29 outubro 2014

Outra das facetas do David!





Análise Teatral
Prof. Isabel Alves Costa

"You Walk?"

           Depois de mastigar e ingerir rapidamente uma Alheira de Mirandela, saí apressadamente do restaurante onde jantava, com os meus progenitores e o meu irmão, para me dirigir ao Rivoli, com o objectivo de arranjar uma sobra qualquer para ver o meu primeiro espectáculo do Porto 2001, "You Walk?" de Bill T. Jones.
            Depois de voltas e mais voltas pelos buracos e escavações do Porto, lá consegui um lugar para estacionar a viatura em que me guiava. O Rivoli estava cheio de gente e eu lá me pus, com ar de quem não quer a coisa, à espera. Encontrei outros  colegas e amigos, todos (usando a expressão correcta) "na mama". 
          Com paciência e calma lá chegou a minha vez na bilheteira e arranjei um bilhete para mim. Quando a senhora me perguntou "É menor de 25 anos?", apercebi-me de que a idade não perdoa e pensei "Tenho 3 anos para ser famoso!".
           Dessa forma, não tenho de andar nesta desgraceira das sobras para os alunos da ESMAE.
            Entrei, obriguei quase uma fila inteira a levantar-se e sentei-me. Antes de continuar, devo anunciar que vim a este espectáculo por influência de um amigo que é Designer de Luz.
            O espectáculo é constituído por várias peças distintas e estas intercaladas por leituras feitas pela cantora Mísia. Há intervalo para ir à casa de banho. Há também uma senhora a ruminar uma chiclete mesmo ao meu lado ...
            A dança em si não me cativou muito, mas confesso que, por vezes, estive de boca aberta, vendo os bailarinos fazerem coisas que nem a minha gata faz quando se espreguiça. Os corpos eram o mote daquilo tudo, quer fosse com ou sem roupa. E, por falar em roupa e não figurinos, esta parece nem existir. Fazia parte do próprio corpo dos bailarinos.
            Foi-se formando um ambiente sadio e fresco e o bom relacionamento entre bailarinos transbordou do palco. Mas os melhores momentos ainda estavam para chegar.
            Quando, na segunda parte, assisti a um concerto coreografado, mergulhei profundo na harmonia dos sons do novo fado tocado pelos músicos. Reflecti e interroguei-me sobre a força desta nossa música além fronteiras. Quando acabou, quase que chorei por mais. 
            Voltei a ouvir o som da ruminante ao meu lado ...

            O fim é em grande! É o auge da construção do ambiente cândido de toda a peça. A luz branca é comparável ao paraíso e os bailarinos, agora nus, comparáveis a anjos. 
            Muitas palmas e mais uma música com direito a improvisos dos bailarinos, mais palmas ainda e, por fim, o fim.

David Sobral


20 outubro 2014

último ritual

Só então
Cinzas mornas
Apertadas de encontro ao peito
Viajaram
Comigo
Até à maré vaza.

(20out2007)




19 outubro 2014

Água que escorre



Forma, só forma

Brincarei ainda na infância
Lembrando-me agora?
E que recordação
Me pensa a esta hora?

O que sou passou
Pela minha existência
Tenho uma presença
Mas já lá não estou:

Sou também lembrança
De alguém em algum sítio,
Onde não alcança
O que, lembrado, sinto.

É aí repousa já
Tornado esquecimento
Um dia que virá
Há muito, muito tempo.


M. A. Pina
(há 2 anos)

15 outubro 2014

Dói!! Cada vez mais ...






Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve..


CECÍLIA MEIRELES(1901-1964) 

14 outubro 2014

O som da dor.


















"Decidimos que não haveria rostos tristes, nem olhos molhados ou inchados de choro, em frente ao David. Nem suspiros de desânimo. Nem perguntas a que ele não sabe responder. Foi o que combinámos, nesse instante, eu e o Manel.
O David, quando ficar bem, vai regressar a casa. É assim que ele pensa que será. E nós confirmaremos... Não aceitaremos desiludi-lo! Seria cruel demais!
Ele deixará sonhos, utopias, um rasto de músicas e sons, uma espantosa capacidade de se dar aos outros e uma grandiosa paixão pela vida! 
A herança dele é um inexpugnável castelo feito de coragem, de solidariedade e de fortes laços de ternura. 
A chave desse castelo ... leva-a com ele. 
Só ele a sabe usar!"

14 de Outubro 2007  - "Mamã, vamos dançar?"

06 outubro 2014

Delírios sobre a luz. A tua.


How is it all doing? Things are ok for me here. 
The school is not so good cause the government is cutting financial support but the rest is good, new invitations, new contacts of amateur groups to give classes to,... I'm lighting a staged opera recital next wich could lead to other good things.
I'm writing because of one thing that has been in my mind for some time. There's an effect I quite like to do wich is to have a profile spot with a gobo an then have a diffuser (gel) with a hole (size being related to the size of the overall image).
You can imagine the effect. 
A pattern image (breakups go great) falling in "deepness" (from center to border). It's quite cool. And if you imagine a lot of them (overlaying only the difused region) projected on a cyc or even in the floor, it's amazing. It adds even more texture.
The thing is, the techs in theatres don't let me "ruin" the diffuser when putting a hole in the middle. 
And I've only did this once and it looked great.
 I did a projection of a "Old City Skyline" overlaying them in a way that I would have a bigger and longer city. Just like a photo of a street where the first buildings are focused and the others on the way are diffused. 
Now:
I though of one thing. Imagine an automated fixture (scanner or moving head) with another iris but instead of having metal blades, they would have pebbled/ frosted? glass. This way I could do the effect without "ruining" the plastic diffuser and I could also focus and make it more or less diffused from border to center spot.
What do you think about this? Am I delirious or do I have a point?
Another thing, did received the email asking for an address to send cd's from Zoë to your school? The band would like to do it.
Greetings,

David Sobral




01 outubro 2014

O fim no fundo de um copo

Prometo, David.
Os teus textos não ficarão mais à mercê da água ...
Mesmo os inacabados, como este.


Imagem da Manuela Baptista


O Fim no Fundo do Copo

Parei. Não quero saber. 
Antes de vir para cá o Mundo estava prestes a começar a acabar-se. O shaker ficou cheio com um cocktail de problemas sem solução. Em cada gole do meu martini, vejo o fim no fundo do copo e misturo o lazer do momento com  a tragédia alheia e distante que agora me dá prazer. Sou um pecador egoista dentro do meu paraíso. 

Tenho o sol, a lua... É o necessário para o principio de tudo, como pode ser o fim? Ao levantar o copo para acabar a bebida vejo, por fim, o princípio num bikini que passa. Um simples sorriso e começará tudo de novo... Mas será esta talvez a única coisa que me poderá irritar aqui neste deserto de tentações? Quero ser machista, sexista, elitista, independentista, egocêntrico, intolerante, ignorante, personalista, pecador egoísta.

Depois de viver tanto tempo num mundo como este, não consigo deixar de me deixar das manias todas que ganhei das vidas estúpidas que levei. Que levamos todos. Perdemos a concentração todos os dias; inicialmente éramos influenciados, encaminhados, agora somos atingidos, dirigidos.

Deixa-me estar.

Preferia mesmo não ter tido nada. Qualquer coisa-objecto-produto me sugere outras coisas-pessoas-vidas. Memórias de tempos passados parecem anúncios publicitários de que nos lembramos através de um cheiro, som ou cor que nos ficou gravada na memória já tão desgastada. À velocidade com que a informação que nos atinge, a memória envelhece como nunca antes. Antes éramos chamados, convidados, agora somos nomeados e telefonam-nos.

Basta-me olhar para o meu lado esquerdo esticar o braço, ver e pegar no meu copo de martini que, neste momento, é meu. Paguei-o.

Logo me lembro dos outros copos, dos jantares, dos bares, das noites, das músicas aos berros que não escolhemos para falar, berros aos ouvidos formando conversas desencadeadas e inebriadas pela vontade de atingir algo num momento imediato seguinte, no carro, uma mão, no elevador, um beijo… São rituais tão certos quanto outros muitos, todos os rituais, sempre foram. Cada vez mais rituais fingindo que nos estamos a inebriar de diversão, saúde, qual quê…

Basta-me isto, uma alusão, uma perda de tempo, pois nem é uma memória. Uma perda de concentração naquilo que deveríamos considerar de mais importante e útil. Tenho vontade de gerar descendência!

É para isto que gasto o dinheiro. Para delirar sempre que algo me passa nos olhos e me faz emergir algo à memória. A culpa não pode ser definitivamente só minha. É de quem? Dos meus pais? Dos pais dos meus pais? De todos os pais? De um país? De todos os países?

O que sinto agora é que sei de tudo daquilo que não me interessa neste momento. Quero limpar-me, despojar-me. Antes só me sujei. Agora, quero inteirar-me, só isso!

Sinto mais uma alusão a passar-me pela cabeça, está mesmo a chegar…

O guarda-sol. Um pão com uma cobertura de palha em cima. Uma construção simples.

Aí está ela. Cabanas de pau, cabanas de bambu, de palha, de folhas verdes compridas, cabanas de musgo e lama…

Vêm-me à cabeça as famílias, as pessoas, que vivem nessas cabanas. Uma vida inteira e pensamos e pensamos e pensamos… Uma vida inteira. Pois e depois as crianças esfomeadas. Mais uma memória em formato de imagem tão gasta já mas tão constante ainda que desgasta, desmotiva. Desaparece o motivo, mantém-se a imagem.

“Estão muito longe meu filho. Estão a quilómetros de distância” dizem, “pouco ou nada podemos fazer por elas”.

Quem pode então? E se um dia eu puder, vou-me lembrar? Vou estar concentrado? Vou querer? Afinal quem pode com os males?

É só um guarda-sol, nada de mais. Não posso desgastar-me assim.

Acho que devia ter aqui um daqueles cantores com umas maracas acompanhados de um guitarrista.

É o conceito básico de cultura. Quero preencher-me. Trabalho também é cultura; mas enche, não preenche. A cultura preenche-nos os espaços ocos que o trabalho cria nas nossas cabeças. Espaços ocos que por, acidente e desconcentração  são assaltados por tristezas e incertezas. O consumo de cultura aumenta o desemprego de psiquiatras e psicanalistas sempre tão cultos, por nos ouvirem. Que inveja.

Esta fuga a que muitos chamam erradamente viagem de férias subentende esse conceito.

Trabalho, ganho mas encho-me, encho-me e poupo, penso e escolho, gasto e consumo, fujo e liberto-me.

Tão simples! Como podem alguns ter alterado e deturpado tanto esta simples fórmula. São demasiadas sobremesas. Todos querem a sobremesa.

Afinal o fim tem de ser em grande. Um restaurante sem boas e criativas sobremesas está condenado aos almoços económicos diários. A vida também é assim, uns escolhem melhor do que os outros. “Pouco ou nada podemos fazer…”

Um jantar precisa de uma sobremesa. Hoje à noite quero uma boa sobremesa, lembrar-me-ei disso ao jantar. Um bom jantar sem uma boa sobremesa não é um bom jantar, mas um mau jantar com uma boa sobremesa acaba num bom jantar. Irónico, não é? Olhe, só quero um café ...

A morte não é uma boa sobremesa. Pode ser um jantar demorado com uma sobremesa depois?

Sorrio. É interessante como a mente dispersa quando estamos deitados ao sol de olhos fechados.

Sentimos a pressão, a intensidade do sol nas pálpebras. Ele chama-me constantemente e abre-mos. A nossa motivação é em primeiro lugar fototrópica mas onde está a luz ao fundo do túnel? Procuro-a, no horizonte.

Nunca consegui dormir na praia. É-me impossível manter os olhos fechados, por muito tempo, pois mesmo que os queira manter cerrados, o som também me chama.

Quando era novo, um adolescente, preferia dormir a manhã inteira; viver a partir do almoço. Antes ainda, quando era um puto passava o tempo na água ou ao pé da água até que ao fim do dia chorasse e coçasse as comichões provocadas pelo sal seco encrostado na pele.

Por vezes, levantava-me e ia mesmo para a praia mas passava o tempo dentro da barraca ou a ler os jornais que, mesmo em férias, nos continuam a entupir com os mesmos cabeçalhos, como se só nós fizéssemos férias. Outras vezes tentava dormir para recuperar o sono perdido. Impossível. O som circundante era constante. Sobretudo as conversas incessantes.

Lembro-me de ouvir várias vozes, umas familiares, outras desconhecidas e pô-las a falar umas com as outras, dentro da minha cabeça. Diálogos dignos de uma encenação à maneira!

Mas como eu, todos os outros que estão aqui hoje comigo nesta praia fazem voto de silêncio. Uns mais lá ao fundo, já não. Devem ter chegado antes e fazem já novas conversas.
Mas são poucos. Procurei propositadamente este espaço com esse objectivo. Espaço. Silêncio. Paz de espírito, outra paz não existe.

Hoje à noite quero uma sobremesa.

Acho que a morte deve ter mesmo uma sobremesa. Não acredito em paraísos, preferia um frugal banquete sem fim. Como se não tivéssemos o estômago como limite. Seria apenas o deleite.

Na vida há quem queira só sobremesas no seu banquete. As sobremesas são efémeras e portanto irresistíveis.

Tento mais um gole do meu martini mas ele já acabou ...

DAVID SOBRAL