09 junho 2022

Quem finge não se finge!

Que haja, então e apenas, só Música 
Ao meu redor

Se assim for
Não tenho medo

Se a Música me invadir
Partirei como quem regressa a casa.
Ou a ti.
David
Que dizias "a música é a minha paixão"

Ou a algum alguém 
Que, subitamente, me descubra
E me veja
Escondida entre sílabas e sons
Diluída entre riso e lágrima 

Ouvir?
Não é preciso.
As palavras são tão enganadoras!
As minhas assustam-se com o que dizem …
Quando se soltam!!

Basta seguir o percurso das mãos!


04 maio 2022



Sempre que penso em ti
David
Que é sempre ... ou quase sempre

Eu sei lá ...

Todas as palavras escondidas
No mais fundo de mim
Se transformam.
Como se levasse comigo
(Mas do lado de fora)
Um coração
Feito à medida
De cada situação.


Às vezes, cantas
Sobre o meu ombro e com a minha voz
Como se estivesse eu cantando.
Os olhos abertos de espanto.

Ou então
Quem sabe
As lágrimas
Que sinto escorrer
E queimam
Não me pertençam
Nem este momento
Nem este sentir este sentimento.

Afinal
Que rosto real reflete
O espelho iluminado 
Mas não me vê?

Que porta física
Tenho de abrir
E passar?
Para, finalmente, te encontrar
Ou, tão só
Me encontrar?

03 dezembro 2021

Percurso de memória





Moledo, ainda agora.
Até ao virar da esquina
O sol, lá atrás, a adormecer no mar.
Pudera, ali, um dia, a cabeça repousar!

Regresso 
Chamo-lhe, sempre, regresso
De ti, como se foras ninho,
Afogada em lembranças 
De tempo entre pinhais e chilreios
De crianças

Porque tu ficas
Agora, ficas sempre
Sou eu quem parte
E com o olhar digo adeus
À quieta imensidão da água
Que te guarda

Contínuos regressos 
Vão-se acumulando
Na memória escurecida
Tão saudosa e gasta.
Montes verdes e castanhos serpenteiam na estrada
A mesma
Mas tão diferente a vejo.

Mais longe, já no fundo de mim 
Eólicas gigantes, as pás cansadas,
De batalhas e farrapos
Onde me acena
O teu sorriso ainda ...
Mas tão distante!

Que sonhos perseguirá D. Quixote?
Se eu, Sancho Pança, deixei de sonhar.

03 julho 2021

Sob o céu cinzento de julho

 




Chegou cedo

O tempo em que o tempo se rasga.

Basta um dedilhar de guitarra 

Para que o meu sangue

Em movimento incessante

Se sobressalte

Basta, tão só

Cerrar os olhos

E regresso a ti.

À ternura.

Donde nunca saí.

Basta um som de tango

Um swing ondulante

Ou tão só o vibrar das teclas de um piano triste

Cerrar as pálpebras

Cerrar os punhos

Encerrar-me num silêncio

Musical e luminoso

E, devagar,

Ao som da dor

Regressar a mim

Despida de enfeites

De sorrisos feitos

Depois que o tempo 

Ficou vazio de ti.

Então

Na planura da saudade

Sem sonhos

Sem timbre ou melodia

Sem luz de projetores

Sem papagaios de papel

A fugir no alto

Em direção ao mar

Esqueço a claridade

Que vem de fora

Devagar

Sem dominar o porquê

Volta o tempo

Em que o tempo se estilhaçou

E eu me quebrei!


Apanho, então, cada pedacinho de mim

Da minh' alma deserta

E recomeço 

Recomeço

Recomeço

E recomeço



26 abril 2021

O meu rapazinho no Tempo
















EU mãe que perdi um filho
ainda acredito
 que há coisas que não podem acontecer ...
Como o morte do filho, 
acontecida,
sorrio por entre lágrimas, quando falo dele
choro sozinha dentro do carro 
e mergulho nos sonhos dos outros.

EU mãe que perdi um filho.
estando presente, estou sempre ausente ...
Não compreendo o tempo
que se fixou por detrás do choro das pálpebras.

Mães ... um filho
choram a perda dos filhos das outras mães ...
criam laços de ternura imensa com quem as ouve,
ouvindo só ...
como somam e subtraem dias, 
a partir daquele dia ...

Mães que perderem filho
têm  um coração imenso, ocupado por inteiro por todos os outros filhos
e filhos dos filhos ...

EU mãe que perdi um filho
perco-o todos os dias
sou devorada por uma revolta surda contra ninguém
acordo aterrorizada, envolta em suor ... 
com medo que mo levem de novo
que volte a ser esse
o dia.

EU mãe que perdi um filho
engulo raiva e calo soluços
enquanto
aguardo paciente a companhia da solidão amiga
onde choro,
 enfim, em silêncio, o mistério do não saber porquê

EU mãe que perdi um filho
procuro sinais no céu estrelado, encostada à janela da noite,
e persigo, de dia, silhuetas na rua.

Um certo arregaçar de manga
uma mochila ao ombro
um cabelo em rabo de cavalo
o capuz de uma gabardina cinza
uma cabeça erguida
talvez um olhar de frente
UM ar de quem sabe o caminho certo.

EU mãe que perdi um filho
desisto desolada 
não. o sorriso não é igual
aquele era misto de troça, ironia, tristeza ou ternura
não, o tal timbre de voz
que se fixou, eternamente jovem ...
era voz de menino
 o que partiu de mim

As mães que perderam, como eu
mergulham no baú das fotografias antigas
isolam o olhar, cortam perfis, recortam gestos doces
montam fotografias esbatidas
repassam filmes de família, remontam-nos
ouvem-nos e veêm-nos, mil vezes
constroem pontes, travessias de lá para cá...
de cá para lá

Há mães que, crendo em Deus, aguardam um reencontro
Acreditam na perda temporária
garantem-me que os filhos estão bem!
Um dia
Vão encontrá-los.

Outras não!
Dolorosamente, 
nada.
Eu! Nada!
A não ser poeira de estrelas ou talvez uma estrela no mar
Luz somente!

EU mãe que perdi um filho
Tenho
A mágoa que dói
A saudade que esmaga
A amargura do "never more".

São minhas companheiras de viagem, 
nesta travessia para o nada.
E para o tudo que é nada.

Um "Mamã, chegarei aos 30?"
Seguido de um sorriso doce, lento e esquecido
É também o que me sobra do David.
Guardo tudo, mil vezes tudo, na conchinha da minha mão fechada
e sob cada bater de pálpebras dos meus olhos
(mesmo assim)
abertos para os outros 
todos os meus outros

EU mãe que perdi um filho
Só sei viver desta forma!
Não conheço outra
E outra não busco, nem quero.

O meu filho David faria, hoje, 43 anos.

David!
Meu rapazinho sem tempo.