviço não teriam assistido, na noite de 15 de Outubro, à cena com que depararam naquele quarto nº24, do 4º piso do HGSA - o David "falava comigo", um pouco adormecido, mas perfeitamente audível, dizendo, em inglês perfeitamente correcto, excertos da peça Macbeth, de Sheakespeare.

Era isto que dizia:

MACBETH

She should have died hereafter;
There would have been a time for such a word.
To-morrow, and to-morrow, and to-morrow,
Creeps in this petty pace from day to day
To the last syllable of recorded time,
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

É impossível não reviver estes últimos momentos que passei com ele.
Será possível esquecer estas recordações espantosas, mas tristes e melancólicas, que guardo a sete chaves, no coração, o tal órgão onde se diz que se guarda o Amor?
Asseguro que não me é possível. E regressarei mil vezes a esses dias!
Se o tempo se desdobra em mil pedacinhos, também o coração se desdobra em mil cantinhos, onde guardo, da mesma fora, os que me acompanham, aqui e agora.
E quem aí vem para eu adorar...

Bom acordar!
Isabel

26 fevereiro 2008

Um porto de abrigo

A noite, mesmo noite, sempre foi o meu porto de abrigo. Durante os dezoito meses de doença do David, foi a noite a única testemunha das minhas lágrimas e dos meus pedidos silenciosos de que tudo corresse bem.
Foi sempre o meu pedacinho de tempo de me esvaziar, esconjurar fantasmas e me preparar para o dia seguinte.
A noite sabia que eu não aguentaria um desenlace triste porque, simplesmente, não se aguenta.

Ainda não tinha adormecido, mas acordei sobressaltada. Estavas, ali, ao meu lado. Tudo tinha passado e nada havia a temer, estava tudo ultrapassado...
Não queria abrir os olhos por que tinha medo que não fosse verdade.
Mas foi...foste embora. Regressas, de vez em quando, pé ante pé, ao meu quarto, silencioso para não incomodar.
Apenas para me dizeres, baixinho, que precisas de mim.

Agora, a noite já não me protege, já não há ilusões. Por isso, aqui me encontra, pela madrugada.
Cada noite, depois da luz apagada, penso:
  • Se o sono tardar, talvez recue até às planícies louras e curvas do alentejo, que sempre teve o condão de me acalmar.
  • Se o sono teimar em não chegar, subirei à Frecha e descerei ao fundo da Mijarela da minha juventude. E molharei os pés e o cabelo nas águas geladas da cascata.
  • Se, mesmo assim, o sono não bater à minha porta, partirei para o lago d'Aosta, andarei de barco, verei casas lacustres frescas e sombrias, de venezianas corridas, e onde se dorme a sesta e pensarei que a vida me sorri.
  • Se o sono não me quiser, mesmo assim, cansada já de tantas viagens, agarrar-me-ei, de novo, a ti; dar-te-ei a mão e só te largarei quando não me sentir respirar.
Mas o sono não vem e penso no que sou, no que em mim se franformou; terá sido só a essência ou também a aparência?
Não sei, porque estou fechada no meu casulo. Só ouço e vejo ao longe e as palavras já não significam..
São Belas Adormecidas à espera. Perderam valor, não sigificam nada e ao meu refúgio, chegam de muito
longe...
longe...
sem sentido
sem afecto
sem ternura
Só SOM!
E eu não conheço bem os sigificados que, agora, têm.
Ando perdida em palavras e na total ausência delas. Estranho mundo, o meu...

Ficam as palavras do David.

Desamparado

Agora que estou aqui
Preciso eu de ti
De um grande abraço
Forte como um laço
Que não me separe de ti
Mas um dia sei
Que tu me deixarás
Sei que este belo laço
Terá um trágico desenlace
Que me deixará inocente
Com lágrimas
Por toda a minha face
David Sobral

Bom Amanhecer!

Isabel

25 fevereiro 2008

As palavras


Como de costume, deitei-me, por volta da uma ou duas da manhã porque não tenho sono, mesmo tendo tomado uma pastilha milagrosa, ao jantar.
Como de costume, escrevo ao David e dedico-lhe um poema, escolhido, diariamente, conforme o meu estado de espírito.
Como de costume, depois de tomar mais duas pastilhas milagrosas para dormir, leio umas páginas dos livros que tenho na mesinha de cabeceira.
Como de costume, apago a luz, por volta das três da manhã, porque me parece que já vou dormir.
Como de costume, fecho os olhos, procuro a melhor posição para dormir e tento esvaziar a mente.
Como de costume, desisto de tentar não pensar nos pensamentos tristes que me assaltam.
Como de costume, por volta das quatro da manhã, levanto-me.
Como de costume, fumo um cigarro na varanda e vejo o Porto, ao fundo, iluminado e silencioso.
Como de costume, sento-me ao computador ou pego no meu diário e escrevo.
Como de costume, procuro palavras que me silenciem por dentro.
Como de costume, as palavras tardam em chegar...
Como de costume, são palavras que percorrem as mágoas e saudade dum tempo onde me encarcerei.
Como de costume, procuro palavras que me lancem na ilusão de um tempo - a ser um pouco mais feliz.

As palavras sempre me fugiram ou surgiram no momento errado.
As palavras sempre me assustaram e armadilharam o caminho.
Não as palavras banais! Mas as outras, as sentidas, expressivas e quentes como bronze macio, brancas de paz e de ternura, doces e vermelhas como morangos ou amoras silvestres.
Como só tu , David, sabias dizer... E eu ouvia... mas não tive tempo de aprender. Só contigo ia tacteando essa experiência de não ter medo de dizer porque me ensinaste que nunca há nada a perder, se forem sentidas e sinceras.
Estas palavras sempre me escapam ou eu não sou capaz de as libertar, no momento certo, do casulo onde hibernam.
O casulo vai secando e muito ficará por dizer.

Como de costume, passa das cinco da manhã.
Como de costume, vou tentar, novamente, adormecer.

Isabel

23 fevereiro 2008

Tempo indefinido

Ainda e sempre, o tempo - aliado e inimigo - que rege os meus dias.
Nunca, como agora, senti tanto a existência sufocante do tempo.
Antes, era a apenas sensação
  • da falta de tempo para sentir o tempo
  • do tempo que passava por mim sem que eu passasse bem o tempo
  • do tempo que tudo arrastava menos a memória de ter havido um tempo em que repetia "agora, não tenho tempo..."
Se o tempo é a essência da vida...porquê tanta cegueira? Onde andava eu? Porque não aproveitei melhor todos os pedacinhos de tempo? Do nosso tempo, em comum. E o nosso tempo, sei-o agora,... foi bom!

Diz-se que o tempo é bom, quando vivemos momentos felizes e tudo nos corre mais ou menos de feição. Queremos, então, que o tempo passe lento e preguiçoso.
Quando os dias são tristes e a solidão nos pesa, queremos que o tempo acelere e voe.
Mas que fazer quando se quer que o tempo avance e recue, em simultâneo?
A confusão instala-se.

Então, dou por mim. Mas não me reconheço. Flutuo na indefinição. Sem pontos cardeais ou tempo que me orientem. Sem eles, eu sou apenas e nada mais que emoção.
Os espaços temporais não se misturam; do espaço exterior tenho completa noção.
Mas, cá dentro, continuo vagabunda, entre cravos e cardos, qual "cavaleiro andante" que marcha ao ritmo do matraquear do coração.

Isabel

Este é um blog que entristeceu


Boa noite ou boa aurora?

Perguntam-me como é possível que ainda tenha lágrimas para chorar. Perguntam-me como se consegue viver depois de um filho morrer. E eu não sei responder.
Sei que as lágrimas estariam sempre a correr, se as deixasse soltarem-se dos olhos, quando querem.
Sei que não se chama a isto que vivo, viver. Chama-se imitação dos passos e gestos da vida, na esperança de que se tornem realidade e, outra vez, sentidos.
Dizem-me, também, que chorar faz bem e que falar e desabafar, acalma a alma.
E eu pergunto-me, então, por que não me sinto bem? Porque não acalma a minha "alma"?

Dizem outros que o tempo vai curar uma parte da dor...
E eu espero. Mas o tempo torna-se diferente, depois da morte de um filho. Não é linear, corre cá dentro.
Está feito em pedacinhos e cada pedacinho é preenchido, passo a passo; com as rotinas diárias, com os sorrisos silenciosos que me dirigem, com a ternura que me manifestam os amigos, com a dedicação da família e com recordações intermitentes do passado que andam comigo, a par e passo.

O tempo é uma traição para uma mãe que perdeu um filho. O tempo afasta-me do momento em que David ainda respirava. Em que estava vivo e eu lhe dava a mão. E eu não consigo nem quero afastar-me desse tempo que me prende com garras.

Quando se é mãe, é para sempre. Se se é mãe de dois filhos muito diferentes, é-se duas mães diferentes, também.
Não custa, acontece naturalmente...
Mas é difícil, muito difícil, ser mãe de um filho que morreu e de um filho que está vivo e tem, felizmente, saúde. Este tem o direito a ter projectos de futuro e a sonhar. Tem direito a continuar a ter a sua mãe e não um fantasma que vem, ocasionalmente, do passado.
Mas perdi um filho, no caminho. Como sucedeu? Como não fui capaz de o proteger. Os filhos são eternos.
Não aceito e não compreendo. Vivi um longo (mas curto) tempo, num alternar contínuo de momentos de pânico, desespero, alguma esperança, muita angústia e, de novo, alguma alegria. Sempre numa avalanche de sentimentos exacerbados mas guardados, dentro de mim, a sete chaves.
Por fora, houve sempre um sorriso meu, uma conversa bem disposta do Manel, gargalhadas e sentido de humor do David, o amor e a ternura da namorada, o apoio constante, por parte do irmão e da cunhadinha.
Chegámos a ser felizes, cá em casa!!!

Agora, tudo é muito confuso. A minha cabeça gira num rodopiar incessante, entre o passado e a travesseira da cama do hospital onde adormeceu o meu bondoso e terno David e o presente que me promete, agora, alguma alegria que começa a despontar com a chegada dum neto.

Mas o tempo é o aliado da saudade. E a saudade, de ti, meu filho que partiste, vai pesando mais fundo. Sinto-a, cá dentro, cavando, cavando como uma toupeira; mais longe dos olhares alheios, mas próxima das minhas entranhas, onde me corre nas veias.
Estou grávida da tua ausência e desta vez, não haverá parto.

Um beijo da tua mãe.

Ansiedade



A minha ansiedade desperta comigo
Ao amanhecer

Sei que não te irei encontrar
Ainda adormecido
Não te poderei acordar
Com o sol a entrar, sonolento,
Pelo reposteiro
Entretecido

A cada regresso a casa
Já não te verei
Não estarás sentado a ouvir uns sons da Lhasa
Ou encostado na banca da cozinha
No teu ritual
De beber leite de arroz
A acompanhar a torradinha

Sei que seremos dois
E à mesa
Haverá um lugar mudo
Ainda quente
Abandonado
E uma vaga sensação de tristeza

Sei que, ao anoitecer,
Regressará a certeza
Do pouco que há
A perder
E deito-me, exausta e sem sono,
Com medo de novo amanhecer


Isabel Venâncio

19 fevereiro 2008


Boa noite!

Este é o David Sobral, meu filho, aquele de quem vou falar muito neste blog.

Isabel Venâncio

O David morreu há 4 meses

Boa noite
Deixei em suspenso este blog pessoal, mal tinha começado...
No dia 22 de março de 2006, foi detectado um cancro ao meu filho mais novo - David Sobral.
Tudo ficou suspenso - o mundo tal como era, o tempo e a minha vida.

O meu filho morreu, há quatro meses, no dia 18 de Outubro, às 13h 25min.
Só me acalma o coração saber e ter visto que partiu sem dor - estava de mão dada com ele. Adormeceu no dia 16 e não voltou a acordar.

Entrou em coma. As últimas palavras que ouvi da boca dele foram "Mãmã, vamos dançar!"
Sinais de medo, ansiedade, dor física ou psicológica - não vi!
Portou-se com uma grandeza e dignidade surpreendentes, ao longo dos 18 meses em que combateu a doença.

Foi um exemplo para todos e, por isso, tantos o choraram e tantos se foram despedir dele.
Depois de cremado, as cinzas foram depositadas, na praia de Moledo, na rochinha onde brincou quando era criança.
É lá que está, agora. E uma parte de mim, também.

Nenhuma mãe fica inteira, quando perde um filho, no caminho.
Vou regressar a este blog...com lágrimas e muita dor.
Os meus interesses não são os mesmos; eu sou outra.
Vou transferi para aqui o diário em que escrevo todas as noites, desde que o David morreu.
São páginas e páginas que começam a acumular-se e não quero que se percam.
Não quero esquecer nada do meu filho, viva eu muito ou pouco tempo.

Vou tentar ser feliz quando puder. Devo-lhe isso.

Boa noite