Natal
Luzes e gingle bells
Tangerinas, mangas e ananás ...
Mesmo ananás? Mesmo da Madeira?
Carros e carros que buzinam mal vira o verde
Gente aflita, porque acabou a canela para os sonhos
Eu "sonambulo", pelas ruas ao lusco-fusco, mãos nos bolsos
Sinto que olham para mim e estranham. Será por não carregar sacos?
Tinóniii, tinóniii, insiste uma ambulância ... alguém inesperadamente mal
Mas as pencas, as hortaliças, as batatas de olho de perdiz, os alhos e o azeite?!
Vá, deixem passar! Ou determine-se que doença e morte não combinam com natal!
"Passará, passará, mas alguém ficará." Regressará a tempo do bacalhau?
Regressará?
Regressará?
Eu, mãos esquecidas nos bolsos vazios, pelas ruas do Porto, ao lusco-fusco ...
Não procuro nada, quero somente respirar o frio gélido do fim de tarde
(cada vez mais a claustrofobia)
e recordar outros jantares de natal ... contigo, ainda. A tua avó!
Amanhece o dia, numa espera exangue e rodopiante pela noite das noites...
Talvez a magia aconteça
Não procuro nada, quero somente respirar o frio gélido do fim de tarde
(cada vez mais a claustrofobia)
e recordar outros jantares de natal ... contigo, ainda. A tua avó!
Amanhece o dia, numa espera exangue e rodopiante pela noite das noites...
Talvez a magia aconteça
Amanhece um sem abrigo, recolhido para passar a noite, na entrada de um banco ... que hoje não abriu.
À entrada da loja ao lado, trinta pessoas à frente, abrigada do temporal,
estou eu e um cigarro lento.
O bolo-rei, as castanhas de ovos ... aguardam-me.
É o meu fado!! Queira ou não queira ...
O sem abrigo levanta-se.
É alto, esguio, elegante; foi um homem bonito.
Aproxima-se e pede-me gentilmente um cigarro.
Pede desculpa por pedir o cigarro.
Tão submissamente pesaroso por pedir.
Eu entro na confeitaria. Ainda faltam quinze.
Saio. Sufoco lá dentro. Mais um cigarro à chuva.
O homem que foi bonito, sentou-se no beiral molhado.
Canta "A todos um bom nataaaal ..."
Tem uma voz nítida, um timbre agradável.
Fico emocionada ... canta Bécaud "Et maintenant
Que vais je faire de tout ce temps, que sera ma vie ..."
E pára.
"Conhece esta canção francesa, menina? Cante comigo!"
Confirmo que conheço e acompanho-o. Em pé, um pouco afastada ...
Mas próxima ... porque sim.
"Nunca vi nada disto!! É assim que tu me queres, ó Senhor?
Aqui eu, a parecer um animal perdido."
Tira o telemóvel do bolso. "Pois claro, não funciona!"
"A todos um bom nataaal! Que horas são, menina?"
Digo-lhe as horas.
"Obrigado, menina! Olhe, não faz mal, é Deus que manda esta tormenta.
E eu de ossos encharcados."
Volta a falar, indiferente a quem passa."És romeno, não tens dinheiro!!
Um cigarro cravado! Não tens mesmo vergonha!!?
E o bacalhau e não sei que mais ... Não percebo nada disto, ...
Como vim aqui parar ... Eu, um cão molhado à chuva ...
E os guarda-chuvas a voar ... Que horas são, menina?"
Percebe que tenho estado atenta a tudo o que diz.
Já passou mais meia hora.
"Deve estar a chegar o autocarro ...
É o autocarro do amor."
E canta o que sabe da canção.
Repete o refrão ...
Gosto da voz educada deste homem que amanheceu na sarjeta.
"Menina, lembra-se desta canção do autocarro do amor?
Eu digo que sim, mais uma vez. E cantarolo, baixinho.
Fumo novo cigarro de silêncio.
O autocarro aproxima-se. O homem que foi bonito levanta-se.
Ajeita o cabelo molhado.
Vira-se para mim. É, de facto, alto. Mãos longas e finas.
Tem qualquer coisa de aristocrático que permanece,
apesar das roupas demasiado largas, engelhadas, encharcadas.
"Menina, muito obrigado pelo cigarro.
Desejo-lhe um bom natal ..."
E entra no autocarro, enquanto
canta, baixinho, "Ééé ... o autocarro do amoooor ..."
Ainda se vira para mim.
"Menina, tem olhar triste!
Cante!"
À entrada da loja ao lado, trinta pessoas à frente, abrigada do temporal,
estou eu e um cigarro lento.
O bolo-rei, as castanhas de ovos ... aguardam-me.
É o meu fado!! Queira ou não queira ...
O sem abrigo levanta-se.
É alto, esguio, elegante; foi um homem bonito.
Aproxima-se e pede-me gentilmente um cigarro.
Pede desculpa por pedir o cigarro.
Tão submissamente pesaroso por pedir.
Eu entro na confeitaria. Ainda faltam quinze.
Saio. Sufoco lá dentro. Mais um cigarro à chuva.
O homem que foi bonito, sentou-se no beiral molhado.
Canta "A todos um bom nataaaal ..."
Tem uma voz nítida, um timbre agradável.
Fico emocionada ... canta Bécaud "Et maintenant
Que vais je faire de tout ce temps, que sera ma vie ..."
E pára.
"Conhece esta canção francesa, menina? Cante comigo!"
Confirmo que conheço e acompanho-o. Em pé, um pouco afastada ...
Mas próxima ... porque sim.
"Nunca vi nada disto!! É assim que tu me queres, ó Senhor?
Aqui eu, a parecer um animal perdido."
Tira o telemóvel do bolso. "Pois claro, não funciona!"
"A todos um bom nataaal! Que horas são, menina?"
Digo-lhe as horas.
"Obrigado, menina! Olhe, não faz mal, é Deus que manda esta tormenta.
E eu de ossos encharcados."
Volta a falar, indiferente a quem passa."És romeno, não tens dinheiro!!
Um cigarro cravado! Não tens mesmo vergonha!!?
E o bacalhau e não sei que mais ... Não percebo nada disto, ...
Como vim aqui parar ... Eu, um cão molhado à chuva ...
E os guarda-chuvas a voar ... Que horas são, menina?"
Percebe que tenho estado atenta a tudo o que diz.
Já passou mais meia hora.
"Deve estar a chegar o autocarro ...
É o autocarro do amor."
E canta o que sabe da canção.
Repete o refrão ...
Gosto da voz educada deste homem que amanheceu na sarjeta.
"Menina, lembra-se desta canção do autocarro do amor?
Eu digo que sim, mais uma vez. E cantarolo, baixinho.
Fumo novo cigarro de silêncio.
O autocarro aproxima-se. O homem que foi bonito levanta-se.
Ajeita o cabelo molhado.
Vira-se para mim. É, de facto, alto. Mãos longas e finas.
Tem qualquer coisa de aristocrático que permanece,
apesar das roupas demasiado largas, engelhadas, encharcadas.
"Menina, muito obrigado pelo cigarro.
Desejo-lhe um bom natal ..."
E entra no autocarro, enquanto
canta, baixinho, "Ééé ... o autocarro do amoooor ..."
Ainda se vira para mim.
"Menina, tem olhar triste!
Cante!"
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