29 maio 2014

As duas faces do futuro.

                               Existe um limite temporal de silêncio, que eu não controlo.
Para os meus dias sem falar.
Contigo. De ti.
Ou só comigo.
Que interessa?
E, então, venho.
Numa explosão de saudades e vazio.
De sufoco com a ausência da tua presença ... nas palavras.
(Eu sei que é nas palavras que existes.)
Somente no seu som.
Basta o nomear do teu nome.
David ... nas palavras.
Minhas ou dos outros.

É o eu falar de ti que me dá alento.
O que de ti ficou nos outros que me acalenta.
Mesmo tanto tempo depois.
Apesar de só palavras, no testemunho de quem te conheceu bem.
Materializa-se a leveza da tua força.
Que incorporo em mim.
E, assim, existo.
Embora a sensação de que o futuro ficou atrás de mim.
Da outra parte de mim.







Olá, grande mãe Isabel


Quando me enviou o seu livro, com a sua encantadora dedicatória, e li a primeira página, não aguentei. Guardei-o, para depois, por detrás de outros, numa prateleira. Desculpe!
Há um mês, dei com o olhar do David, na capa do seu livro. Como se olhasse para mim.

Comecei, acabei e senti que tinha de lhe dizer. É algo pungente e vertiginoso.
Esta sua experiência, relatada em formato diário, é um verdadeiro portento de amor incondicional a um filho e de coragem. Um terramoto em cada nota, em cada acordar para a realidade. Tão agudo e lúcido que se nos rasga a carne e a mente com uma lâmina poderosíssima, sempre que o seu olhar materno estudava todos os resultados dos exames médicos, tabelas, evoluções; sempre que a sua ilimitada força de proteger o David esbarrava numa parede invisível e de ninguém; sempre que enxugava as lágrimas e sorria e o abraçava e seguia em frente.
És tão difícil ler o seu "Mamã, vamos dançar"! 
Nunca li nada assim! É uma experiência última, de limite.

Acho que a leitura deste livro faria muito bem a muita gente que é feliz e não sabe.

Ainda tenho muitas saudades do David e deixe-me dizer-lhe que nunca consegui resolver o nó na garganta pela surpresa do seu desaparecimento. Sinto a falta das nossas conversas (hi5, email e telefónicas) sobre cinema e música e palcos e dança e políticas culturais (tão pobres, nesse país).
Achava-o desconcertante, meigo e engraçado. Inesperado, no seu sentido de humor culto, inteligente e perspicaz (por vezes, cáustico). Era fácil gostar do David.


E, agora, associo ao seu livro as minhas próprias recordações, tão reveladoras da sua personalidade: Um dia, em Novembro, 2006, em que telefonou a contar tudo o que sucedera nos últimos. A mãe fabulosa e que agira rapidamente. Tudo iria correr bem. As conversas ao telefone, sem queixumes da parte dele. A confiança era inabalável. A equipa médica do hospital tão solidária. Os amigos da mãe e do Manuel. O líquido verde e os cremes do Sr. António. Os tratamentos inovadores. A sucessão dos projectos. O amor. "De olhos azuis". Os concertos e as viagens intercalados de quimioterapias ou vice-versa. No problem! Mudança de protocolos nas quimioterapias. Mais agressivas. No problem! As reuniões com os colegas do Drumming, para novos projectos, no sossego do escritório. A intensidade do projecto Zeca. A ternura do apoio do irmão. Sempre a mãe como rocha que ampara. E o Manel que segura a mãe. Um sucesso, a luz num espectáculo em Madrid, mas ele ausente. Mesmo assim, orgulhoso. No problem! Novos projectos, uma empresa, agora de gestão cultural. Pedia-me contactos. A vinda para um ensaio experimental em Val d'Ebron (e eu mais alerta). Um jantar de aniversário em Barcelona. Um concerto no Teatro Grego, sob chuva intensa. A família paterna, desilusão e tristeza. Mas a firmeza do David, na nossa conversa. E sempre a mãe, à sua espera. O regresso sem rede, sem um telefonema a pedir ajuda. Depois, o silêncio.

Agora, de novo, o meu querido amigo David, através de si.
Obrigada, Isabel

Marta Valera

(P.S. Este texto foi traduzido do castelhano.)





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