14 outubro 2011

Palavras que não enganam ...

Tenho a nítida e dolorosa percepção de que a tua imagem, meu filho David, se vai esbatendo e submergindo na areia fina, no fundo do mar, por entre as algas, e, talvez, corais ... onde, talvez, habites.
Tenho a nítida e dolorosa sensação de que outros a quem estiveste ligado e que, de alguma forma, te fizeram sofrer, vão emergindo ...
Como se a tua partida não tivesse sido tão, tão trágica; tão violenta e irreparável.
E dói. Dói-me muito.
No que diz respeito à desumanidade de alguns que te eram próximos, não sou capaz de ser clemente ou tolerante. Nem quero perdoar ou esquecer.
Essa parte do meu coração transformou-se em pedra ... de tanto te ver sofrer.

Alguns vão esquecer!
Outros vão perdoar o imperdoável.
Sei-o, ouço, pressinto-o, percebo alusões ocasionais e inocentes... apesar do silêncio.
"É da natureza humana!" - dizem-me.
Sim.
Sei que vai ser assim e cada vez mais assim só nós perdidos naquela luta inglória e distante; sei que te irão deixando cair e serás só tu; cada vez mais só tu, no meu coração só.
Porque hoje é o dia em que a tua última morada passou a ser aquele branco quarto 24, no 4º piso, ao fundo de um corredor, à esquerda ...
Porque hoje foi também o dia em que eu, contigo, comecei a desprender-me da parte de mim própria que não voltou a sair daquele quarto, já só iluminado pela luz dos teus olhos.
Que me interessava a luz do sol que víamos lá fora?

Hoje, como há 4 anos, há estados de alma que não se partilham.
E sinto-me só; estarei, irremediavelmente, cada vez mais só, neste sentir.
Com a minha dor.
Com a minha saudade.
Com a minha revolta.
Mas também com aquele outro eu; rude e incapaz de perdoar quem não te perdoou.
Quem não perdoou por nos amarmos assim, mãe e filho, em frente à morte, de forma incondicional.
Poderia ter havido outra forma?



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