27 fevereiro 2008

Há dias e dias

Boa noite

Cá estou, à hora da insónia!

Hoje terminei a leitura do Capitão Alatriste, de Arturo Perez Reverte.
Contra o habitual e sendo um livro pequeno, demorei vários dias. É que, pelo meio, a minha atenção dispara para aquilo em que devo tentar não pensar continuamente (mas penso!) - o desaparecimento do David.

Como não estava em condições de pegar no sono, pus-me a ler a revista Magazine Artes que passei a comprar... O David comprava-a regularmente. Eu já a tinha folheado algumas vezes e sabia que essa uma das fontes de recolha da vasta informação cultural de que ele dispunha, para estar sempre a par de tudo o que acontecia no mundo do cinema, do teatro, da música e, claro, do espectáculo. Nada escapava àquele meu rapaz.

Pus-me, então, a ler a entrevista ao Luiz Pacheco, escabroso como sempre. E, à medida que ia lendo e sorrindo, ouvi "nitidamente" as gargalhadas saudáveis do meu filho, que delirava com as respostas do estranho Luiz Pacheco.
Acho que foi a primeira vez, desde o dia 18 de Outubro, que o "vi", sorridente e com aquele sentido de humor que o caracterizava e que, apesar de fragilizado nos últimos dias no hospital, continuava a manifestar-se em pequeninas coisas que dizia.

O mundo da cultura e os projectos que tinha ocupavam-mo, por inteiro, mesmo no seu subconsciente... Ou as enfermeiras de serviço não teriam assistido, na noite de 15 de Outubro, à cena com que depararam naquele quarto nº24, do 4º piso do HGSA - o David "falava comigo", um pouco adormecido, mas perfeitamente audível, dizendo, em inglês perfeitamente correcto, excertos da peça Macbeth, de Sheakespeare.

Era isto que dizia:

MACBETH

She should have died hereafter;
There would have been a time for such a word.
To-morrow, and to-morrow, and to-morrow,
Creeps in this petty pace from day to day
To the last syllable of recorded time,
And all our yesterdays have lighted fools
The way to dusty death. Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

É impossível não reviver estes últimos momentos que passei com ele.
Será possível esquecer estas recordações espantosas, mas tristes e melancólicas, que guardo a sete chaves, no coração, o tal órgão onde se diz que se guarda o Amor?
Asseguro que não me é possível. E regressarei mil vezes a esses dias!
Se o tempo se desdobra em mil pedacinhos, também o coração se desdobra em mil cantinhos, onde guardo, da mesma fora, os que me acompanham, aqui e agora.
E quem aí vem para eu adorar...

Bom acordar!
Isabel

Sem comentários: